Análise - Cenário doméstico pesou mais do que crise internacional
A decisão do Banco Central de desacelerar o ritmo de queda da taxa Selic tem muito mais relação com o cenário doméstico do que com a economia internacional. Economistas acreditam que a turbulência sentida recentemente pelo mercado internacional pode até ser uma das justificativas para o Copom ter cortado a Selic em apenas 0,25 ponto porcentual ontem. Mas o que deve ter pesado mesmo foram os últimos indicadores de inflação. "No passado, eram as crises internacionais que explicavam o aumento na taxa de juros. Com vulnerabilidade externa e elevada dívida em dólares, o Brasil elevava os juros como um mecanismo de estabilidade monetária. Mas hoje não há essa vulnerabilidade", explica o professor de economia da Unifae Carlos Ilton Cleto.
Em momentos de crise, o aumento da taxa de juros ajudava a evitar a fuga de investidores, nacionais e estrangeiros, do mercado emergente brasileiro para o exterior. Foi o que ocorreu durante a crise da Argentina, em 1995, a dos tigres asiáticos, em 1997, e a da Rússia, em 1998, lembra o professor Carlos Magno Bittencourt, da Pontifícia Universidade Católica (PUC). Após a adoção do regime de câmbio flutuante e do regime de metas para a inflação, o Brasil se viu obrigado a elevar seu juro básico em decorrência de situações domésticas, explica o professor Robson Ribeiro Gonçalves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 2002, por exemplo, a provável eleição do candidato Luís Inácio Lula da Silva à presidência estressou o mercado financeiro e o juro foi às alturas. Hoje, diz Gonçalves, o país vive um período semelhante ao de 2004, quando a Selic também subiu, mas por conta de um aumento de demanda interna.
Felipe Laufer
Brasília No momento em que os mercados financeiros acabam de passar por uma turbulência internacional e em que foi aceso o "sinal amarelo" da inflação, o Banco Central decidiu, por unanimidade, reduzir o ritmo de corte da taxa básica de juros. O Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou na noite de ontem que a Selic foi reduzida de 11,50% para 11,25% ao ano, ante um corte de 0,5 ponto porcentual feito na reunião anterior, realizada em julho.
O corte tímido faz o Brasil permanecer na segunda colocação entre os países com maiores taxas de juros reais, com 7,3% ao ano. A liderança é da Turquia, com 9,4%, segundo a UpTrend Consultoria Econômica.
O processo de redução dos juros brasileiros foi iniciado em setembro de 2005. Ao todo, já foram 18 cortes consecutivos. Segundo cálculos do vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, embora a queda na Selic já tenha atingido quase 42% neste período, o consumidor não desfrutou da mesma redução na ponta, os juros só caíram 6,19% até agora. Ainda assim, ontem mesmo o Banco do Brasil, o Real e o Bradesco anunciaram reduções em suas taxas cobradas do consumidor.
O principal fator que justifica a menor velocidade são as pressões inflacionárias, concentradas nos alimentos. Na terça-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que a dinâmica de alguns preços, como o leite e seus derivados e o milho, foi afetada e que isso significava um "sinal amarelo". No entanto, descartou que a inflação fique acima do centro da meta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é de 4,5% (leia mais nesta página).
A taxa de juros é o instrumento utilizado pelo BC para manter a inflação sob controle. Se os juros caem muito, a população tem maior acesso ao crédito e consome mais. Esse aumento da demanda pode pressionar os preços caso a indústria não esteja preparada para atender a um consumo maior. Por outro lado, se os juros sobem, a autoridade monetária inibe consumo e investimento, a economia desacelera e é possível evitar que os preços subam.
De acordo com o boletim Focus, divulgado semanalmente pelo BC, os analistas do mercado financeiro esperam apenas mais um corte de 0,25 ponto porcentual neste ano. Se a previsão se confirmar, a Selic terminará 2007 em 11% ao ano. O comitê se reúne mais duas vezes neste ano.
Mas se por um lado há um "sinal amarelo" para a inflação, por outro existe o crescimento econômico indicando que não deverá ser gerada pressão inflacionária. Os crescimentos da taxa de investimentos e da importação de bens de capital indicam que a indústria terá como aumentar a capacidade de produção para atender ao aumento demanda.
A utilização da capacidade instalada (que mede o total de máquinas e equipamentos de uma indústria em uso) em julho chegou a 82,5%. Embora próximo ao patamar registrado em setembro de 2004 (83,2%), mês em que o BC iniciou o processo de elevação da taxa de juros para conter o aumento do consumo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) acredita que não há risco de os empresários não atenderem a um possível aumento da demanda.
O Copom divulga na quinta-feira da próxima semana a ata da reunião encerrada ontem.
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