Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram por unanimidade, nesta quarta-feira (14), as regras do acordo firmado entre os estados e a União para a cobrança do ICMS sobre os combustíveis a partir de 2023, dando fim a uma queda de braço que se arrasta há mais de sete meses.
O relator, ministro Gilmar Mendes, classificou a solução como um "acordo histórico no âmbito federativo" e que ele encerra "ao menos em parte" as discussões envolvendo as leis complementares 192 e 194, que determinaram alíquotas uniformes e monofásicas (incidindo apenas uma vez em toda a cadeia) para os combustíveis em todos os estados, além de impor um teto para o ICMS desses produtos. A questão era tema de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7191) e uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 984).
O acordo prevê que parte das regras em vigor desde a metade do ano – que derrubaram os preços após uma escalada por conta da alta do dólar e do petróleo – deixa de valer para o óleo diesel, o gás natural e o GLP (gás de cozinha). O imposto da gasolina ficou de fora do acordo e terá uma discussão à parte no primeiro semestre de 2023.
"O principal ponto acertado na conciliação foi a manutenção da essencialidade do diesel, do gás natural e do gás de cozinha (GLP), com ICMS uniforme e monofásico até 31 de dezembro de 2022. Não houve, entretanto, consenso sobre a essencialidade da gasolina", disse o Ministério da Economia em uma nota divulgada nesta quinta (15).
Comemorada pelos consumidores, a queda no tributo (e consequentemente nos preços na bomba) custou caro aos estados. O teto do ICMS sobre serviços essenciais imposto pela legislação, em torno de 17% a 18%, provocou uma perda de arrecadação estimada em R$ 124 bilhões por ano, de acordo com o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).
Até então, cada estado praticava a sua própria alíquota do imposto sobre os combustíveis, que chegava a até 34% para a gasolina no Rio de Janeiro, por exemplo. A discussão foi levada ao STF, que formou uma comissão de conciliação com intermediação do ministro Gilmar Mendes para se tentar chegar a um acordo – o que aconteceu no último dia 2.
Entre as medidas aceitas em consenso com a União, está a volta da autonomia dos estados em definirem as próprias alíquotas do ICMS sobre estes combustíveis – desde que uniformes e aplicadas em apenas uma etapa da cadeia de fornecimento –, a dispensa de se cobrar dos contribuintes o que deixou de ser arrecadado e a revisão dos critérios para a compensação do imposto desonerado (veja medidas mais abaixo).
"A decisão pacifica debates sobre aperfeiçoamentos na legislação implantados em 2022 que classificou estes itens como produtos essenciais e reduziu e unificou o imposto incidente sobre os combustíveis em 17% (antes vigoravam alíquotas diferentes, nos diversos estados e no DF). Como efeito prático, a homologação do acordo ajuda a conter a alta de preços e reduz a carga de impostos, beneficiando a população", completou o Ministério da Economia.
No voto seguido pelos demais ministros do STF, o relator Gilmar Mendes relembrou a autonomia dada pela Constituição de 1988 aos estados na definição das alíquotas do ICMS e a composição do sistema tributário nacional. E afirmou que as duas leis complementares afetaram a “efetividade da existência do próprio federalismo cooperativo”.
“Em relação à receita dos estados, quando se fala de ICMS, alcança-se a ordem de 48,1% da arrecadação total dos Estados e de 77% da arrecadação tributária (dados referentes ao ano de 2020). Ou seja, trata-se da principal fonte de custeio dos entes estaduais e distrital. Não nos esqueçamos também dos municípios, eis que 25% da arrecadação do ICMS é diretamente destinada a eles”, disse Mendes, ressaltando a alegação dos estados de que a perda da arrecadação afetou o custeio das áreas de saúde, educação, segurança pública, combate à miséria, entre outros serviços essenciais.
O voto de Gilmar Mendes não cita nominalmente o etanol e biodiesel, mas ambos constam do acordo firmado em consenso pelos governos estaduais e distrital com a União.
Apesar do acordo permitir aos estados definirem as próprias alíquotas do ICMS sobre o diesel, o gás natural e o GLP, Mendes diz que um limite pode vir a ser imposto pelo Senado caso “exorbitem do poder tributante”. A questão surgiu após um apontamento do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) sobre o fim do teto para os combustíveis com base no aumento da alíquota padrão que alguns estados já estão promovendo.
“Esse debate não passou a largo da Comissão Especial, tendo o juiz auxiliar, que designei para exercer a mediação/conciliação, expressamente explicitado que inexistem dúvidas de que se está, no contexto das Leis Complementares 192/2022 e 194/2022, diante de um conflito específico que envolva interesse de estados, que pode se agravar, a depender da atuação dos entes estaduais e distrital”, completou Mendes no voto afirmando, ainda, que o STF vai acompanhar o cumprimento dos termos do acordo pelos estados e a União.
Alguns estados já promovem minirreformas tributárias para elevar a arrecadação. Alguns deles, como Pará e Paraná, elevaram a alíquota padrão do ICMS para 19%, que vale para a maioria das operações (e que serve de limite máximo para os bens e serviços sujeitos ao teto estabelecido pela LC 194).
O acordo chancelado pelos entes federativos e homologado pelo Supremo tem eficácia para todos e efeito vinculante. Dessa forma, diz o Ministério da Economia, "passa a ser garantida a segurança jurídica a todos os agentes públicos envolvidos no processo de construção do consenso e aos contribuintes em geral".
O que diz o acordo que põe fim à discussão entre estados e União
O acordo agora homologado pelo STF será encaminhado ao Congresso Nacional para a elaboração de um projeto de lei que altere as LCs em vigor. Segundo disse o Ministério da Economia à Gazeta do Povo, dificilmente essa alteração constitucional será votada ainda neste ano, por conta da aproximação do recesso parlamentar.
Os demais serviços declarados essenciais pela LC 194, como energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, não terão alteração. Isso significa que, para eles, o teto do ICMS continuará valendo.
Veja abaixo quais as mudanças no ICMS dos combustíveis estabelecidas pelo acordo:
- reconhecimento do Confaz como o órgão legitimado para implementar a monofasia (cobrança do imposto em apenas uma fase da cadeia de fornecimento) e a uniformidade (tributação idêntica em todos os estados) da alíquota do ICMS dos combustíveis indicados pelo Congresso Nacional, por meio de alíquota ad rem (reais por litro) ou ad valorem (porcentual);
- fim do intervalo mínimo de 12 meses entre a primeira fixação e o primeiro reajuste dessas alíquotas, e de seis meses para os reajustes subsequentes;
- fim da necessidade de estados e Distrito Federal observarem as estimativas de evolução do preço dos combustíveis, de modo que não haja ampliação do peso proporcional do tributo na formação do preço final ao consumidor;
- prazo até 31 de dezembro de 2022 para que os estados adotem uma alíquota uniforme e monofásica de ICMS sobre os combustíveis previstos neste acordo. Esta medida já era prevista de imediato pela LC 192, mas foi prorrogada até o fim deste ano pelo ministro André Mendonça após pedidos dos estados;
- os estados e o DF renunciam a qualquer possibilidade de cobrar diferenças não pagas pelos contribuintes, pela "desconformidade artificialmente criada pela média dos últimos 60 meses" (média esta que serviu de base de cálculo para o ICMS dos combustíveis em boa parte deste ano);
- na mesma medida, se assegura aos estados não serem instados “a restituir eventuais valores cobrados a maior, desde o período de início de efeitos da medida legal até 31 de dezembro de 2022”. Gilmar Mendes afirma que essas duas ressalvas feitas pelos estados garantem segurança jurídica aos contribuintes para que não haja nenhuma cobrança retroativa ao imposto que deixou de ser arrecadado;
- sobre a compensação devida pela União por perdas de arrecadação superiores a 5%, a União concorda em rever os critérios estabelecidos pelo Ministério da Economia (Portaria 7.889/22) para alterar a base de comparação, de anual para mensal; e
- a possibilidade de que a União compense eventual perda de arrecadação mediante entrega de valores aos estados, caso o plenário do STF reconheça que há requisitos necessários para a abertura de crédito extraordinário, de modo que as quantias necessárias ao pagamento sejam incluídas em lei orçamentária e submetidas ao regime fiscal aplicável, sem prejuízo de eventual compensação de dívida já deferida liminarmente.
O acordo ressalta que será criado um grupo de trabalho específico, em até 120 dias, para revisar os critérios de apuração da perda de arrecadação do ICMS com as novas regras da legislação.
“Registre-se que os termos do acordo foram escritos, aperfeiçoados e reescritos pelos próprios entes federativos, que os ditaram na última reunião da Comissão Especial do dia 2 de dezembro, tendo ocorrido a deliberação e, ao final, a votação, com a aprovação da unanimidade dos votos presentes”, completou Gilmar Mendes no voto.
Com a homologação do acordo pelo STF, a União "encaminhará ao Congresso Nacional propostas de aperfeiçoamento de duas leis que trataram da mudança na cobrança do ICMS dos combustíveis (as Leis Complementares 192 e 194, de 2022)", completou o Ministério da Economia.
No entanto, especialistas ouvidos recentemente pela Gazeta do Povo contestam a necessidade de se compensar os estados pelo imposto que deixou de ser arrecadado. “Na verdade, eles deveriam devolver à população, pois se aproveitaram durante anos para arrecadar antes do STF determinar os produtos e serviços considerados essenciais, cobrando alíquotas que chegaram a 34%", disse Gilberto Luiz do Amaral, presidente do conselho superior do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
Opinião semelhante é a de Francisco Mendes de Barros, membro do conselho deliberativo do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e mestre em administração pública e de governo pela FGV-SP. Ele vê como desnecessária essa recomposição “em cima de um setor específico [como os combustíveis], porque fica uma conta eterna do governo federal tirando dinheiro [do orçamento] para ficar compensando isso”.
Por que a gasolina terá uma discussão à parte?
A gasolina ficou de fora desse acordo e terá a tributação discutida por outra comissão no ano que vem. Não se sabe, portanto, se esse combustível continuará subordinado ao teto do ICMS – dispositivo que, junto com a isenção temporária dos tributos federais (PIS, Cofins e Cide), foi fundamental para a forte queda dos preços e da inflação geral de julho em diante.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, os estados não chegaram a um consenso sobre a essencialidade ou não da gasolina.
"Os governos locais também se comprometeram reconhecer imediatamente a essencialidade do diesel, gás natural e GLP, bem como indicaram que os biocombustíveis são considerados ambientalmente desejáveis. Contudo, alertaram que o mesmo não é condizente para a gasolina devido a sua natureza poluente, e para tal combustível será definida uma alíquota uniforme entre estados de forma a não prejudicar os investimentos internacionais no Brasil”, disse o Comsefaz em nota.
Caso esse combustível não seja declarado essencial, parece natural que sua tributação seja elevada além dos limites atuais, que respeitam o teto do ICMS. Com aumento no imposto, a consequência óbvia é um aumento do preço ao consumidor.
O acordo também não chegou a um consenso sobre as tarifas de transmissão, distribuição e encargos de energia elétrica, que também tiveram imposto um teto para a cobrança do ICMS. Os estados e a União vão formar um outro grupo de trabalho no ano que vem para discutir a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (Tust) e a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd).
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