Mexer no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual, sobre os combustíveis, pode ser mais complicado do que se imagina. O Palácio do Planalto encaminhou, no último dia 12, um projeto que estabelece uma alíquota única do tributo para todos os estados. O objetivo é o de tentar reduzir o preço do diesel na bomba, motivo de insatisfação entre os caminhoneiros.
Os combustíveis pressionaram fortemente a inflação em fevereiro, medida pelo IPCA-15, aponta o banco Fibra. Somente a gasolina teve alta de 3,52% nesse período. Mas no acumulado de 12 meses, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ela apresenta uma variação positiva de 2,92%. O etanol ficou 3,87% mais barato e óleo diesel ficou praticamente estável.
O presidente Jair Bolsonaro vem insistindo no tema desde o ano passado. Em fevereiro de 2020, ele disse que zeraria os tributos federais dos combustíveis se os governadores fizessem o mesmo em relação ao ICMS. Segundo a Petrobras, o tributo estadual responde por 28% do preço final da gasolina e por 14% do óleo diesel.
Mudança no ICMS afeta o pacto federativo e pode levar discussão ao STF
Um dos principais dificultadores à mudança no ICMS sobre os combustíveis é o pacto federativo. “A medida invade a competência dos estados, já que o ICMS é um tributo estadual”, diz André Félix Ricotta de Oliveira, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).
O professor Gustavo Amaral, da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP), diz que a ideia da proposta é tentar concentrar as decisões de tributação. “Isto implicaria em uma mudança no jogo político da carga tributária. Funcionaria como uma retirada de poder da Assembleia Legislativa e seu repasse ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).”
Mexer no pacto federativo pode levar as discussões sobre o preço dos combustíveis para o Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por analisar questões constitucionais. Contribuiria, também, para ampliar o contencioso tributário que, segundo o Núcleo de Estudos da Tributação do Insper, era superior a R$ 5,44 trilhões ao fim de 2019, o equivalente a 75% do PIB. “Abriria espaço para questionamentos de estados e, até mesmo, dos contribuintes”, diz Amaral.
ICMS é ferramenta errada para regular preço, diz especialista
Amaral aponta um outro efeito da proposta apresentada pelo governo federal: a de usar o ICMS como um tributo para regular os preços dos combustíveis, a exemplo do que ocorre com a Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide).
“Quer-se usar o ICMS para neutralizar os efeitos da alta do petróleo no mercado internacional. Isto é possível só com tributos regulatórios. Tenta-se usar a ferramenta errada para solucionar um problema que não é tributário”, complementa.
O mecanismo tributário que o governo tinha para influenciar nos preços dos combustíveis, a Cide, está zerado desde 2018 para o diesel e o gás de cozinha.
O professor da FGV também lembra que a ideia de tentar baixar os preços dos derivados do petróleo vai na contramão da tendência mundial. “Há, cada vez mais, um esforço para desincentivar o uso de combustíveis fósseis.”
Queda de arrecadação comprometeria as finanças dos estados
Outra implicação de uma eventual aprovação desta medida, segundo Everton Paetzold, sócio da consultoria Mazars, seria uma redução substancial da arrecadação dos estados. “Isto comprometeria ainda mais a capacidade de investimento. Eles têm muita conta para pagar.” E teria grandes possibilidades de afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita, por exemplo, os gastos com pessoal a 60% da receita corrente líquida.
O peso dos combustíveis no ICMS dos estados é grande. O tributo é a principal fonte de arrecadação deles. No Rio de Janeiro, os combustíveis respondem por 13% do ICMS. Em São Paulo, por 12%.
Os reflexos de uma mexida no ICMS não se restringiriam apenas às unidades da federação. Ela também atingiria diretamente os municípios, já que 25% do tributo arrecadado retorna a eles.
Alíquota única nos estados tende a elevar ICMS na maioria deles
Outra questão que pode ter impacto sobre a arrecadação dos estados é a proposta que estabelece uma alíquota única do ICMS para todos os estados. Paetzold lembra que essa é uma discussão antiga e de difícil discussão.
O professor do Ibet aponta que, no caso do estabelecimento de uma alíquota média, os estados com menores alíquotas seriam beneficiados e os com maiores, prejudicados. A alternativa, para não prejudicar os estados, seria o de uniformizar pelo teto, o que elevaria o peso do imposto e, consequentemente, o preço, afetando negativamente o consumidor – exatamente o oposto do que deseja o governo.
Mexer nos impostos não dá estabilidade aos preços
Os especialistas apontam que um dos principais objetivos da medida, de dar estabilidade aos preços, é ilusório. “O petróleo é uma commodity e seus preços estão vinculados ao mercado internacional e à cotação do câmbio”, diz Paetzold.
Foi o que disse na quinta-feira (25) o próprio presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, que será substituído por determinação de Jair Bolsonaro: "Petróleo é commodity, cobrada em dólar, não há como fugir".
“Foi uma escolha de política econômica”, destaca Amaral, sobre a decisão da Petrobras de atrelar os preços à volatilidade do mercado internacional. O preço do barril do petróleo tipo WTI no mercado internacional aumentou 30,7% desde o início do ano até esta quinta (25), segundo a Bloomberg. E a taxa de câmbio variou 4,26% no mesmo período, de acordo com o Banco Central (BC).
Uma alternativa que poderia dar mais estabilidade aos preços, segundo Paetzold, e que foi ventilada pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, é a criação de um fundo de compensação de preços, que absorveria os choques. “Mas isto não existe e dependeria de todo um tramite legal”, afirma o sócio da Mazars.
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast