A utilização da capacidade instalada da indústria, abaixo de 80% desde meados de dezembro, segundo dois indicadores diferentes, só deverá voltar aos níveis pré-crise e encostar na média histórica - ao redor de 82% - a partir do primeiro trimestre de 2010. A retomada consistente do investimento em aumento da produção, no entanto, só deverá ocorrer em meados de 2011, na avaliação de economistas ouvidos pelo Estado. Segundo eles, a ociosidade permite às indústrias atenderem ao aumento da demanda sem novos investimentos.
Levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a utilização da capacidade instalada recuou 5,2 pontos porcentuais de setembro de 2008, quando a média estava em 84,5%, para 79,3% em junho. Já no levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o recuo de setembro a julho foi de 5,6 pontos porcentuais, de 85,4% para 79,8%. Os dois acompanhamentos têm resultados similares, que divergem por conta da amostragem, maior na CNI. Ambos os dados são livres de efeitos sazonais.
"O que aconteceu no quarto trimestre do ano passado foi que, além da produção despencar, ainda havia investimento de um período anterior, provocando uma expansão da capacidade de produção", diz o economista Aloisio Campelo, do Núcleo de Pesquisas e Análises Econômicas da FGV.
Segundo ele, foram os investimentos iniciados em 2007 que sustentaram um nível alto de utilização da capacidade instalada no quarto trimestre de 2008, no meio da crise. Campelo destaca que a indústria conseguiu operar com um nível elevado sem pressões inflacionárias, o que ocorre pela primeira desde a década de 70.
"Como o presidente Lula manteve os fundamentos macroeconômicos e o País cresceu muito, com o governo sinalizando que continuaria nessa rota de crescimento, houve a retomada do investimento em 2007 e 2008. Isso gerou essa situação, que não acontecia há muito tempo: o empresariado confiante a ponto de investir mais fortemente na expansão e no nível de utilização", afirma Campelo.
Para ele, os maiores responsáveis pela queda do uso da capacidade instalada da indústria foram os setores de metalurgia e materiais de transporte. Juntos, responderam por 62% do recuo do indicador de setembro a dezembro de 2008. A taxa da metalurgia, em setembro, era de 92,2%. Em dezembro, recuou 13,7 pontos porcentuais, para 78,5%. Em materiais de transporte, a queda foi de 16,4 pontos porcentuais na mesma base de comparação: de 92,3% para 75,9%.
Nos materiais de transporte, que englobam a produção de diferentes veículos, a fabricante de carrocerias de ônibus Marcopolo informa que, na média, está operando 20% abaixo da capacidade instalada no País por causa da queda da demanda. No México, onde a Marcopolo também atua, a queda foi maior, de 35%. O único país onde a Marcopolo verificou crescimento foi a Índia. No primeiro semestre, do 1,3 mil unidades produzidas pela Marcopolo, 900 foram no mercado indiano.
Apesar de a indústria de alimentos ter sido uma das que melhor reagiu à crise global, a queda de 5,4% na produção em junho, ante maio, pôs em dúvida o seu nível de utilização no resto do ano. "Acontece que os produtos alimentares agora estão sendo afetados pelo mercado de trabalho brasileiro, que está andando de lado", afirma Campelo, da FGV.
Para o economista Marcelo de Ávila, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), apesar de o segundo semestre ser historicamente melhor para a indústria, não há nenhuma perspectiva de diminuição da ociosidade. De janeiro de 2003, quando a CNI iniciou o levantamento, até junho de 2009, a média de utilização da capacidade instalada foi de 81,1%.
Para a FGV, a média histórica fica em torno de 82%. "A gente tem algumas barreiras para o investimento. Essa alta capacidade ociosa não traz incentivo para o empresário investir. Se a demanda aumentar de maneira forte, de uma hora para outra, o empresário consegue atender sem qualquer investimento porque tem ociosidade", afirma Ávila. Segundo ele, o empresário só é incentivado a investir quando o nível de utilização da capacidade instalada fica pressionada em níveis mais elevados do que a média histórica.
O economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, acredita que a ociosidade na indústria continuará alta. "Tem setores em que isso vai ser muito forte, em outros, nem tanto. O governo vai ter de estar atento a essa diferença", afirma Almeida, também professor do Instituto de Economia da Unicamp. Para ele, alguns setores devem reagir melhor, como alimentos e bebidas, cosméticos e produtos de higiene, entre outros. Do outro lado, ele cita os bens de capital.
"Para que o aumento da demanda não gere pressão inflacionária, um dos incentivos deveria o crédito mais favorecido para quem quiser fazer um investimento rapidamente, com redução na taxa de juros, por exemplo. Ou, eventualmente, um desconto do Imposto de Renda", afirma Almeida. As informações são do jornal O Estado de São Paulo.