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Ásia

Indústria perde fôlego e desemprego pode crescer na China

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(Foto: FREDERIC J. BROWN/AFP/FREDERIC J. BROWN/AFP)

Quando a celebração do Ano Novo Chinês acabar, na próxima semana, muitos dos trabalhadores que regressarem de sua cidade natal para os grandes centros industriais do país poderão não encontrar emprego, pelo menos não nas fábricas. Diante da desaceleração da economia chinesa, uma das principais preocupações para o Ano do Macaco é o enfraquecimento do mercado de trabalho. Em 2015, a indústria fechou 5,8% de seus postos de trabalho, que somavam em dezembro 93,98 milhões de vagas. Em alguns setores, a queda foi bem mais intensa: a indústria de metais ferrosos teve redução de 17% dos empregos.

Na construção civil, vagas também estão sendo fechadas. E, embora os especialistas destaquem que o emprego no setor de serviços tem avançado — como reflexo da transição do modelo de crescimento chinês, até então muito baseado nas exportações e que, agora, busca se apoiar no mercado interno —, não se sabe se o segmento será capaz de absorver todos os postos fechados na indústria. Por isso, alguns analistas avaliam que o desemprego deve subir.

Protestos

Diretora de Economia do Conselho Empresarial Brasil-China e economista do Bradesco, Fabiana D’Atri afirma que o processo de rebalanceamento da economia não é simples. “Os setores que eram mais vibrantes, como indústria e construção, perdem ritmo muito rapidamente, e o setor de serviços cresce, mas não tão rapidamente. Temporariamente, gera uma massa de trabalhadores que não tem como se recolocar. Há indícios de que o mercado de trabalho está enfraquecendo, e a taxa de desemprego pode aumentar. “

Uma das dificuldades para a mudança é que a qualificação de trabalhadores é muito distinta entre os setores. Quem trabalha num canteiro de obras, por exemplo, não pode ir diretamente para o lobby de um hotel, lembra ela.

“Há uma diminuição de trabalhadores na indústria de uma maneira geral, mas alguns setores perdem mais que outros, como é o caso do siderúrgico. Ao mesmo tempo, no entanto, aumentam os trabalhadores na área de serviços. Isso não significa que o desemprego vai aumentar, mas existe aumento de pressão no mercado de trabalho nesses segmentos”, explica Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre/FGV e especialista em China.

Entre 2008 e 2014 (último dado disponível), o pessoal ocupado no setor terciário (que inclui serviços) subiu, em média, 3,67% por ano, mas a alta vem se intensificando ao longo desse tempo, com 5,8% em 2014. No setor secundário (que engloba a indústria), a média de crescimento no mesmo período foi de 1,96%, enquanto o ano de 2014 teve queda de 0,3%.

Livio Ribeiro lembra ainda o papel da população da área rural. Segundo ele, o governo pode reduzir ou aumentar a chegada dos imigrantes do campo em busca de vagas nas cidades com a flexibilização ou não da concessão dos chamados hukous, que são os passaportes de trânsito interno na China. Só quem tem esse documento tem acesso a serviços sociais, como a rede de saúde pública ou a escola para os filhos.

“Se cair a quantidade de emprego nas cidades, o governo pode endurecer as regras para restringir o fluxo de migrantes. Há essa flexibilidade na força de trabalho”, explica Ribeiro.

A mudança no modelo de crescimento chinês tem levado indústrias exportadoras a fechar as portas, como ocorreu esta semana com a fabricante de sapatos Xang Ang. Ao mesmo tempo, a política do governo de reduzir a capacidade de produção da indústria pesada também provoca perda de vagas. Junta-se a isso os planos de Pequim de reduzir o escopo de atuação das estatais, grandes promotoras do emprego nas últimas décadas.

O corte da produção das usinas siderúrgicas pode representar a perda de 400 mil postos de trabalho, segundo o Instituto de Planejamento e Pesquisa da Indústria Siderúrgica da China. Já foi criado inclusive um fundo, com recursos das fábricas, para compensar quem ficar desempregado e ajudar a financiar projetos como o de incentivo a negócios próprios.

O professor do Insper Roberto Dumas Damas, no entanto, acredita que, a curto prazo, já existe alta de desemprego. “É um processo lento. Agora, certamente o desemprego está mais alto, ainda não deu tempo de o setor de serviços absorver quem está sendo demitido das fábricas, principalmente as exportadoras. Mas a tendência é que (o desemprego) volte a cair.”

Atrasos

Um dos sinais do enfraquecimento do mercado de trabalho é o aumento de greves e de protestos de trabalhadores. O número mais que dobrou entre 2014 e 2015, de 1.379 para 2.774, segundo a ONG China Labour Bulletin, que atua pela ampliação dos direitos trabalhistas chineses. A maior concentração dos protestos se dá na província de Guangdong, com 15% dos casos, berço da indústria exportadora chinesa.

“Atualmente, o principal fator nas disputas trabalhistas é o atraso de salários, geralmente associado ao fechamento de fábricas ou minas e outros problemas nas empresas. Greves por baixos salários e falta de seguridade social também são comuns”, explica Geoff Crothall, diretor de Comunicação da ONG.

Embora acredite que até certo ponto os novos setores vão absorver os operários demitidos da indústria e do setor de construção, Crothall pondera que parte dos trabalhadores terá mais dificuldade para encontrar um novo emprego, como é o caso daqueles mais velhos:

“Até certo ponto, outros setores podem absorver esses trabalhadores da indústria, mas trabalhadores mais velhos, de áreas menos desenvolvidas economicamente, terão obviamente mais dificuldade de se reempregar que os jovens em áreas nas quais ainda há demanda por trabalho”, afirma ele.

Esses protestos são um lembrete da importância da geração de empregos para a estabilidade política da China. Damas destaca que a legitimidade política no país asiático só se sustenta com crescimento econômico, e o mercado de trabalho é crucial neste contexto. “A transição do modelo de crescimento pode suscitar tensão social. A geração de empregos é fundamental para a manutenção do governo e evitar um novo protesto na Praça da Paz Celestial, como o ocorrido em 1989.”

Para o diretor do Instituto de Estudos para Mercados Emergentes da Universidade de Hong Kong, (HKUST) Albert Park, os novos setores em crescimento vão absorver os operários demitidos das fábricas. Ele não vê riscos, por exemplo, de um retorno expressivo dos trabalhadores ao campo, como ocorreu após a crise financeira internacional. “A China não viveu nenhum grande choque como no fim de 2008, então é improvável que isso se repita. Mesmo em 2009, muitos migrantes acabaram voltando ao trabalho depois.”

Um dos fatores que devem ajudar neste rebalanceamento do mercado de trabalho a médio prazo é a tendência de envelhecimento da população chinesa. Albert Park não espera aumento do desemprego devido à redução da força de trabalho. “Claro que, se o crescimento despencar, pode ter aumento de desemprego. Mas a economia chinesa deve alcançar uma taxa de crescimento decente em 2016, de 5% a 7%.”

De todo jeito, será um ritmo de expansão bem mais lento do que nos últimos anos. Entre 2002 e 2011, a China cresceu a taxas próximas de 10% ao ano. E, de 2012 a 2014, o PIB avançou num ritmo superior a 7% anuais. No ano passado, a economia chinesa avançou 6,9%.

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