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Contas públicas

Haddad tenta driblar pisos para saúde e educação, bandeiras históricas da esquerda

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad: governo conseguiu licença para descumprir pisos da saúde e educação em 2023, e tenta contornar regra nos próximos anos. (Foto: André Borges/EFE)

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Historicamente defendidos pelo PT e outros partidos de esquerda, os porcentuais mínimos de gastos com saúde e educação, proporcionais à arrecadação da União, tornaram-se agora mais uma dor de cabeça para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Suspensa durante a vigência do teto de gastos, a necessidade de atendimento aos pisos em 2023 poderia ampliar o rombo nas contas públicas em cerca de R$ 20 bilhões. Por isso, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atua em várias frentes para se livrar da obrigação neste exercício e contornar a regra nos próximos anos.

O artigo 212 da Constituição estabelece que a União deve aplicar anualmente 18% de sua receita líquida de impostos (RLI) na área de educação, o que inclui transferências, manutenção e desenvolvimento do ensino.

Para a saúde, a Emenda Constitucional 86, aprovada em 2015, no governo de Dilma Rousseff (PT), previa a obrigatoriedade de destinação de um porcentual crescente da receita corrente líquida (RCL), que começou em 13,2% em 2016 e chegaria a 15% em 2020.

Em dezembro de 2016, já no mandato de Michel Temer (MDB), foi promulgada da Emenda Constitucional 95, que instituiu a regra do teto de gastos, limitando o aumento anual das despesas da União à correção pela inflação. Para as áreas de saúde e educação foram criadas regras específicas para evitar o congelamento de gastos, mas os pisos constitucionais passaram a ser desconsiderados.

Conforme a nova regra, os gastos mínimos com saúde deveriam equivaler ao porcentual de 15% da receita líquida já em 2017, antecipando o piso que seria alcançado apenas em 2020. Porém, a partir de 2018 o valor passou a ser apenas corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

No caso da educação, o piso constitucional foi mantido em 18% da arrecadação de impostos para 2017, mas de 2018 em diante o valor executado também passou a ser corrigido somente pelo indicador oficial de inflação.

À época na oposição, o PT defendia a manutenção dos patamares mínimos originais. “O afundamento do Sistema Único de Saúde já tem data marcada: 2018”, disse o então líder do partido no Senado, Humberto Costa (PT-PE), na sessão que aprovou a proposta em definitivo.

Fazenda quer que pisos voltem a valer apenas a partir de 2024

Já em 2023, o novo arcabouço fiscal – que permite um crescimento real de despesas equivalente a 70% da alta de receitas, limitado a 2,5% – restabeleceu os pisos constitucionais anteriores à regra do teto de gastos.

Mas, em meio a um quadro de déficit primário e com uma ambiciosa meta de equilibrar as contas públicas até o ano que vem, o governo agora tenta driblar a obrigação.

A primeira vitória nessa empreitada foi obtida na segunda-feira (9), quando a unidade técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) indicou que os pisos só precisam ser cumpridos a partir de 2024. O parecer, proferido em resposta a uma consulta encaminhada por Haddad, ainda precisa ser chancelado pelo plenário, mas, caso confirmado, representará um alívio de cerca de R$ 20 bilhões para o governo em 2023.

Embora tenham sido aprovadas neste ano, as regras estabelecidas pelo novo arcabouço fiscal valem a partir do Orçamento de 2024. Apesar disso, informações de bastidor apontam que o TCU não estava disposto a dispensar o governo de cumprir os pisos.

Diante do risco de descumprir a regra fiscal, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Zeca Dirceu (PT-PR), apresentou uma proposta de emenda que permite que o governo descumpra a exigência de pagar o piso para saúde em 2023. O dispositivo foi incluído em um projeto de lei que autoriza uma compensação da União para estados e municípios em decorrência da redução do ICMS sobre combustíveis, que vigorou entre junho e dezembro de 2022. O texto foi aprovado no Senado na quarta-feira (4) e agora segue para sanção de Lula.

Ainda assim, buscando uma interlocução maior com o ministro do TCU Augusto Nardes, relator do parecer pela inexigibilidade da regra em 2023, na última quinta-feira (5) diversos ministros de Estado compareceram a um evento coordenado por Nardes na sede do órgão. Estiveram presentes, além de Haddad, Rui Costa (Casa Civil), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), Vinícius Carvalho (Controladoria-Geral da União), Esther Dweck (Gestão e Inovação) e Marina Silva (Meio Ambiente).

Segundo o jornal “Valor Econômico”, a articulação teve participação do presidente da corte de contas, Bruno Dantas, que é próximo de Lula.

Governo quer mudar cálculo do piso constitucional da saúde

A possibilidade de descumprir os pisos constitucionais para saúde e educação em 2023, no entanto, representaria apenas um alívio temporário para o governo, que quer ainda limitar as despesas nas duas áreas para os próximos anos.

Em outra frente, o Planalto estuda uma mudança no cálculo da RCL, com a retirada de receitas extraordinárias de concessões, acordos e transações tributárias que não são recorrentes na arrecadação. Como a variável está na equação do piso constitucional para a saúde, a modificação reduziria o volume de recursos de aplicação obrigatória na área.

Segundo afirmou o Ministério da Fazenda à Gazeta do Povo, está em estudo, no chamado “Novo Ciclo de Cooperação Federativa”, um conjunto de medidas lançado pelo Tesouro Nacional em julho que “visa reformular e revitalizar o pacto federativo brasileiro e fortalecer a relação entre União, estados e municípios”.

A pasta informou, no entanto, que este momento de discussão ainda apura “eventuais impactos de descumprimento”. “Também está em análise a possibilidade de estabelecimento de período de transição para permitir a adequação de todos os entes”, declarou a Fazenda.

Economistas defendem revisão de pisos constitucionais

Analistas de contas públicas ouvidos pela Gazeta são favoráveis a uma revisão na regra dos pisos de gastos com saúde e educação. Para Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, a medida poderia ajudar o governo a equilibrar o resultado primário em conjunto com as iniciativas que buscam elevar a arrecadação.

“O grande problema é que não temos mais gordura para queimar nas despesas discricionárias e cortar as obrigatórias parece realmente difícil”, explica. “Mas você pode reduzir o ritmo de alta”, diz. Ela ressalta que o mais importante não é o valor dispendido nessas áreas, mas a qualidade do gasto.

Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, destaca que a regra dos pisos deve elevar os gastos justamente em razão da busca da Fazenda por mais fontes de arrecadação. “Se a receita como um todo crescer mais do que 2,5%, que é o limite imposto pela nova regra fiscal, essas despesas vão pressionar as demais, reduzindo o espaço para gastos discricionários dentro do novo teto”, explica.

Para ele, uma ideia viável seria utilizar os próprios limites do regime fiscal para limitar o reajuste nas despesas com as duas áreas – ou seja, estabelecer um aumento de 70% da receita, com limites mínimo de 0,6% e máximo de 2,5% de crescimento real.

“É importante também rediscutir esses pisos estruturalmente, porque temos uma população que está envelhecendo e que, portanto, vai demandar mais gastos com saúde e provavelmente menos com educação”, avalia. “Deveria se dar mais liberdade aos gestores para alocar valores de acordo com as necessidades da população. Mas, por enquanto, no curto prazo, acho que é válido apenas rediscutir esses mínimos.”

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