Os resultados benéficos da massificação e democratização do crédito para a economia trouxeram também um efeito colateral: o superendividamento, que tem o consumidor como sua maior vítima. O acesso ao "crédito fácil e sem burocracia" pode levar o usuário à insolvência financeira no curto prazo, tornando-o incapaz de saldar débitos e de conseguir comprar produtos ou serviços essenciais. Para tentar proteger esses consumidores da "falência civil", o 10.º Congresso Brasileiro de Direitos do Consumidor, promovido na semana passada em Florianópolis, votou uma resolução exigindo a criação de uma legislação específica, inédita no país, que concede às pessoas físicas as facilidades previstas na Lei de Falências, que permite às empresas renegociar dívidas enquanto continuam a exercer suas atividades econômicas.
"É urgente a necessidade de uma lei específica para tratar do superendividamento da pessoa física. Hoje, pelo processo civil, o consumidor nessa situação deve entrar [na Justiça] com ações revisionais, com cada um dos credores, o que resulta em demora e custos elevados. Enquanto isso, ele fica sem acesso ao crédito e, às vezes, ao próprio mercado de trabalho", explica a professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e colaboradora do Ministério da Justiça, Cláudia Lima Marques.Insolvência Civil
O anteprojeto de lei institui a figura jurídica da Insolvência Civil e tem como base uma proposta encampada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) em parceria com a UFRGS iniciativa que foi vencedora do Prêmio Inovare da Magistratura no ano de 2008. Agora, deverá ser encaminhado ao Congresso pelo Poder Executivo, por meio do Ministério da Justiça, coordenador do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).
A iniciativa gaúcha tem quatro anos e busca a reinserção social do consumidor superendividado, através de conciliação obtida em audiências de renegociação com a presença de todos os credores. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná também começou a realizar esse tipo de audiência presidida por juízes que propõem um cronograma de pagamento aos credores, preservando as necessidades mínimas de sobrevivência do cidadão com moradia, alimentação, saúde e educação. "A pessoa quer pagar, e o Estado vai ordenar esse pagamento", ressalta Cláudia.
Além da Insolvência Civil modelo jurídico vigente na França e nos Estados Unidos , a proposta também prevê mecanismos de proteção do consumidor à exposição ao superendividamento.
Armadilhas
O promotor de Justiça Fábio de Souza Trajano, de Santa Catarina, cita algumas "armadilhas" que estimulam o uso excessivo do crédito, como o envio de cartões pelo correio sem prévia autorização do consumidor, a cobrança de juros altíssimos para quem usa o sistema rotativo e as multas elevadas por atrasos.
O projeto também prevê maior fiscalização e controle nas propagandas de agentes financeiros. Cláudia, da UFRGS, lembra do estímulo à compra desenfreada estimulada por "propagandas fantasiosas" que sugerem a concessão de crédito gratuito e sonegam informações de risco envolvidos nesse tipo de operação. "Houve a democratização do crédito para as classes C e D, que resultou na consolidação da sociedade de consumo, mas agora estamos entrando numa fase de ressaca. Por isso é preciso dar garantias de recuperação ao consumidor e manter as conquistas já alcançadas", afirma.
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