| Foto: Shahid Abdullah/Pixabay

Nas próximas semanas e meses, na hora de contratar o financiamento de um imóvel, todo comprador ficará frente a frente com o gerente e terá de fazer sua escolha: opta pelo modelo atual, com juros de 8,50% a 9,75% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR), ou adere à nova modalidade anunciada pelo governo, que derruba os juros pela metade, mas vincula o valor das prestações à flutuação dos índices oficiais de inflação, medidos pelo IPCA.

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Especialistas apontam o novo modelo pode ser interessante para quem tem a garantia de um trabalho formal com salário fixo ou com ganhos corrigidos pela inflação no período de vigência do contrato. Por outro lado, profissionais autônomos, que correm o risco de ter redução de receita quando a economia não vai bem, podem não fazer um bom negócio ao escolher a nova modalidade de crédito da Caixa.

"Para o consumidor, a nova modalidade de empréstimo pode ser melhor ou pior dependendo de vários fatores, incluindo o perfil do tomador, a sua capacidade de renda e a exposição ao risco da variação do índice que corrige a dívida. O mais importante é comparar as várias ofertas de bancos com calma e planejamento, pois o crédito imobiliário é a maior e mais longa operação financeira na vida de uma família, com uma dívida que pode chegar a mais de 30 anos.”

Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa
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Segundo Samir Reis, gerente de crédito da BCredi, no caso dos novos contratos, o interessado precisa ficar de olho no que o mercado vai ofertar. "Por mais que falemos de taxas, o tomador precisa saber se as parcelas vão caber dentro do salário dele. É importante haver educação financeira e informação para que o cliente saiba exatamente que tipo de financiamento, e a que taxa, está tomando. Acredito que, com as informações atuais, haverá uma boa movimentação financeira, e o Brasil precisa disso para crescer e gerar empregos."

OS PRÓS

  • A prestação inicial é até 51% menor

Um relatório feito pelo banco de investimento JP Morgan aponta que “essa modalidade ajudaria a melhorar o acesso à compra, reduzindo a primeira parcela dos compradores em cerca de 30%", apontam os analistas Marcelo Motta e Guilherme Mendes.

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Pedro Guimarães, presidente da Caixa, estima que, com a adoção do IPCA, haverá queda de 35% no valor da prestação no caso de um financiamento com taxa mais cara (4,95%). Isso na comparação com os contratos tradicionais, ligados à TR. No caso de contratos com taxa mais barata (2,95%), para clientes com relacionamento com o banco, a queda no valor da prestação foi estimada em 51%.

  • Renda exigida tende a ser menor

Outro benefício que a nova linha de crédito da Caixa tende a trazer é uma redução na renda exigida para obter o empréstimo. "Com o valor da parcela mais baixo, a renda exigida para ter acesso ao empréstimo também tenderá a ser menor", estima o diretor financeiro e de relações com investidores da incorporadora Eztec, Emílio Fugazza.

  • Pode aumentar a oferta de recursos para a compra de imóveis

Os especialistas apontam que a medida pode ter um impacto positivo sobre a economia, aumentando recursos para empréstimos ao setor imobiliário e dando mais dinamismo à indústria da construção civil.

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"Com a decisão da Caixa Econômica de lançar o produto permitindo a indexação do IPCA atrelada aos títulos de crédito imobiliário, o banco será capaz de reciclar o capital por meio de processos de securitização e venda a investidores, atraindo e aumentando recursos para crédito imobiliário. O importante de se notar é que isso garante um retorno real para os investidores, pois protege da inflação. Em resumo, o banco captura mais dinheiro, que pode ser disponibilizado para mais ofertas de empréstimos imobiliários, aumentando o funding", afirma Rafael Sasso, da Melhortaxa.

  • Mais opções para os clientes

Outra vantagem da linha de financiamento baseada no IPCA, segundo Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente de pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), é que cria mais opções para os clientes. Mais bancos devem anunciar linhas de crédito nessa modalidade.

Ele aponta que, no momento, uma oferta de linha de crédito de 2,5% a 3% mais o IPCA é atraente. A taxa média do financiamento imobiliário cobrado das pessoas físicas era de 7,73% ao ano, segundo o Banco Central (BC). “O interessado vai ter de pesquisar antes de tomar uma decisão.”

OS CONTRAS

  • A dívida será maior ao final do contrato, quando comparado aos contratos corrigidos pela TR
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Estudo realizado pela equipe de análise de mercado imobiliário do JPMorgan mostra que a dívida total do mutuário pode subir, o que serve como contraponto à propaganda do governo federal de que o crédito ficará mais barato. O endividamento cresce porque, além do juro, a dívida passará a ser corrigida pelo IPCA em vez da TR - que atualmente está zerada. Por isso, esse montante total tende a crescer mais no longo prazo, apontou o JPMorgan.

A inflação média anual medida pelo IPCA nos últimos dez anos foi de 5,85%, segundo dados do IBGE. Nesse período, a inflação em um ano chegou a bater 10,67% em 2015. A TR média, por sua vez, foi de apenas 0,82% no período. Por essa diferença entre os dois indicadores, o JPMorgan estima que a dívida total atrelada ao IPCA poderá ser cerca de 13% maior que o financiamento que segue a TR.

Para um imóvel de R$ 500 mil, com 80% do valor financiado em 360 meses, a parcela a 8,75% mais TR seria de R$ 3.987, enquanto a IPCA mais 4,35%, seria de R$ 2.684, uma queda de 32,7%, segundo o JP Morgan. A dívida final a valor presente, no entanto, seria de R$ 605,9 mil no primeiro caso e R$ 686,8 mil no segundo, uma elevação de 13,3%. A conta do JPMorgan leva em conta a expectativa de inflação média de 4% nos próximos anos.

OS RISCOS

  • Volatilidade da inflação

A inflação é um índice muito mais volátil do que a TR, que atualmente é 0%. Há três anos, ela era muito maior. Com isso, essa nova modalidade pode, sim, tornar o crédito de imóvel mais caro. Oliveira, da Anefac, destaca que é praticamente impossível prever a inflação para 2040.

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“O tomador de empréstimo hoje tem entre 30 a 35 anos. Alguns viveram a época de inflação alta e têm muito receio. Para contratação de curto prazo, para pessoas de alta renda, pode ser uma boa opção. A longo prazo, é arriscadíssimo. Tem a oscilação dos preços das commodities (como o petróleo) e o risco cambial. Qualquer variação mais significativa, a taxa explode. E nunca soube de ninguém que tenha o salário corrigido automaticamente pelo valor da inflação”, aponta uma fonte ligada a um grande banco.

  • Estabilidade na política econômica

“O que fica bem claro é que essa mudança diminui o risco do banco e aumenta o risco do cliente. É preciso deixar bem claro os riscos e os benefícios”. Para o analista, hoje e pelos próximos três anos, os riscos são minimizados pela orientação do atual governo de controlar a inflação. “Mas se entrar outro governo, com um pensamento diferente?”. Ele prega atenção, também, ao risco do câmbio e do preço das commodities. Alguns fatores internacionais levantam nuvens escuras no horizonte, como a estagnação da economia da Alemanha, a instabilidade da Argentina, o Brexit, as turbulências em Hong Kong e a guerra comercial China-EUA. “É como acertar na megassena, são muitas variáveis macroeconômicas. Mas, no curto prazo, o risco ao se financiar um imóvel é menor, pelo menos durante o tempo do atual governo”.

Para o ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo, sócio-fundador da Mauá Capital, atrelar o crédito de imobiliário ao IPCA é um caminho para desenvolver este segmento no País, mas não se deve tirar os olhos da inflação. "Muitos contratos são indexados à inflação, títulos públicos, salários. O crédito imobiliário com IPCA não traz impacto no esforço de desindexar a economia, mas o Brasil não pode descuidar da inflação."

  • Valor da dívida pode superar valor do imóvel dado como garantia em caso de aumento da inflação
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Segundo o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Gilberto Duarte, o uso do IPCA como indexador do financiamento de imóvel deve ser testado com cautela. O principal risco, na sua avaliação, seria o valor da dívida atualizado pela IPCA crescer ao ponto de superar o valor do próprio imóvel usado como garantia pelo financiamento. "Se a inflação for muito alta e o mutuário ficar inadimplente, isso comprometeria a garantia, criando um passivo para os bancos", pondera.