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Indicador dos mais relevantes para a população, a inflação foi um dos assuntos explorados pelos candidatos à Presidência no primeiro turno das eleições, e pode novamente exercer papel importante nas discussões deste segundo turno.
“Existe um sentimento de parte da população de que a vida dela não ficou igual do que era antes da pandemia. Ficou um pouquinho pior”, disse o presidente Jair Bolsonaro (PL) no dia 2, horas após a votação. O candidato à reeleição afirmou que, embora no geral o custo de vida esteja mais alto que antes da pandemia, os preços dos combustíveis e da energia estão em queda, e indicou que apostará nesses fatos para ganhar votos.
Enquanto isso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala – sem dar mais detalhes – em "coordenar a política econômica" para combater a elevação nos preços, particularmente de alimentos, combustíveis e eletricidade.
Inflação vem perdendo força no país
No Brasil, a alta nos preços vem perdendo força nos últimos meses. O pico foi registrado em abril, quando a inflação em 12 meses estava em 12,13%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em setembro, depois do terceiro mês seguido de deflação, o acumulado em 12 meses baixou a 7,17%.
Um fator que vem contribuindo para a perda do ímpeto inflacionário é a redução nos preços dos combustíveis, motivado, em um primeiro momento, pelo corte nas alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e depois pela redução dos preços nas refinarias.
Também pesam os altos juros no Brasil. Atualmente eles estão em 13,75% ao ano, o maior patamar desde dezembro de 2016. As expectativas são de manutenção desse nível ao longo do primeiro semestre de 2023, o que contribuiu para o combate à inflação, por meio do desaquecimento da economia.
Outro aspecto que vem ajudando é o cenário de queda na inflação global, motivada pelo aumento no juro em algumas das principais economias, o que pode levar o mundo a uma recessão.
Essa perda de ímpeto na inflação mundial, aliada aos cortes nos impostos e os juros altos no Brasil, deve manter o IPCA em trajetória de queda gradual. O ponto médio (mediana) das projeções das instituições financeiras para a inflação em 2022 está em queda há 15 semanas e chegou a 5,71% no mais recente boletim Focus, do Banco Central. Para 2023, a mediana é de 5%.
Pelo menos três fatores requerem atenção para manter os preços comportados nos próximos meses:
- cuidado com as contas públicas;
- eventuais aumentos nos preços dos combustíveis, em razão das oscilações das cotações do petróleo; e
- situação do preço dos alimentos no mundo.
Controle da inflação depende de ajuste nas regras fiscais
Analistas sinalizam que devem ser feitas mudanças nas regras fiscais para assegurar o controle da inflação. “As contas públicas seguem positivas, mas voltarão a ficar pressionadas em 2023. Regras críveis e rígidas para as despesas serão cruciais para ancorar as expectativas nos próximos anos”, aponta a equipe de análise da XP.
As pressões sobre as contas públicas tendem a ser maiores nos próximos meses, diz o coordenador de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz. Entre os fatores que podem contribuir para uma piora nas condições fiscais, ele cita os seguintes:
- o ritmo de crescimento da atividade econômica tende a enfraquecer, por causa da alta nos juros, afetando a arrecadação;
- as promessas dos candidatos indicam um comprometimento com mais gastos públicos; e
- a inflação está diminuindo, o que reduz o espaço para mais despesas públicas.
Por isso, segundo ele, é fundamental o estabelecimento de novas regras fiscais. “Há uma incerteza quanto a isso nas duas candidaturas”, afirma.
O descuido com a questão fiscal pode contribuir para a desvalorização da moeda brasileira. Se, por um lado, isso torna mais competitivo o produto brasileiro no exterior, por outro tem influência desfavorável sobre a inflação, ao encarecer itens essenciais que são importados ou cotados em dólar, como o trigo e os combustíveis. “Leva a uma pressão de custos”, diz Braz.
Esse descuido também obrigaria o Banco Central a manter os juros elevados por mais tempo, tornando mais difícil a recuperação da atividade econômica e a geração de emprego e renda.
Uma alternativa para o governo, nessa situação, seria o de reforçar investimentos públicos em infraestrutura, pois contribuiriam para a criação de mais oportunidades de trabalho, uma vez que a construção civil é intensiva em mão de obra. “Mas é um motor que não funcionaria, já que não há dinheiro em caixa”, afirma Braz
Redução na produção de petróleo pode ser fonte de pressão
Outro fator que pode influenciar a inflação nos próximos meses é a decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e de seus aliados, como a Rússia, em cortar a produção mundial em 2 milhões de barris por dia – cerca de 2% da demanda – a partir de novembro. A justificativa é de que há muita incerteza no cenário econômico global e no mercado do petróleo.
A questão é que o mercado de petróleo parece não estar atentando ao fato de que a capacidade ociosa para aumentar a produção de petróleo é muito baixa. Ela é estimada em 1,5% da demanda global, apontou no início do mês o CEO da Saudi Aramco, Amin H. Nasser, no Energy Intelligence Forum, em Londres, segundo relato da agência Reuters.
E não é porque os preços estão em patamares elevados que haverá necessariamente uma nova onda de investimentos no setor, destacou no mesmo evento o CEO da Shell, Ben van Beurden. Segundo ele, pode levar décadas para que os projetos de petróleo e gás comecem a remunerar.
“O corte na produção é uma situação que preocupa um pouco”, diz Braz, da FGV. E não é só pela questão dos combustíveis. A maior parte do frete no Brasil é feito pelas rodovias e há cadeias produtivas fortemente dependentes do petróleo e de seus derivados, como é o caso da química e da plástica. “Mas não deve fazer com que a inflação fique galopante”, pondera.
Desde junho, os preços dos derivados do petróleo estão em queda no Brasil. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço da gasolina caiu quase 40% desde o pico alcançado em junho.
Esta retração – causada em um primeiro momento pelo corte nas alíquotas de impostos estaduais e federais sobre os combustíveis e depois pela queda dos preços nas refinarias – foi determinante para as deflações registradas em julho, agosto e setembro.
As perspectivas para a inflação dos alimentos
Outro ponto de atenção, diz Braz, são os alimentos. Os preços deles estão em níveis elevados. Segundo o IBGE, em setembro, comer em casa estava 13,28% mais caro do que um ano antes. Nesse mesmo período, a inflação geral apontada pelo IPCA foi de 7,17%.
Dos 16 grupos alimentícios pesquisados pelo órgão de estatísticas, apenas um – cereais, leguminosas e oleaginosas – registrou queda (-2,55%) em relação ao mesmo mês de 2021. As maiores altas de preço ocorreram com frutas (29,15%), leite e seus derivados (28,62%), farinhas, féculas e massas (20,29%) e panificados (20,02%).
Mas o Brasil conta com um importante ponto a favor, destaca o economista da FGV: as perspectivas de uma boa safra no ciclo 2022/23. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma colheita de grãos que pode atingir 312,4 milhões de toneladas. 15,3% maior que a anterior. “As perspectivas estão favoráveis por aqui", diz o economista da FGV.
Este cenário favorável, entretanto, diz Braz, não blinda o Brasil contra eventuais altas. Ele lembra que importantes produtores de commodities agrícolas, como a China e a Índia, enfrentaram problemas com a seca no verão do Hemisfério Norte, o que pressiona as cotações internacionais.
O Banco Mundial observa que trigo, milho e arroz ficaram, respectivamente, 20%, 29% e 8% mais caros em um ano. “Depois de um breve alívio no verão [do Hemisfério Norte de 2022], os preços dos fertilizantes estão começando a aumentar novamente. Além dos aumentos nos preços da energia, medidas políticas, como restrições à exportação, têm limitado a oferta mundial de fertilizantes”, ressalta a instituição.
O banco também destaca que a guerra na Ucrânia modificou padrões de comércio, produção e consumo de commodities de tal forma que os preços ficarão em patamares elevados até o fim de 2024, criando um cenário complicado para a insegurança alimentar e para a inflação.