Sede da B3, a Bolsa brasileira, em São Paulo: retomada do imposto sobre dividendos deve afetar o investimento em ações.| Foto: EFE/Isaac Fontana
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A retomada da cobrança de Imposto de Renda sobre dividendos vai afetar os investimentos em ações na Bolsa de Valores, avaliam tributaristas e analistas do mercado.

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Extinta em 1995 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que concentrou a tributação de lucros nas empresas por meio do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a taxação de dividendos ressurge para viabilizar a isenção para contribuintes com renda de até R$ 5 mil, promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a taxação proposta pode afetar negativamente o mercado de ações. Os maiores reflexos podem ser sentidos no curto prazo, com maior impacto em empresas que distribuem mais lucros e aquelas com matrizes no exterior, devido ao envio de rendimentos para fora.

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O governo pretende reter na fonte 10% dos dividendos distribuídos no Brasil que superarem R$ 50 mil por mês a cada acionista. Se os lucros forem remetidos ao exterior, a cobrança é de 10% sobre qualquer valor.

A medida surge em um cenário de redução na distribuição de dividendos pelas empresas brasileiras: ela baixou 9% no ano passado, segundo a Janus Henderson, uma das grandes gestoras internacionais de ativos. No mundo houve alta de 6,6%.

Volta de imposto sobre dividendos afeta decisão do investidor

Analistas avaliam que a alta nos impostos deve influenciar a decisão do investidor. Antes isenta, a distribuição de lucros passa a ser tributada, o que mexe com a rentabilidade líquida da aplicação.

"Isso pode gerar mudanças nas carteiras, como a migração de recursos para outros investimentos", diz Janssen Murayama, do escritório Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados.

Os preços dos ativos podem ser pressionados para baixo, aumentando a volatilidade no curto prazo, diz o vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Kleber Cabral.

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“A depender da reação dos investidores, o movimento pode influenciar o fluxo de entrada e saída de recursos do país, exigindo monitoramento atento por parte do governo e do Banco Central”, observa.

Para Richard Dotoli, advogado tributarista do Costa Tavares Paes Advogados, a tributação pode mesmo afastar o investidor estrangeiro. Ele avaliam que as novas regras desestimulam o investimento e estimulam o consumo, num momento em que a inflação está em alta.

Na avaliação do tributarista, os modelos apresentados pelo governo, de compensação da tributação da pessoa jurídica com o IRPF (leia mais abaixo), "não se conversam": "Impõem um cálculo complexo concebido para alcançar um 'equilíbrio' na tributação, mas, de fato, será apenas aumento."

Quem deve sentir os efeitos do Imposto de Renda sobre dividendos

As mudanças afetarão tanto pessoas físicas quanto empresas. Dividendos acima de R$ 50 mil, recebidos por uma mesma pessoa física, serão tributados na fonte com retenção de 10%. Além disso, pessoas com renda anual superior a R$ 600 mil estarão sujeitas a um Imposto de Renda efetivo de até 10%, independentemente da origem dos rendimentos.

Para as empresas, a tributação de lucros e dividendos enviados ao exterior também será de 10% na fonte. Batista observa que multinacionais com operações no Brasil serão diretamente afetadas, já que lucros enviados para sócios no exterior estarão sujeitos à retenção desse imposto. Ele ainda alerta que a medida pode gerar questionamentos administrativos na Receita Federal e também ações judiciais, ampliando os riscos de contenciosos tributários.

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Gustavo Mendonça, especialista em renda variável da Valor Investimentos, aponta que as estratégias das empresas e investidores tendem a mudar. Ele destaca duas possíveis alternativas:

  • Aumento dos juros sobre o capital próprio: Opção com vantagens fiscais, mas limitada
  • Recompra de ações: Estratégia que pode reduzir a saída de recursos e ter impacto favorável na economia, ajudando a diminuir o déficit na balança de transações correntes e trazendo efeitos positivos no câmbio a longo prazo.

Governo diz que não teme impacto no investimento estrangeiro

Questionado sobre os efeitos da tributação de remessas de lucros ao exterior, o Ministério da Fazenda diz que não teme uma queda no investimento estrangeiro no país.

Em entrevista coletiva sobre o projeto de lei que altera as regras do Imposto de Renda, o secretário de Reformas Econômicas da pasta, Marcos Barbosa Pinto, disse entender que o país continuará atraente ao investidor. "Grande parte do retorno de estrangeiro vem de ganho de capital e ele continua sendo isento no investidor estrangeiro", afirmou.

Segundo ele, o investidor estrangeiro também terá direito a eventual devolução de tributo cobrado a mais, dentro de uma fórmula criada pelo governo. "Se a pessoa jurídica que pagou o dividendo tiver uma alíquota efetiva de 34%, toda a retenção que foi feita no estrangeiro vai ser devolvida a ela, porque a empresa já pagou 34% no nível de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica", explicou.

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De acordo com a proposta do governo, a soma da tributação efetiva sobre a pessoa jurídica mais a tributação sobre o dividendo da pessoa física não será superior a 34% para empresas não financeiras, 40% para seguradoras e 45% para as instituições financeiras. Caso a soma ultrapasse esses porcentuais, a Fazenda diz que o contribuinte receberá uma restituição em sua declaração anual de pessoa física.

Se uma empresa não financeira pagar alíquota efetiva de 29% de IRPJ e CSLL e o imposto retido sobre o dividendo tiver alíquota efetiva de 8%, haverá depois um redutor para o acionista, diz a Fazenda. Isso porque a soma das alíquotas de PJ e PF será de 37%, acima do máximo de 34%. Conforme o governo, os 3% excedentes serão devolvidos ao acionista na forma de restituição.

Apesar dessa compensação, a questão é que em muitos casos haverá aumento de carga tributária. O exemplo acima, apresentado pela própria Fazenda, é prova disso. Se antes a tributação total (empresa mais acionista) era de 29%, com as novas regras ela passará a 34%.

Ou seja, só não haverá aumento de carga tributária se a companhia já for tributada em 34%, na soma de IRPJ e CSLL. Ou em 40%, no caso de seguradoras, ou 45%, no caso de bancos e financeiras.

Taxação de dividendos pode gerar incerteza jurídica e bitributação

Tatiana Vikanis, tributarista do escritório Vikanis & Ricca Advogados, avalia que a proposta apresentada pode gerar uma arrecadação considerável, fortalecendo os cofres públicos em um momento de necessidade fiscal.

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O governo estima arrecadar R$ 8,9 bilhões em 2026 com a tributação de dividendos enviados ao exterior. E outros R$ 25,2 bilhões com a implantação de um Imposto de Renda mínimo para a alta renda – nesse bolo entra a arrecadação com a retenção na fonte de dividendos distribuídos no Brasil.

Uma preocupação dos tributaristas é com a insegurança jurídica que a medida pode gerar. "O governo federal esperou até a segunda metade do seu mandato para trazer mudanças prometidas em 2022. Foram dois anos para apresentar um modelo que busca equilibrar inflação, juros altos, real desvalorizado e aumento na tributação, projetando muitos desafios para o investidor", diz Dotoli.

Alessandro Batista, especialista do ABN Advogados, alerta que a proposta adiciona complexidade ao sistema tributário, aumentando a carga sobre contribuintes e exigindo ajustes nos planejamentos tributários.

Outra questão é a chamada bitributação. "Os lucros da empresa já são tributados pelo IRPJ e CSLL, de modo que, ao exigir o Imposto de Renda na pessoa física dos acionistas, haveria dupla tributação dos mesmos valores", afirma a tributarista Maria Clara Artese Iacobucci, do Chinaglia Nicacio Advogados.

Os especialistas consultados pela Gazeta afirmam que mudanças operacionais dependerão de instruções normativas da Receita Federal, que precisará detalhar prazos, retenções e declarações do novo imposto. Caso aprovada em 2025, a nova regra só entrará em vigor no primeiro dia útil de 2026.

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Um problema adicional pode vir quando os estados projetarem as perdas com o aumento da isenção do IRPF a pessoas físicas. "Pode-se antever eventual contestação por parte dos estados e municípios que perderão arrecadação com a isenção", diz Vikanis.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]