Além do risco de pressionar a inflação, a política monetária precisa superar outra barreira para reativar a economia. A manutenção da inadimplência no maior nível da história, segundo especialistas, tem impedido que o maior ciclo de redução dos juros básicos da história surta efeito.
No fim do mês passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu a taxa Selic para 7,5% ao ano. No entanto, a inadimplência também tem batido recorde. De acordo com o Banco Central, as operações de crédito com mais de 90 dias de atraso atingiram 5,9% em julho, o maior nível da série histórica iniciada em 2002. Se forem consideradas apenas as pessoas físicas, o calote aumenta para 7,9%.
Na avaliação dos especialistas, a população está aproveitando a queda dos juros para quitar os financiamentos em atraso. Somente então, explicam, os consumidores poderão aproveitar o crédito mais barato para fazerem novas dívidas. "O governo desobstruiu os caminhos [para o crédito e o consumo], mas poucas famílias estão indo porque estão com o orçamento estrangulado", diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas.
Segundo Freitas, as famílias brasileiras comprometem, em média, 43% da renda anual com empréstimos e financiamentos, nível considerado baixo em relação a países desenvolvidos, em que a proporção chega a superar 100%. O que pesa no orçamento doméstico, ressalta, são as taxas e os encargos dessas operações, que representam cerca de 22% da renda e estão em níveis altos, mesmo com os cortes de juros pelas instituições financeiras nos últimos meses.
"O estoque [de dívidas das famílias] não é expressivo, mas o serviço do crédito está alto para esse tipo de endividamento", avalia. Para ele, isso se deve ao perfil dos financiamentos contratados pelos consumidores, de curto prazo e juros ainda altos. Em julho, as taxas das operações de crédito para pessoas físicas atingiram o menor nível da história: 36,2% ao ano, mas alguns tipos de linha registraram aumento de juros, como cheque especial, financiamento de veículos e crédito pessoal.
O professor Samy Dana, da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, também acredita que a produção e a atividade interna reagirão de forma melhor à política monetária quando os consumidores se livrarem das dívidas atuais. Ele, no entanto, acredita que há um esgotamento do modelo de expansão do consumo para aquecer a economia.
"O estímulo ao consumo e ao crédito tem sido usado desde a crise de 2008. Só que não dá para esperar o mesmo impacto de três ou quatro anos atrás porque as pessoas consumiram o que podiam e algumas, o que não podiam", avalia. Segundo ele, a alta inadimplência sempre será um efeito colateral dessas medidas enquanto a população não tiver educação financeira. "O consumidor só pensa no valor da parcela, mas não nos juros e nas demais taxas embutidas. Quem financia um carro, às vezes paga dois no fim das prestações", adverte.
O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira, acredita que a inadimplência vá cair e destaca que ainda há espaço para o crédito crescer. "Grande parte da população continua fora do mercado de crédito. Enquanto estivermos garantindo emprego e renda, a inadimplência tende a reduzir", comenta. Ele, no entanto, alerta que isso só ocorrerá se a crise econômica no exterior não se agravar.
Em relação à velocidade da queda dos juros das instituições financeiras, Oliveira diz que os bancos estão fazendo a sua parte ao repassarem para as taxas finais a redução da Selic e se ajustando à diminuição dos juros dos bancos públicos. O problema, ressalta, também está na inadimplência, que responde por 29% do spread bancário diferença entre as taxas cobradas nos empréstimos aos contribuintes e o custo de captação de recursos dos clientes.
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