A inflação mais alta em mais de uma década registrada em 2015, de 10,67%, deixará uma herança amarga para 2016. Com uma forte indexação ainda existente na economia brasileira, muitos preços são influenciados pela inflação passada. Isso significa que a missão assumida pelo Banco Central de manter o IPCA abaixo do teto de 6,5% foge em grande parte de seu controle. Preços indexados são pouco sensíveis à alta dos juros – medida que pode ser anunciada na próxima semana pelo BC.
A indexação contamina boa parte da economia por causa dos preços que sofrem com a influência da alta inflacionária passada, carregada para o ano seguinte no reajuste do aluguel, tarifas de ônibus, contratos de concessão, mensalidade escolar, planos de saúde e outras despesas que devem sofrer fortes aumentos neste ano.
A volta da inflação ao patamar superior aos dois dígitos não acontecia desde 2003 e amplia consideravelmente o risco de não cumprimento da meta. O salário mínimo de 2016, por exemplo, já teve a correção de 11,6%, acima inclusive da inflação usada pelo BC para balizar suas ações.
O impacto da elevação mínimo, fixado em R$ 880 este ano, não se restringe ao setor privado. Na área pública, o valor do piso afeta tanto a administração das três instâncias de governo como os benefícios da Previdência. O mínimo pesa nas contas públicas e, no setor privado, afeta principalmente o setor de serviços, onde o uso de mão de obra é mais intensivo. Com salários mais altos, as empresas tentam repassar o aumento nos custos para os preços, o que gera mais inflação.
No IPCA, os preços administrados – aqueles que são estabelecidos por contrato ou pelo governo – representam cerca de 30% e sofrem influência direta da alta do índice inflacionário passado. Em resumo, são eles que “empurram” a inflação para frente, gerando mais altas no ano seguinte, num ciclo vicioso. Entram nesse grupo energia elétrica, passagens de ônibus, planos de saúde, telefonia e outros serviços regulados.
Os preços livres, aqueles que dependem principalmente da oferta e demanda, respondem por algo em torno de 40% do IPCA, enquanto os comercializáveis, ligados ao câmbio, pesam 30% no índice. “Essa conta mostra que cerca de 60% do IPCA é indexado de alguma forma. Seja pelo dólar ou pela inflação”, afirma o professor de economia da Mackenzie Rio Marcelo Anache.
Anache explica que a indexação andava esquecida, porque não é sentida pela maioria das pessoas quando a inflação está em níveis mais controlados. “Todos os planos de estabilização tentaram combater a inércia inflacionária. O Plano Real não conseguiu tirar todas as indexações, mas conseguiu fixar prazos maiores. Com correção anual ao invés de mensais”, diz.
Aumento dos juros tem pouco efeito sobre preços indexados
Remédio tradicional contra a inflação, o aumento da taxa básica de juros pelo Banco Central não tem efeito sobre a inflação de 2015, trazida para este ano. “Ano passado a inflação não foi de demanda e sim de custos. Levada pela alta generalizada de energia elétrica, da água e também por conta do dólar. O juro em si pouco conseguiria aliviar isso. Aumentar os juros é como se fosse um remédio placebo neste momento”, avalia o economista Thiago Biscuola, da RC Consultores.
Na prática, desindexar a economia brasileira envolve tanto um compromisso maior com as metas da inflação, quanto com a revisão de questões mais profundas, como a regra de reajuste do salário mínimo e de contratos de concessões, hoje corrigidos automaticamente pela inflação, enquanto deveriam ser a partir da rentabilidade e custos dos segmentos.
“É preciso modernizar a legislação trabalhista brasileira, torná-la mais racional. Se você ver, as despesas públicas são quase todas presas ao reajuste do salário das categorias. O mínimo deveria ser mais consensual e menos baseado no PIB e na inflação, por exemplo”, analisa Biscuola.
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