Opinião
Nada abala a popularidade do governo Dilma
Guido Orgis, editor-executivo de Economia
Vamos imaginar que o Banco Central se preocupou com a inflação lá em 2010, quando ela descolou do centro da meta de 4,5% ao ano. Teríamos tido uma fase de juros mais altos, é verdade, mas agora o trabalho da autoridade monetária seria outro. Se os preços estivessem subindo, digamos, 4% ao ano, seria fácil para o BC simplesmente ignorar uma alta sazonal no preço dos alimentos. O sistema de metas de inflação tem as bandas de flutuação exatamente para absorver esses choques de oferta. Mas o que era para ser uma exceção (preços acima da meta) virou a rotina do governo Dilma.
A carestia do tomate, dos serviços e da habitação vai continuar por um período mais longo do que gostaríamos, pois já se fala que a inflação não volta para a meta antes de 2016. O incômodo dos preços, no entanto, não é o tipo de coisa que vai mexer com as eleições deste ano. Nem isso, nem a taxa básica de juros, que tanto faz para quem paga 200% ao ano no cartão de crédito. São tempos em que é preciso bem mais do que isso para mexer com a popularidade da presidente Dilma Rousseff.
Avião e tomate
Entre os alimentos mais caros em março, segundo o IPCA-15, estão o tomate (28,53%), a batata-inglesa (14,59%), hortaliças (12,72%), ovos (3,07%) e frutas (2,05%). No grupo transporte, sobressaíram as tarifas aéreas (de queda de 20,36% em fevereiro para alta de 27,08%) e de ônibus urbano (de 0,38% para 1,51%) e o aumento no etanol (de 0,28% para 3,89%).
Os alimentos voltaram a puxar a inflação para cima e já ameaçam ultrapassar o teto da meta, de 6,5%, para os próximos meses. Segundo o IPCA-15, o grupo de alimentação registrou alta de 1,11%, enquanto a prévia geral da inflação ficou em 0,73%. Foi a maior taxa para o mês desde 2003, quando a prévia do índice oficial de inflação ficou em 1,14%.
Confira os alimentos com as maiores altas
No índice acumulado dos últimos 12 meses, os alimentos também se mantêm com inflação acima da média. Enquanto o IPCA-15 registra crescimento nos preços de 5,9%, os alimentos de uma maneira geral aumentaram 6,4% entre março de 2013 e o mesmo mês deste ano. Entre os itens com maiores altas estão o pimentão e a tangerina, com inflação de mais 60% no período; e o leite em pó e a farinha de trigo, com altas de 19% e 17%, respectivamente.
Para o economista-chefe da Concórdia Corretora, Flávio Combat, o impacto da estiagem sobre os preços deste grupo deve se intensificar nos índices consolidados de março e abril. "Os alimentos estão refletindo a aceleração percebida no atacado, já que a safra de alguns produtos está sendo prejudicada pela estiagem", afirmou. "Estamos assistindo ao começo de uma inflação de alimentos mais alta. Ainda não é o topo", acrescentou.
O relatório da Rosenberg Associados segue a mesma linha. "Estes números apontam para uma perspectiva bastante desconfortável para a inflação de alimentos no começo deste ano", afirma o comunicado.
O pessimismo com a alta do índice no país parte das intempéries climáticas, mas também conta com uma tendência de aumento nos preços globais das commodities. Nessa conta também está a demora na recomposição dos estoques globais, a redução da oferta mundial de produtos básicos, incluindo milho nos Estados Unidos e trigo na Ucrânia.
Acima da meta
A alta no grupo alimentos esperada para os próximos meses ensaia a superação do teto da meta de inflação. "O teto da meta de inflação pode ser rompido antes do final da Copa", afirma o diretor de pesquisa da GO Associados, Fábio Silveira. Ele estima que o índice chegue a 6,8% em julho deste ano. "O índice já está alto e agora tem uma série de fatores para que fique ainda maior: alimentos, reajuste dos combustíveis, entre outros", concorda o professor de Economia da Universidade Estadual de Londrina, Ronaldo Canetta.
Mais preocupante que a superação dos 6,5%, é a falta de alternativas para que a inflação seja controlada. "Os juros já estão em alta e o câmbio não dá sinais de movimento. A alta nos preços vai chegar a um patamar de difícil recuperação."
Governo marca reunião para definir medidas
Agência Estado
O festival de aumentos dos preços dos alimentos levará o governo a tomar medidas para atenuar a alta da inflação. Em reunião prevista para a próxima terça-feira, a câmara técnica do Conselho Interministerial de Estoques Públicos de Alimentos (Ciep) determinará a venda de estoques de milho para abastecer algumas regiões, sobretudo o Nordeste, e discutirá ações em alimentos básicos, como o feijão, afetado pelo clima nas principais áreas produtoras do país.
O movimento do conselho corrobora o alerta do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, aos senadores nesta semana, sobre o impacto do choque de preços nos alimentos na inflação. Em plena safra dos grãos, esperava-se recuo nos preços. Mas as cotações seguem trajetória ascendente pela terceira vez nos últimos anos.
No governo, avalia-se que a escalada dos principais itens de alimentação continuará nos próximos dois meses. "Temos essa preocupação, sim. Por isso, vamos tomar medidas", disse o novo ministro da Agricultura, Neri Geller.
O governo avalia lançar uma linha de financiamento para estufas que cobrem hortigranjeiros, o que ajudaria a reduzir estragos das chuvas, além de incentivar o setor de sementes. "A qualidade é baixa e os preços estão altos", diz o vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Osmar Dias.
Reforma tributária promete simplificar impostos, mas Congresso tem nós a desatar
Índia cresce mais que a China: será a nova locomotiva do mundo?
Lula quer resgatar velha Petrobras para tocar projetos de interesse do governo
O que esperar do futuro da Petrobras nas mãos da nova presidente; ouça o podcast