Quando as expressões "por dentro" e "por fora" aparecem associadas a questões financeiras, é difícil não associá-las à alguma ilegalidade. Mas, no caso dos tributos incidentes sobre serviços públicos, elas se referem a uma manobra contábil comum, que, mesmo amparada em uma becha na legislação, acaba custando caro aos consumidores e contribuintes.
Isso ocorre quando o valor do ICMS que incide sobre o consumo de água, luz ou telefone integra a sua própria base de cálculo. Com isso, o valor pago em uma fatura de R$ 100 com incidência de 29% de ICMS alíquota da conta de energia elétrica no Paraná não será R$ 129 e sim R$ 137,41.
No chamado cálculo "por dentro", os 29% da alíquota do ICMS são calculados sobre os R$ 129 [valor do consumo + valor do imposto], o que resulta em R$ 37,41. Para o consumidor, isso significa pagar ICMS sobre o próprio ICMS a ser pago. O que, no fim das contas, neste exemplo, representa um desembolso adicional de R$ 8,41.
Para o consultor jurídico João Antônio Gaspar, da Advocacia Tributária Curitiba, o cálculo "por dentro" é, em tese, ilegal uma vez que, pela lei, o ICMS não é cumulativo. "Se nós concluirmos que o cálculo é ilegal, então há um desinteresse dos órgãos públicos em reverter essa situação. Ou a lei foi feita de maneira errada, ou os governos estão cobrando erroneamente", interpreta. Segundo Gaspar, o cálculo deveria ser feito sobre o valor base da mercadoria, ou seja, o valor do consumo sem a incidência do imposto na base de cálculo.
"Há um problema de conceito: 29% de ICMS é imposto ou é preço?", questiona o presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário, Marcelo Campos. Segundo ele, esse conceito varia de acordo com os interesses do agente arrecadador, o governo. Do ponto de vista do ressarcimento, o valor final do cálculo do ICMS é definido como imposto. Já analisando a parte de arrecadação tributária, o governo define aquele mesmo valor como preço da mercadoria e que portanto deve ser submetida a nova tributação.
"Esse cálculo por dentro, em alguns estados, desrespeita o valor da alíquota fixada por lei e, portanto, é ilegal. É uma manobra do governo em cima da lei da tributação", afirma. (ACN)
Colaborou Carla Bueno Comarella