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Um item "surpresa" da proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma tributária, aprovada pela Câmara e agora sob análise do Senado, aproxima o Brasil de uma prática bastante comum na Argentina: a tributação sobre exportações.
Incluído de última hora, pouco antes da votação da PEC 45, um dispositivo presente no artigo 20 da emenda aglutinativa permite que os estados cobrem uma contribuição sobre produtos primários e semielaborados até 2043. Os recursos financiariam investimentos em infraestrutura para o escoamento da produção.
Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o peso pode do tributo pode ser grande, já que o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de itens primários e semielaborados, como soja, milho, minério de ferro e petróleo. Esses itens representam cerca de 40% das exportações brasileiras.
A entidade destaca que a imposição de tributos sobre esses produtos pode gerar custos adicionais, prejudicando a competitividade e as vendas desses produtos no exterior.
Os impactos não se restringem aos itens exportáveis. Segundo o coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Eurico de Santi, a cesta básica também poderia ser afetada pela medida, uma vez que é composta de produtos primários e semielaborados.
A PEC da reforma tributária prevê que a cesta básica nacional, que será definida por meio de lei complementar a ser enviada pelo governo ao Congresso, seja uma exceção à tributação pelo futuro Imposto de Valor Agregado (IVA) dual. Os produtos que a compõem terão alíquota zero.
“A medida prejudicaria o agronegócio, justamente um dos setores que mais ativamente participou das negociações”, diz o coordenador. Além da não tributação da cesta básica, o setor também conseguiu uma alíquota 60% inferior à padrão para insumos utilizados na agropecuária.
De Santi avalia que esse “penduricalho” é desnecessário. O temor de estados onde o agronegócio é forte é de que haja perdas na arrecadação com a reforma tributária sobre o consumo. Um dos governadores dessas unidades da federação, Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, se mostrou contrário às mudanças.
O Centro de Cidadania Fiscal, de onde surgiu a base da proposta que resultou na PEC da reforma tributária, descarta que qualquer estado vá ter perdas com a implantação do IVA dual, formado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) no lugar do ICMS estadual e do ISS municipal; e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui três tributos federais: PIS, Cofins e IPI.
Expectativa é de retirada do dispositivo no Senado
A expectativa é de que esse dispositivo seja retirado durante as discussões no Senado, que começam em agosto. De Santi não vê espaço para que a iniciativa prospere. “O grande mérito da proposta de reforma tributária é de que ela é neutra – não implicando em perdas de arrecadação dos entes federativos –, simples, transparente e isonômica”, diz o especialista.
O presidente executivo da AEB, José Augusto de Castro, destaca que a contribuição sobre infraestrutura vai contra os princípios da reforma tributária: “Ao invés de gerar redução de custos, vai provocar uma elevação destes”.
Outro problema apontado pelo dirigente empresarial é que a proposta de criação desse tributo acaba por promover insegurança jurídica. “Essa medida vai na contramão das diretrizes estabelecidas para a reforma e pode trazer efeitos negativos para a economia e o ambiente de negócios”, afirma.
Argentina perde competitividade com tributação sobre exportação
A tributação sobre as exportações – conhecida como "retenciones" – é uma prática comum na Argentina. É um dos principais instrumentos de arrecadação e acaba tirando competitividade de seus produtos, favorecendo os concorrentes.
As “retenciones” são um sistema de impostos sobre as vendas externas sobre produtos agrícolas e commodities, como a soja e carnes. É uma medida governamental argentina para gerar arrecadação e regular as exportações do país, que tem um rombo nas contas públicas. A estimativa do Itaú é de que neste ano, o déficit primário da Argentina atinja 3% do PIB.
O tributo é alvo de polêmicas no país vizinho. De um lado, o governo defende que ele é importante, além da arrecadação, para garantir a segurança alimentar, o abastecimento interno e proteger o mercado local.
De outro, entidades ligadas ao agronegócio, apontam que a medida afeta a competitividade dos produtos argentinos no exterior, prejudicando o desenvolvimento econômico do país.
Segundo Castro, a Argentina deixou de ser um país reconhecidamente competente na exportação de commodities. Aliado a duas safras seguidas que foram afetadas por problemas climáticos, o país tornou-se um comprador de soja brasileira.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Fazenda mostram que, no primeiro semestre, as exportações brasileiras da oleaginosa para a Argentina atingiram 3 milhões de toneladas, quase 16 vezes a mais do que no mesmo período de 2022. O valor movimentado foi de US$ 1,55 bilhão.
O executivo aponta que os impactos da implementação do tributo sobre a economia argentina são evidentes, o que aumenta a apreensão de outros setores diante desse exemplo.