Ouça este conteúdo
A proposta de reforma tributária formulada pela equipe do ministro Paulo Guedes promete acabar com uma “jabuticaba” brasileira: a cobrança do imposto “por dentro”. O jargão denomina uma prática que diminui a transparência na cobrança dos tributos e faz com que o contribuinte pague mais do que a alíquota prevista em lei.
Nesse tipo de procedimento, o imposto incide sobre ele mesmo, ou sobre outros tributos – e não apenas sobre o valor do produto em si. Esse cálculo é usado na cobrança dos chamados impostos indiretos, que incidem sobre bens e serviços. O caso clássico da cobrança “por dentro” é o do ICMS, tributo de âmbito estadual.
Na cobrança do imposto “por fora”, o cálculo é simples e intuitivo. A alíquota incide somente sobre o valor do produto. Assim, se um produto custa R$ 100 antes da tributação e a alíquota do imposto é de 18%, o tributo será de R$ 18. Portanto, o valor final do produto, com o imposto incluído, será de R$ 118.
Na cobrança "por dentro", não basta simplesmente considerar o valor do produto e aplicar a alíquota. Isso porque a base de cálculo do imposto inclui, além do valor do produto, o próprio imposto, por mais estranho que isso possa parecer. “No imposto ‘por dentro’ a base de cálculo já contém o próprio valor do tributo”, explica o advogado tributarista Sandro Wainstein.
Se a base de cálculo é maior, o imposto também será. Partindo do exemplo citado anteriormente, uma alíquota de 18% sobre um produto de R$ 100 se converte, no cálculo "por dentro", num imposto de quase R$ 22 (veja exemplo mais abaixo). E o preço ao consumidor será de aproximadamente R$ 122.
Em resumo: é difícil fazer o cálculo "de cabeça" ou com uma operação simples na calculadora; o Estado arrecada mais; e o consumidor paga mais caro.
O cálculo do ICMS sobre a conta de luz é um exemplo de como o assunto é complexo. Em seu site, a Copel, responsável pelo fornecimento de energia elétrica no Paraná, explica da seguinte forma o cálculo do ICMS que aparece na fatura dos clientes:
O exemplo abaixo traz uma forma um pouco mais simples de entender as cobranças "por dentro" e "por fora":
Com contas tão cheias de meandros e pouco intuitivas, fica difícil saber, de fato, quanto estamos pagando em tributos. Para o advogado tributarista e consultor jurídico Julberto Meira, a prática afronta um dos princípios constitucionais. “[O imposto 'por dentro'] é um engodo para o cidadão. A Constituição brasileira prega pela publicidade da norma. O cálculo ‘por dentro’ gera uma alíquota enrustida que não faz bem para a publicidade do tributo”, afirma.
STF decidiu contra inclusão do ICMS na base do PIS e da Cofins
No caso de PIS e Cofins, tributos federais, a cobrança “por dentro” é um pouco diferente, já que a base inclui os valores de ICMS (estadual) e ISS (municipal), o que aumenta o montante a ser pago à Receita Federal.
Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o ICMS não deve ser incluído nesta conta. Mas, por causa de um recurso protocolado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo ainda analisa a modulação da decisão – isto é, se ela vale só para o futuro ou se o Estado terá que devolver o valor que já foi recolhido indevidamente.
“Quando julgou o caso inconstitucional, o STF decidiu que a cobrança não podia continuar dessa forma. Mas o julgamento ainda não conseguiu chegar ao ponto sobre qual o valor a ser devolvido”, diz Juciléia Lima, professora de direito tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas.
Segundo ela, como ainda não houve uma decisão, o contribuinte que quer ser ressarcido deve entrar na Justiça “o mais rápido possível”. “Quem entrou na Justiça tem seu direito assegurado”, completa.
Como a reforma do governo promete acabar com o imposto “por dentro”
A primeira etapa da reforma tributária do governo, já encaminhada ao Congresso, unifica PIS/Pasep e Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A CBS não deve incluir em sua base de cálculo nem o ICMS nem o ISS, nem tampouco a sua própria alíquota. Com isso, a estimativa do governo é de que a base para cálculo da CBS seja reduzida em mais de R$ 1,8 trilhão por ano, segundo o jornal "Valor Econômico".
O secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, já apontou essa alteração como um dos fatores que influiu na alíquota da CBS, fixada pelo governo em 12%. “Essa alíquota única, que substitua essas contribuições, vai tornar transparente a carga tributária”, afirmou Tostes Neto em live promovida pelo portal Congresso em Foco.
Também impactaram na alíquota, segundo ele, a previsão para aproveitamento amplo de créditos, que hoje não ocorre; e a alteração da incidência para a receita bruta (e não sobre a receita total). Hoje, no regime não cumulativo, a alíquota de PIS e Cofins soma 9,25%.
A proposta do governo não inclui alterações em tributos estaduais e municipais. Mas, no Congresso, já há textos de emenda à Constituição prevendo a unificação de mais tributos em um só, o que extinguiria o ICMS e também o ISS.
Juciléia Lima, da Mackenzie, alerta, porém, que é preciso esperar a alteração se efetivar para entender como será a apuração do novo tributo. “A gente sabe da proposta para mudar a tributação, mas não como a parte prática vai operar”, afirma a professora.
Conteúdo editado por: Fernando Jasper