Ouça este conteúdo
A taxação das grandes fortunas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem pregando desde o início deste terceiro governo pode não ser suficiente para resolver as questões fiscais e de desigualdade social na América Latina, de acordo com uma análise do Banco Mundial publicada nesta quarta (9).
A instituição multilateral aponta que o imposto sobre os super-ricos até permitiria uma tributação mais equitativa e contribuiria para aumentar a arrecadação, mas não num nível tão otimista como o previsto pelo governo.
“Os impostos sobre a riqueza ganharam destaque na agenda global, especialmente durante a presidência do Brasil no G20, onde esses tributos são vistos como uma ferramenta para reduzir a desigualdade, levantar recursos para combater o aquecimento global e melhorar a governança global”, aponta o relatório (veja na íntegra).
A tributação defendida por Lula, segundo discursos em eventos internacionais, seria de 2% sobre o patrimônio dos três mil mais ricos do mundo, o que, diz, poderia render US$ 250 bilhões aos cofres públicos das nações. Isso representaria 0,35% do PIB mundial.
O Banco Mundial afirma que esta tributação de grandes fortunas realmente têm o potencial de impulsionar o crescimento, mas experiências semelhantes adotadas por grandes economias não geraram os resultados esperados.
“Embora a maior dependência dos impostos sobre a riqueza tenha potencial para atingir esses objetivos, a experiência das economias avançadas sugere desafios na administração e, às vezes, consequências indesejadas, dependendo do tipo de imposto sobre a riqueza considerado”, pontuou a instituição.
O Banco Mundial calcula que a medida teria um impacto limitado, gerando apenas 0,1% do PIB em arrecadação na América Latina e Caribe, proporção inferior à prevista para outras regiões, como os Estados Unidos, onde a arrecadação poderia chegar a 0,35% do PIB.
Um dos fatores que limitam o impacto dessa taxação é a baixa quantidade de bilionários na América Latina – 0,1 por milhão de habitantes – enquanto que na América do Norte há 2,1 na proporção. Além disso, a riqueza acumulada pelos mais ricos da região é menor em comparação a outras partes do mundo.
O relatório aponta que os dez bilionários mais ricos da América Latina e Caribe possuem um patrimônio combinado de US$ 250 bilhões, valor próximo apenas ao patrimônio de Elon Musk, principal acionista da Starlink e da rede social X, com capital estimado em cerca de US$ 225 bilhões.
Outro desafio apontado pelo Banco Mundial é a mobilidade dos bilionários, que podem facilmente transferir seus bens para evitar impostos.
“Ativos financeiros — como ações, títulos e dinheiro — são fáceis de mover e esconder, e rastreá-los requer uma grande coordenação global em torno de paraísos fiscais, algo que, embora necessário na luta contra fluxos monetários ilícitos, provavelmente permanecerá difícil de alcançar a curto prazo”, diz o relatório.
O Banco Mundial defende, em contrapartida, que uma solução mais eficiente seria o aumento dos impostos sobre propriedade na América Latina e Caribe. De acordo com o relatório, 80% da riqueza da região está concentrada em imóveis, mas apenas 2% da receita tributária vem dessa categoria de impostos.
Para a instituição, os impostos sobre propriedade são subutilizados e oferecem um caminho mais direto para aumentar a arrecadação e promover a equidade.
“Os impostos sobre propriedade [na América Latina] são subutilizados em comparação com os Estados Unidos e outras economias avançadas como fontes de receita. Eles são fáceis de tornar progressivos e, portanto, contribuem para mitigar a persistente desigualdade na região. Além disso, eles têm o potencial de estimular o crescimento ao deslocar a carga tributária de investimentos produtivos para tipos de investimentos menos produtivos”, aponta a análise.
A instituição também pontua que as propriedades são mais fáceis de rastrear do que ativos financeiros, o que torna essa forma de tributação mais administrativamente viável. Além disso, o aumento da taxação sobre propriedade teria o potencial de gerar até 3% do PIB na América Latina, o que ajudaria a aliviar os problemas fiscais da região.
Outro ponto levantado pelo relatório é a crescente relação dívida/PIB na América Latina, que passou de 59,1% em 2019 para 62,8% em 2024. Esse aumento na dívida, juntamente com os altos custos de serviço, tem prejudicado a capacidade da região de criar espaço fiscal para investimentos públicos e gastos essenciais.
“Fechar essa lacuna faz parte de uma agenda de desenvolvimento mais ampla, que inclui melhorias na capacidade administrativa, gastos e arrecadação de receitas”, completou o Banco Mundial.