A crise financeira mundial se espalhou para muito além dos bancos e das bolsas de valores. Diversos setores da chamada economia real, como o de imóveis e o de carros, estão sofrendo impacto nos seus resultados.
No mercado imobiliário, por exemplo, o volume de imóveis residenciais comercializados em São Paulo sofreu recuo de 38,6% em setembro, segundo dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP).
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, declarou na última semana que acabou a "euforia" que vigorava no mercado antes da crise financeira. Ele também lembrou que a maior parte dos bancos já elevou os juros para compra da casa própria nos últimos meses.
Para combater essa queda, a grande aposta das imobiliárias são os apartamentos mais baratos. Isso inclui imóveis de vários tipos: usados, com apenas uma vaga na garagem, ou com vista para os fundos do prédio.
"Os clientes estão buscando valores menores. A faixa média de valor buscada antes era de R$ 250 mil a R$ 350 mil. Após a crise, está entre R$ 150 mil a R$ 200 mil", diz Roseli Hernandes, gerente de locação da Lello Imóveis. "Acredito que a grande coqueluche para 2009 serão os imóveis usados.
É nesse segmentos que estão concentradas a maioria das promoções", concorda José Augusto Viana Neto, presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci).
Segundo André Camargo Bonotti, diretor comercial da Adel, com a crise as pessoas tendem a limitar os gastos mais altos, se focando na compra de imóveis que permitam uma folga maior no bolso. "Esse mercado nunca vai parar, mesmo com a crise. As pessoas continuam casando, continuam tendo filhos. Com crise ou não, sempre existirão pessoas que querem sair do aluguel", diz ele.
"Esse tipo de imóvel havia tido uma valorização excessiva com o aquecimento anterior do mercado, e agora está voltando para seu valor real. Essa crise até deu a oportunidade de fazer um ajuste", explica Fábio Rossi Filho, diretor de lançamentos do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP).
Crescimento do aluguel
Outro segmento do mercado imobiliário que deverá crescer é o do aluguel. Segundo os analistas, muitas pessoas que tinham dinheiro em outros investimentos - bolsas de valores, por exemplo - estão comprando apartamentos para alugar, como uma alternativa de renda.
"Quem está procurando muito agora é o investidor, que antes estava ganhando dinheiro em outras aplicações. Eles procuram imóveis que possam trazer rentabilidade em termos de aluguel", diz Roseli, da Lello. O mercado imobiliário mostrou ser o mais seguro para investimentos na crise. Têm muitos investidores entrando no mercado em busca desse porto seguro", explica Rossi Filho, do Secovi.
Já entre as áreas que estão sendo mais afetadas pela crise, a preocupação é com a dos novos lançamentos, cujo número teve queda de 28% frente ao registrado no mesmo mês do ano passado na região metropolitana de São Paulo. Segundo o mercado, os empresários estão com dificuldade para obter crédito para o capital de giro necessário para os empreendimentos.
"Acho que têm prédios que não vão subir", ironiza Bonotti, da Adel. Ele também destaca a dificuldade das construtoras para repassar esse tipo de imóvel - cujo valor normalmente é mais elevado - com a crise: "algumas estão dando desconto de 15% a 20% na negociação com as imobiliárias", revela. "A médio prazo, conforme os lançamentos que já estão prontos forem vendidos, deve haver uma escassez nas construções novas", concorda Rossi Filho.
Montadoras pisam no freio
Já no setor de automóveis, o mercado também registra um forte recuo, após a euforia registrada no primeiro semestre. Em outubro, as vendas de automóveis ficaram na casa dos 226.944 veículos, uma queda de 18,4% quando comparada à do pico do pico ano, em julho.
As próprias condições para adquirir veículos pioraram: antes da crise, o prazo para pagamento poderia chegar até a 72 meses. Agora, a maior parte das concessionárias parcela o preço em no máximo 60 prestações.
Como resultado, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, admitiu no final de novembro que existe uma "certa dificuldade" para o setor vender 3 milhões de unidades este ano, conforme previa a entidade.
"Enquanto os bancos não estiverem com folga para financiar mais, nós vamos ter um período complicado", confirma a gerente de vendas da concessionária Caltabiano, Maria de Lourdes. Segundo ela, na concessionária "as vendas têm se mantido desde setembro, mas à custa de muita promoção e de propaganda na mídia. Vamos começar com anúncios em televisão, rádio e jornais, algo que dificilmente fazíamos antes".
Para enfrentar essas barreiras, as montadoras estão apostando nas promoções para diminuir o impacto da crise. A Fiat, por exemplo, criou a promoção "Palios in love", onde os clientes que comprarem um Palio Fire zero km nas concessionárias da marca concorrem ao sorteio de outro.
Na Ford, a estratégia foi a criação de feirões, no final de novembro, com oferta da linha da marca sem entrada, com financiamento em até 60 meses e 30 dias de carência para o pagamento da primeira prestação.
"Nenhuma outra montadora oferece condições tão atraentes para a compra de um veículo zero dentro do cenário econômico atual. O cliente sai de carro novo sem gastar nada e só começa a pagar quando receber o décimo terceiro", afirmou em comunicado Ivan Nakano, gerente de marketing de varejo da empresa.
Multas e videogame
Outras marcas partiram para promoções mais inusitadas. A Citroën criou campanha "Xsara Picasso Wii", onde quem comprou um Xsara Picasso em novembro ganhou - sem concurso ou sorteio - um videogame Nintendo Wii, campeão de vendas do segmento mundial de eletrônicos.
"O Wii é uma verdadeira febre e isso ficou muito claro no último Salão do Automóvel, onde o espaço dedicado ao jogo acabou se transformando na principal atração do estande da Citroën", diz Nívea Morato, diretora de marketing da empresa.
A Volkswagem, por sua vez, decidiu aliviar o bolso do consumidor por outro lado, com a promoção Multa Zero. Quem comprou um carro novo da empresa em um período de novembro e fez cadastro no site da companhia pode ganhar R$ 1 mil em dinheiro ou em desconto na compra de outro veículo. Basta não ter infrações e multas registradas no Detran pelo período de um ano e três meses após a compra.
E as promoções no setor não são exclusividade do Brasil. Nos EUA, onde a indústria automobilística luta pela sobrevivência diante da mais grave crise de vendas de sua história, alguns comerciantes decidiram radicalizar.
Em Chicago, uma concessionária da Chrysler lançou uma oferta na qual, comprando um veículo do modelo Pacifica (avaliado entre US$ 37 mil e US$ 40 mil), o comprador pode levar também um PT Cruiser, em troca de US$ 1, no melhor estilo "compre um, leve dois".