Opinião
"Parecia lindo demais para ser verdade"
Andrea Torrente, repórter da Gazeta do Povo
Estava procurando imóvel nos sites, há algumas semanas, quando me deparei com esse lindo apartamento. Localização invejável, tamanho adequado, mobiliado e com excelente acabamento. Sem falar do preço, bem em conta. Tudo me parecia lindo demais para ser verdade. Nada que pudesse ser comparado com os demais anúncios, que tinham fotos de qualidade menor e nem de longe oferecem condições tão vantajosas.
Além disso, mais dois detalhes fizeram com que eu desconfiasse da veracidade do anúncio. Em primeiro lugar, os apartamentos da região central de Curitiba costumam ser antigos, enquanto o do anúncio aparentava ser muito novo, praticamente recém-construído. Em segundo lugar, não tinha telefone de contato, nem um endereço de e-mail, apenas um formulário para preencher.
Quando entrei em contato com o suposto proprietário, ele explicou que era necessário um pagamento adiantado só para fazer uma visita. Não tive mais dúvida: era um golpe.
Confirmar
O delegado Demétrius de Oliveira adverte que a única forma de se certificar de que um anúncio é real é negociar com empresas conceituadas e confirmar em cartórios a veracidade de documentos como escrituras de imóveis e procurações.
R$ 2,4 mil é o valor que um "investidor estrangeiro" pede para confirmar a reserva de um apartamento no Centro de Curitiba. O montante seria equivalente a dois meses de aluguel isso, é claro, se o imóvel existisse de verdade.
A primeira fotografia da galeria de um suposto apartamento para locação no Centro de Curitiba mostra uma cozinha com geladeira de aço inox e móveis planejados. Mais à frente, uma banheira de hidromassagem. A descrição fala em duas vagas de garagem, dois quartos e 90 metros quadrados. Tudo por R$ 1,2 mil, sem taxas. Quem topa conversar com o responsável pelo anúncio se depara com uma história sempre igual. Ele se diz um investidor estrangeiro que precisa se ausentar da capital por alguns anos. Aceita inquilinos com animais de estimação e promete não incomodar ninguém mediante uma reserva de R$ 2,4 mil.
Anúncios similares pipocaram em sites gratuitos em diversas cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro. E têm feito muita gente perder dinheiro. Uma delas é uma moradora de Florianópolis que enviou o dinheiro para Londres por meio de uma casa de câmbio, em novembro. Ela estava interessada em uma casa no bairro Itacorubi, cujo aluguel também custaria R$ 1,2 mil. Depois de trocar e-mails em inglês com o responsável pelo anúncio e com um suposto corretor imobiliário, está até hoje à espera das chaves que seriam enviadas pelo correio. "Fiz o depósito em nome de Maurice Alain, com endereço em Londres. Mas pesquisei o IP [identificação do computador] dos dois e-mails usados e estão nos Estados Unidos", acredita ela, que preferiu não se identificar.
"Família de fraudes"
No caso do imóvel de Curitiba, o golpista que usa o e-mail thomasha1956@gmail.com se identifica como um executivo britânico do setor de turismo, com direito a foto na rede social Google+. Nos contatos, ele cita como intermediária do negócio a imobiliária alemã Scout24. A Gazeta do Povo entrou em contato com a empresa, que confirmou não ter negócios no Brasil. Via assessoria de imprensa, a Scout24 informou acreditar que o caso parece o "típico golpe nigeriano" citando uma "família" de fraudes tocadas a partir do país africano, que abusam da boa fé de pessoas no mundo inteiro e, em geral, usam serviços financeiros de empresas americanas.
A Polícia Civil alerta que os próximos meses trarão condições favoráveis ao crescimento desse tipo de golpe no Paraná. Uma delas é a chegada da temporada de verão, quando armadilhas desse gênero envolvem locação de imóveis em balneários. Outro é a proximidade da Copa do Mundo, que tratará de colocar Curitiba no mapa imobiliário internacional.
O delegado titular do Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber) do Paraná, Demétrius Gonzaga de Oliveira, explica que a versão "investidor estrangeiro" dá a estelionatários a desculpa perfeita para não estar disponível durante a negociação. Nem mesmo a visita ao imóvel pode ser suficiente para confirmar a veracidade do anúncio. Ele estima haver cinco inquéritos abertos no estado com histórias semelhantes. A investigação desses casos é difícil e demorada, afirma Oliveira. Envolve pedidos ao judiciário de outros países, serviço de tradutores e muita paciência.
Site diz que não é responsável pelo conteúdo anunciado por terceiros
O site OLX, onde está hospedado o anúncio falso de imóvel em Curitiba, surgiu em 2006 e faz parte de um segmento do comércio eletrônico em que a confiança é a base: os portais de negócios on-line. O OLX e seus concorrentes como Bom Negócio.com e Mercado Livre oferecem ferramentas para denunciar fraudes e informa a potenciais compradores que "desconfiem de anúncios que parecem bons demais para serem verdadeiros". Na última sexta-feira, o site expunha mais de 81,6 mil anúncios de imóveis no Paraná, sendo 48,5 mil deles na Grande Curitiba. Consultado pela Gazeta do Povo, o suporte da empresa não informou com detalhes como modera o vasto conteúdo, mas o site alerta que anúncios podem ser retirados do ar a qualquer momento. Assim como seus congêneres, o OLX avisa que os anúncios "são de total responsabilidade de quem os publicou" o que vai de encontro ao Código de Defesa do Consumidor, que define que os anunciantes têm responsabilidade solidária.
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