Protagonistas da segunda invasão em menos de um mês às obras da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA), índios mundurucu se tornaram uma espécie de "inimigo" do governo federal em relação à questão indígena.
"Queremos que a Dilma venha falar conosco", afirma nota divulgada por cerca de 140 mundurucus que, segundo a Norte Energia, empresa responsável pelo empreendimento, invadiram um dos canteiros da obra na segunda-feira.
A pauta de reivindicações dos índios é a mesma do protesto do começo de maio, quando mantiveram um canteiro da usina invadido por uma semana: suspensão de todos os estudos e construções de barragens no país que impactem terras indígenas e a regulamentação da consulta prévia a índios nesses casos.
Na ocasião, os mundurucu, que haviam partido para o protesto desde Jacareacanga (PA), a cerca de 800 km de Belo Monte, exigiram a presença no local do ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral).
Carvalho não apareceu e o governo respondeu com a nota mais dura já endereçada a uma etnia indígena nos governos do PT. Qualificou os envolvidos no protesto como desonestos, mentirosos e criminosos, e sugeriu que a manifestação estivesse ligada ao combate, pelo Planalto, ao garimpo ilegal em terras de influência mundurucu.
"Na verdade, alguns mundurucu não querem nenhum empreendimento em sua região porque estão envolvidos com o garimpo ilegal de ouro no Tapajós e afluentes. Um dos principais porta-vozes dos invasores em Belo Monte é proprietário de seis balsas de garimpo ilegal", dizia a nota da pasta de Carvalho.
Os índios mundurucu começaram a ter contato com o homem branco apenas no século 18. Segundo estudo do ISA (Instituto Socioambiental), um dos traços da cultura da etnia era a forma de ataque aos inimigos: cortavam as cabeças de prisioneiros e as exibiam como troféus.
Quase dizimados por seringueiros, garimpeiros e epidemias de sarampo, os mundurucu deixaram esses rituais influenciados por missionários. Hoje são 13,1 mil habitantes, distribuídos por reservas no sudeste do Pará, leste do Amazonas e oeste de Mato Grosso. Sobrevivem da agricultura, do programa Bolsa Família e da exploração artesanal de ouro.
Confronto e morte
Em novembro do ano passado, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra o garimpo ilegal na região do rio Teles Pires, entre Mato Grosso e Pará, área de influência mundurucu. Houve confronto e um índio mundurucu acabou morto --a PF disse que revidava a uma "emboscada" dos índios.
Segundo a PF, dois índios mundurucu recebiam pagamentos em dinheiro, ouro e combustível para autorizar a garimpagem nas terras indígenas, o que os índios negam.
Outros dois casos acirraram os ânimos dos mundurucu em relação ao Planalto: o início, em março este ano, dos estudos ambientais para construção de usinas hidrelétricas no rio Tapajós e a intenção do governo de reduzir as atribuições da Funai (Fundação Nacional do Índio) nos processos de demarcação de terras indígenas. Obra prioritária para o Planalto e que atrai atenções por todo o mundo pela dimensão e potencial de conflito, Belo Monte se tornou agora o alvo preferencial dos mundurucu para protestos.
"Nós ocupamos de novo no seu canteiro --e quantas vezes será preciso fazer isso até que a sua própria lei seja cumprida? [...] Quantas balas de borracha, bombas e sprays de pimenta vocês pretendem gastar até que assumam que estão errados? Ou vocês vão assassinar de novo? Quantos índios mais vocês vão matar além de nosso parente Adenilson Munduruku, da aldeia Teles Pires, simplesmente porque não queremos barragem? E não mande a Força Nacional para negociar por vocês. Venham vocês mesmos. Queremos que a Dilma venha falar conosco", diz a nota divulgada pelos índios nesta segunda.
A Secretaria-Geral da Presidência da República já afirmou que mantém a disposição ao diálogo com os mundurucu. "A perspectiva que defendemos é de ampliar não só o direito de consulta, mas a participação dos indígenas nos debates sobre o modelo energético do Brasil", afirma.
A Norte Energia, responsável pela construção e operação de Belo Monte, informou que irá usar "todos os recursos legais" para desocupar a área invadida, e os responsáveis pelo ato "estão passíveis de serem responsabilizados civil e criminalmente pela nova invasão".