Ilustração sobre a empresa de telecomunicações chinesa Huawei.| Foto: Jialun Deng/The New York Times

O fundador da Huawei Technologies, Ren Zhengfei, recomendou que seus executivos assistissem a uma série de TV chamada "Proof of Identity". Nessa série de 2009, um espião comunista que se infiltrou no exército nacionalista durante a guerra civil chinesa tenta, durante anos, provar sua lealdade e sua identidade depois da vitória do comunismo.

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Hoje, 32 anos depois que fundou a gigante das telecomunicações com US$ 3 mil emprestados, Ren está lutando para provar que a Huawei é uma empresa privada e independente do governo chinês.

Agora, a tarefa é extremamente urgente. Nos últimos meses, a administração Trump afirmou que a China poderia usar o equipamento da Huawei para espionar outros países, embora não tenha fornecido provas. Ainda nesta quinta-feira (16), o presidente norte-americano foi além e declarou emergência nacional para proteger as redes de computadores do país de "adversários estrangeiros".

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Na prática, a ordem executiva assinada por ele impede que empresas americanas usem telecomunicações que possam representar riscos à segurança nacional, sem citar nomes. Isso poderia levar a uma redução dos negócios com a Huawei no país.

Em suposta retaliação, a China anunciou formalmente a prisão de dois canadenses, detidos desde de dezembro por suspeitas de espionagem, num acirramento da crise diplomática entre os dois países.

Os críticos acusam a companhia de ser controlada pelo governo chinês. A Huawei negou repetidamente essas alegações, dizendo que é propriedade de seus funcionários e que não espiona seus clientes.

Independentemente das questões de propriedade e controle, que têm sido temas de debate acirrado, a luta da Huawei se origina, em parte, de seu próprio conflito interno. A empresa é profundamente influenciada por concorrentes ocidentais. A Huawei quer ajudar a determinar o futuro tecnológico do mundo, e o próprio Ren disse que a empresa pode precisar se adaptar para chegar lá.

Mas, em seu núcleo, desde sua estrutura organizacional até a maneira como constrói a lealdade do empregado, a Huawei se parece muito com o próprio Partido Comunista chinês.

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O pensamento da administração de Ren "tem naturalmente características muito profundas da cultura do Partido Comunista", de acordo com um livro de 2017, "Will Huawei Be the Next to Fall?". (Uma versão diferente foi publicada em inglês como "The Huawei Story".)

Embora em um tom efusivo, o livro – cujo título remete ao tipo de pergunta que Ren frequentemente faz aos empregados para inspirar urgência – oferece indícios do motivo pelo qual a Huawei tem dificuldade de conciliar suas ambições globais com seus valores chineses. A vantagem do livro é o acesso, incluindo entrevistas com mais de cem executivos da cúpula. O principal escritor, Tian Tao, professor de administração, foi amigo de Ren por duas décadas, e a Huawei às vezes dá cópias de presentes.

A empresa negou que sua identidade interna tenha contribuído para seus problemas. Citando grandes resultados financeiros, ela disse em uma declaração que "globalmente, a identidade da Huawei é aceita por todos os clientes".

"Tudo que podemos fazer para abordar as questões de identidade é permanecermos abertos e transparentes, e pretendemos fazer isso", acrescentou.

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Problemas entre Ocidente e Oriente são antigos

A Huawei não é a primeira instituição chinesa a ter problemas com a forma de se relacionar com o resto do mundo.

Desde o fim do século XIX, a China analisa quanto deve aprender sobre o Ocidente, ao mesmo tempo que mantém o que muita gente vê como os principais valores chineses: patriotismo, lealdade, valores coletivos sobre direitos individuais. A ideia é conhecida como "substância chinesa, aplicação ocidental", e busca ferramentas para o renascimento econômico e militar do país sem abraçar ideias como direitos individuais, Estado de direito e transparência.

Esse modelo foi útil à China por décadas, mas vacila quando instituições como a Huawei começam a alçar voos internacionais. Muitos no Ocidente temem que a Huawei não compartilhe seus valores e que possa se tornar ator de um Estado autoritário. Será preciso mais que algumas entrevistas para superar essa desconfiança.

Ren compreende as diferenças entre os dois sistemas. Em um pronunciamento em setembro, ele pediu que seu departamento de relações públicas destacasse os valores da Huawei que se alinham aos do Ocidente para ajudar a alcançar o consenso.

"Temos nosso próprio sistema de valores. Não aceitamos completamente o sistema de valores políticos ocidentais", disse Ren.

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Porém acrescentou: "Sua civilização levou milhares de anos para ser construída. Uma pequena empresa como a Huawei não será capaz de mudá-la."

A julgar pelo livro, seus discursos e outras declarações, Ren estuda o Ocidente. Ele disse que admira os sistemas político e jurídico dos EUA, que oferecem uma melhor proteção para as empresas – o que não é uma ideia incomum entre a classe empreendedora da China. Pagou consultores da IBM durante quase duas décadas para ajudar a Huawei a adotar uma gestão corporativa ao estilo americano. Para alcançar os concorrentes ocidentais, a Huawei precisava "usar sapatos americanos", mesmo que isso significasse ferir os pés, disse ele uma vez.

"Só aprendendo com eles, com toda a nossa humildade, poderemos derrotá-los um dia", disse Ren no livro.

Ainda assim, enquanto a Huawei está ansiosa para aprender com o Ocidente, sua alma está mergulhada na cultura do Partido Comunista. "Em um país com pouca filosofia e experiência de administração de negócios, os empreendedores chineses tiveram de recorrer à tradicional cultura política e partidária como orientação", de acordo com o livro.

A estrutura da Huawei parece impressionantemente similar à do partido. Ambos são geridos por um grupo de sete funcionários graduados, com ainda mais semelhanças por toda a hierarquia. A empresa chama seu programa de treinamento administrativo de Escola do Partido Central, que é o nome da instituição do Partido Comunista que treina funcionários promissores.

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Quando se trata de formação de equipes e de lealdade, Ren utilizou o sistema de autocrítica do partido, em que os integrantes confessam seus erros. As sessões de autocrítica são chamadas de "reuniões de vida democrática", exatamente como as do partido.

"Essa é a herança chinesa. As empresas ocidentais nunca entenderão isso. E, mesmo que entendam, não conseguirão adotá-la", escreveram os autores do livro.

A Huawei também rotineiramente realiza cerimônias para seus executivos, do conselho para baixo, fazendo-os prometer integridade e honestidade, assim como faz o partido. Ren, ex-engenheiro militar, também infunde essa cultura na Huawei. Ele às vezes se refere a grandes negócios como a "Batalha por Triangle Hill", uma referência a um confronto durante a Guerra da Coreia que incluiu tropas chinesas e americanas.

A batalha final por Triangle Hill, disse ele, visa superar os rivais dos EUA. Sua carta anual de 2012 termina com a sentença: "Com aspirações elevadas e espírito corporativo, estamos cruzando o Oceano Pacífico", referindo-se às letras de uma famosa canção sobre o exército chinês cruzando o rio Yalu para lutar contra os americanos e sul-coreanos.

Ele disse à CNBC que gosta de usar termos militares porque são fáceis de entender. "Quando não consigo encontrar um termo melhor para descrever facilmente como os negócios funcionam, uso termos militares", disse ele.

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O espírito corporativo aguerrido da Huawei – conhecido como "cultura do lobo" pelas pessoas de fora e por funcionários, e como "cultura da luta" pelos executivos – pode ter suas raízes no partido. Quando a Huawei começou a ser atacada cerca de dez anos atrás, depois que alguns suicídios de funcionários foram manchete na China, Ren comentou, de acordo com o livro: "O que há de errado com o esforço? Aprendemos isso com o Partido Comunista. Vamos nos esforçar para a realização do comunismo até o fim de nossas vidas."

Mesmo o estilo de liderança de Ren lembra o de Deng Xiaoping, líder anterior da China, que começou a reforma do país e o período de abertura no fim dos anos 1970. Deng abriu mão de seus títulos em seus últimos anos – embora tenha mantido o de presidente da Associação China Bridge –, mas manteve a autoridade nas tomadas de decisão da China até sua morte em 1997.

Embora Ren seja o executivo-chefe da Huawei, ele disse que não tem poder decisório, exceto para vetar propostas e remover executivos de seus cargos. O secretário do conselho da Huawei, Jiang Xisheng, disse aos jornalistas na semana passada que Ren tinha poder de veto limitado.

Mas, na empresa, ele é claramente o líder supremo.

Uma frase sua no livro: "Não se pode usar o veto e o poder de impeachment muitas vezes. Uma ou duas vezes por ano seria suficiente. A dissuasão nuclear só funciona quando a bomba ainda não explodiu."

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