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O Orçamento de 2022 está em compasso de espera, no aguardo de uma definição das emendas de relator e da PEC dos precatórios. A proposta de emenda à Constituição 23/2021 adia o pagamento de boa parte das dívidas judiciais que vencem em 2022 e abre um espaço de R$ 106,1 bilhões sob o teto de gastos para financiar, entre outras despesas, o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400.
Enquanto a PEC não é aprovada, não há como saber se o limite de despesas realmente será mais de R$ 100 bilhões superior ao que foi programado no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022, o que impede a definição de uma grande variedade de despesas.
A questão não é trivial. Quase todo o espaço fiscal que depende da PEC para existir já está comprometido de antemão, boa parte dele com gastos obrigatórios, que o governo não tem como evitar. Segundo o secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, essa margem sob o teto – a ser confirmada – será usada da seguinte forma:
- R$ 51,1 bilhões para o Auxílio Brasil (no PLOA 2022 enviado pelo governo, o programa tinha apenas R$ 34,7 bilhões);
- R$ 48,9 bilhões com gastos obrigatórios, como Previdência Social, entre outros (cujas despesas previstas no PLOA ficaram defasadas em meio à disparada da inflação); e
- R$ 5,3 bilhões com a prorrogação da desoneração da folha de pagamento por um ano.
A julgar pelas declarações de Colnago, faltaria espaço para outras medidas anunciadas pelo governo, como a ajuda a caminhoneiros, o vale-gás – que já virou lei mas ainda não tem pagamento garantido – e o reajuste a todos os servidores federais prometido pelo presidente Jair Bolsonaro.
A meta do Congresso é votar o Orçamento até 22 de dezembro, mas as discussões avançam lentamente em meio à falta de acordos para votar a PEC dos precatórios no Senado e dar um destino às polêmicas emendas de relator, que foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Dada toda a conjuntura de indefinições e uma semiparalisia da agenda legislativa sobre a PEC dos precatórios, o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), membro titular da Comissão Mista de Orçamento (CMO), não descarta que a votação do Orçamento fique para 2022. "Teoricamente, temos que aprovar até fevereiro. Todo o cenário atual indica que vai atrasar a discussão do Orçamento", pondera.
Tadeu ressalta que o Congresso dará alguma sinalização ao STF de transparência às emendas de relator e todas essas alterações deverão ser ajustadas dentro da proposta de lei orçamentária. "Estamos com uma lei fictícia porque tem que cumprir prazo, mas isso vai ser alterado. O [deputado] Hugo Leal [relator-geral do Orçamento de 2022] deve estar desesperado para saber o que fazer", analisa.
Sem essas definições, não apenas o Orçamento fica paralisado, como basicamente todo o Parlamento. "Na Câmara, vamos discutir o Orçamento e a PEC dos precatórios, se retornar [após modificações no Senado], e só. As MPs [medidas provisórias], temos que ver o que vai deixar caducar e o que ainda tem que votar", diz uma liderança do Podemos.
Essas indefinições, a menos de 40 dias para o fim deste ano, podem levar o governo federal a começar 2022 sem um Orçamento aprovado. Não seria novidade. A última vez que isso ocorreu foi neste ano mesmo: a LOA de 2021 foi aprovada apenas em março pelos parlamentares, e sancionada por Bolsonaro em 22 de abril.
Em que etapa está a discussão do Orçamento no Congresso
Após duas prorrogações, o prazo para a apresentação de emendas ao Orçamento de 2022 se encerrou na última quinta-feira (18) com a apresentação de 6.753 emendas ao texto encaminhado pelo governo ao Parlamento.
Dessas emendas, 6.313 têm como fonte recursos já previstos no Orçamento. Outras 358 buscam elevar os gastos públicos além dos R$ 4,716 trilhões de despesas estimados pela equipe econômica para 2022.
A incorporação dessas emendas ou não ficará a cargo do relator-geral do Orçamento, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ). Antes, porém, a CMO vai votar o parecer do relator de receitas do PLOA, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
A votação estava prevista para a última quinta, mas a sessão foi cancelada para que o relator concluísse seu parecer. Agora, a votação está prevista para a próxima quinta-feira (25).
"Eu só entreguei o meu relatório na sexta-feira (19) à tarde porque eu rodei toda a receita do governo de novo, com os novos índices de mercado no fim do ano, para ter uma ideia de para onde ela vai. Isso consumiu 48 horas do nosso trabalho e da parte técnica", diz Oriovisto.
Vice-líder do Podemos no Senado, ele discorda, contudo, que a discussão do Orçamento esteja travada em função dos debates da PEC dos precatórios e da definição das emendas de relator. "O Orçamento está caminhando, a minha parte, o meu relatório, eu já apresentei, e não fiquei esperando a PEC dos precatórios, nada disso", destaca.
O senador afirma ter feito dois "ensaios" e entregue um parecer baseado na estimativa de receitas da equipe econômica, de aproximadamente R$ 4,62 trilhões, mas prevendo possíveis revisões. "O que eu posso dizer é que a receita é a que o Ministério da Economia me mandou baseado em índices que existiam em julho e agosto. Em princípio, estou referendando essa receita, mas já alertando que, provavelmente, ela será revista", pondera.
O senador destaca, contudo, que a possibilidade de revisão das receitas não está associada à PEC dos precatórios, e sim ao fato de que a expectativa para a inflação – que eleva a arrecadação tributária – cresceu muito. "A inflação disparou, chegando próximo de 10%. E o dólar aumentou, então, acaba dando uma receita maior de Imposto de Importação, por exemplo. É óbvio que o governo vai arrecadar mais", justifica.
No relatório, Oriovisto escreveu que a reestimativa preliminar que ele solicitou às consultorias de Orçamento do Senado e da Câmara "indicou uma perspectiva de ampliação da receita de R$ 72,6 bilhões, sendo cerca de R$ 49 bilhões a parte que caberia à União após a repartição constitucional e legal de receitas com estados e municípios".
Após a votação do relatório de receitas, a discussão do Orçamento avança na fase de montagem dos "orçamentos setoriais", diz o deputado Coronel Tadeu. "Vai chegar o momento de começarmos a reunir e juntar as peças do quebra-cabeça todo, juntar os relatórios setoriais para o Hugo Leal montar o Orçamento definitivo", explica.
Vice-presidente da CMO e líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF) defende que a discussão não está atrasada. "O Orçamento é a última votação do ano, acontece no apagar das luzes. Se tiver a PEC [dos precatórios] aprovada, ótimo, vamos contemplar no Orçamento dependendo da situação da aprovação. Se não aprovar [a PEC], vamos aprovar [a proposta orçamentária] do jeito que está, uma coisa não está vinculada a outra."
Um porém é que, da forma como está, o Orçamento não dá conta de – por exemplo – garantir o repasse da inflação aos aposentados e pensionistas nem a beneficiários de programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o seguro-desemprego e o abono salarial. Essas despesas são vinculadas ao salário mínimo, que, pela Constituição, precisa manter o poder de compra – isto é, ser atualizado pela inflação. A peça original do Orçamento também não cumpre as várias promessas do governo, como o Auxílio Brasil mais gordo, o vale-gás e outras.
Como a PEC dos precatórios atrasa o Orçamento de 2022
O Congresso tem como meta aprovar o Orçamento de 2022 ainda neste ano, mas a falta de acordo pela PEC dos precatórios no Senado dificulta uma aceleração nas discussões da CMO.
O líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-PE), até fala em "fatiar" a PEC, para acelerar sua tramitação. A aprovação da PEC é necessária para que o governo consiga garantir um programa social robusto em 2022.
Bezerra se reuniu na última quarta-feira (17) com os senadores Oriovisto Guimarães, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e José Aníbal (PSDB-SP), que apresentaram uma proposta única que viabiliza recursos para um Auxílio Brasil permanente sem romper o teto de gastos e sem parcelar o pagamento dos precatórios. A reunião, entretanto, não deu fim ao impasse.
Sem acordo, Bezerra começou a discutir o fatiamento da PEC dos precatórios com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A proposta, que tem sido chamada de "PEC paralela", incorporaria em outra PEC um Auxílio Brasil permanente e vincularia, em definitivo, os recursos obtidos com a abertura do espaço fiscal de R$ 106,1 bilhões a programas sociais.
A "PEC paralela" também propõe o reajuste pela inflação de despesas obrigatórias, impedindo que o espaço fiscal extra seja destinado a emendas parlamentares ou ao reajuste de servidores públicos. O líder do governo afirma que os senadores são "sensíveis" à proposta e sugere que o texto poderia ser aprovado até 30 de novembro.
A base governista no Senado e na Câmara deseja, contudo, melhores esclarecimentos sobre a "sobra" orçamentária gerada e se mostra contrária à ideia de restringir a destinação de recursos às emendas parlamentares. Uma ala da base é até favorável ao reajuste de servidores.
"Se aprovar a PEC [dos precatórios] tem, sim, espaço fiscal para a reposição inflacionária dos servidores. E não falamos em aumentos dos servidores, mas reposição inflacionária pela nova metodologia de reajustar o teto pela inflação de janeiro a dezembro", defende o deputado Coronel Tadeu.
O líder do governo propôs mudanças nesta terça-feira (23) ao texto que veio da Câmara. A nova versão não deixa claro o espaço fiscal para a distribuição de recursos em emendas parlamentares, nem para reajustes de servidores, e ainda não agradou a ala independente do Senado que defende o texto de Oriovisto, Vieira e Aníbal.
Segundo o site Poder 360, a nova versão propõe:
- Um Auxílio Brasil em um valor de R$ 400 permanente;
- A criação de uma comissão mista para fazer a auditoria sobre o pagamento de precatórios;
- Os precatórios pagos a professores no âmbito do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) serão feitos como abonos salariais;
- Os pagamentos para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) terão preferência e serão escalonados em três anos.
- A União terá que incluir no Orçamento a verba necessária ao pagamento dos precatórios até 2 de abril do ano anterior;
- A obrigatoriedade de que o espaço fiscal a ser aberto será destinado a ampliar os programas sociais, para despesas com saúde, previdência e assistência social e para o atendimento ao limite de cada um dos poderes no teto de gastos;
Mesmo com as alterações sugeridas, a matéria segue sem acordo e pode não ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quarta-feira (24). A aprovação da PEC dos precatórios é tida como provável no Senado, ainda que sofra alterações e volte à Câmara. O risco de não aprovação dela, contudo, também geraria um outro cenário de indefinição política para a montagem do Orçamento de 2022. Um "plano B" estudado nos bastidores é o governo editar uma medida provisória abrindo créditos extraordinários para financiar o Auxílio Brasil até o fim de 2022.
Como a indefinição das emendas de relator trava o Orçamento
Outro desfecho a ser dado além da PEC dos precatórios é a situação das emendas parlamentares. Nos bastidores, lideranças do Centrão discutem sobre dar mais transparência às emendas de relator, as chamadas RP9, ou "transformá-las" em RP2, as emendas de bancada estadual discricionárias, que são distribuídas diretamente pelos ministérios.
O presidente da Câmara defende uma regulamentação sobre as RP9, por ser contra transformá-las em RP2. Lira capitaneia um projeto que mantém as emendas de relator da forma como estão, ou seja, em uma negociação tripartite entre a cúpula do Congresso, o relator do Orçamento e o Palácio do Planalto, e que prevê maior transparência a partir do Orçamento de 2022.
Esse projeto não teria alcance retroativo e, portanto, não daria transparência aos recursos liberados dos Orçamentos de 2020 e 2021; não apontaria, portanto, quem foram os congressistas responsáveis pela indicação daqueles gastos.
A proposta de Lira não agrada a todo o Centrão. Uma boa parte prefere turbinar as RP2 a fim de manter as negociações entre governo e a cúpula do Congresso e evitar os holofotes que uma maior transparência poderia acarretar.
"Entre ir para o governo ou ter transparência, eles [líderes do Centrão] preferem mandar para o governo [via recursos de RP2]. Para o governo, é melhor ainda. Imagina como seria explicar que o governo atendeu até deputados de esquerda, como os do PDT, na votação dos precatórios? Não é que transparência seja algo errado, mas ela não permite fazer um jogo que é necessário em alguns momentos", afirma uma liderança de um dos partidos da base governista.
Lira disse que, para esta semana, espera chegar a um consenso com o Senado para apresentar um projeto de resolução que deixe as emendas de relator mais transparentes. Ele admite, contudo, que, caso não haja acordo, a solução seria "devolver todo esse orçamento [passando de RP9 a RP2] para o governo federal".
"Aí o governo federal vai pagar a quem quiser, quando quiser, quanto quiser e como quiser, sem nenhum tipo de fiscalização de quem quer fiscalizar”, disse Lira. Em reunião com o presidente do STF, Luiz Fux, Rodrigo Pacheco reforçou o empenho do Congresso em dar mais transparência às emendas de relator.
Toda essa indefinição é mais um elemento que atrapalha a discussão do relatório a ser votado na CMO do Orçamento de 2022. Nem sequer há definição sobre o volume orçamentário das emendas de relator, que, no orçamento passado, foram negociadas em um montante de R$ 18,5 bilhões – dos quais R$ 9,3 bilhões foram empenhadas até agora, segundo informa o site do Senado.
Uma vez apresentado o projeto de resolução, ele deve ser votado na CMO e, depois, pelas duas Casas do Congresso. O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas, avalia, entretanto, que um cenário político possível seja a discussão conjunta da proposta de resolução das emendas com o projeto orçamentário.
"Acredito que vamos discutir isso [projeto de resolução] junto com o Orçamento, provavelmente no mesmo dia", pondera. Uma outra solução estudada no Congresso é o de ampliar as emendas de comissão (RP8) em vez de ficar na mão de um relator apenas. Podemos até fortalecer as emendas de bancada (RP2), tem várias alternativas. O que defendemos é a transparência e descentralização", destaca Izalci.