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Recuperação salgada

Insumos mais caros e demora na entrega: os desafios da indústria na retomada

(Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Apesar de a inflação no Brasil estar abaixo da meta, a retomada das atividades econômicas vem provocando pressão inflacionária em alguns segmentos. O consumidor percebeu o forte aumento de preço de alimentos como arroz e feijão. A construção civil alertou sobre os preços elevados e a falta de materiais. E agora a indústria chama a atenção para os insumos mais caros e a demora para receber alguns itens, o que acaba afetando toda a cadeia produtiva.

A indústria de bens e equipamentos, por exemplo, que depende do aço, já compete pela matéria-prima com a construção civil. O desligamento de alto-fornos no início da pandemia diminuiu a produção no país, que está voltando aos patamares normais somente agora e precisa tanto repor estoque como atender a novas demandas de mais de um setor.

Toda a cadeia produtiva do plástico também foi afetada. Há dificuldade de encontrar insumos como PE, PP e PVC tanto no mercado doméstico quanto no internacional, o que provoca aumento dos preços. A falta de plástico influencia a produção de embalagens e já há alertas a varejistas vindos de empresas do segmento de limpeza, por exemplo, de que os preços podem aumentar e haver atrasos na entrega de produtos pela demora na entrega de embalagens.

Normalmente associado à retomada da atividade econômica, o setor de papelão ondulado também está operando com prazos mais amplos. Como não há formação de estoque no segmento, que trabalha por encomenda, o aumento nos pedidos dobrou o tempo de espera dos clientes – antes, a média era de 7 a 30 dias para entrega, e agora o prazo chega a 60 dias.

Relatos de empresários do setor moveleiro apontam para a escassez de MDF no mercado. Um deles disse à Gazeta do Povo ter estoque da matéria-prima até outubro, mas depois não sabe como vai obter, porque os fabricantes alegam estar sem material.

Pandemia afetou produção de matérias-primas para indústria

A pandemia afetou a produção de diversos segmentos em escala global, inclusive pelas restrições sanitárias que levaram à interrupção temporária no funcionamento de algumas indústrias. No Brasil, a alta de preços de algumas commodities, pressionadas pelo câmbio elevado, também gerou inflação.

Dados mais recentes do Índice de Preços ao Produtor (IPP), pesquisa do IBGE, mostraram que os preços da indústria subiram 3,28% em agsosto ante ao mês anterior. Essa foi a maior alta desde o início dessa série histórica, em janeiro de 2014.

De acordo com o IBGE, esse resultado está ligado ao aumento no custo de alimentos e de atividades relacionadas aos derivados de petróleo e biocombustíveis. O instituto ainda destacou que esse foi o 13.ª aumento consecutivo do IPP, que mede a variação dos preços de produtos na “porta da fábrica”, sem impostos e frete, de 24 atividades das indústrias extrativas e da transformação.

O setor do plástico ainda vinha em processo de recuperação da recessão anterior, que foi de 2014 a 2016, quando a pandemia chegou e mudou as perspectivas de crescimento. A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) projetava expansão próxima de 2% para o setor, mas a crise sanitária derrubou a produção – em maio, ela atingiu o menor nível, com queda de 28%.

“Estamos vendo um processo de retomada de algumas atividades econômicas e o setor plástico como um todo, com uma produção -6,5% menor do que nos níveis pré-crise”, informou a entidade, em nota.

A Abiplast aponta que há um desequilíbrio de oferta de matérias-primas plásticas no mundo, o que causa oscilação brusca dos preços e faz com que empresas transformadoras não tenham insumos suficientes para atender toda a demanda. De acordo com a associação, há dificuldade para encontrar matérias-primas de PE, PP e PVC no mercado doméstico e internacional.

“O descolamento nas cadeias produtivas fez com que muitas companhias deixassem de fornecer dentro de um ritmo normal. Quando, aos poucos, as atividades retomaram, também houve problemas de ordem logística de destinação de material", ressalta a associação, para em seguida alertar do risco de um movimento oposto nos próximos meses: "É preciso observar os efeitos do fim do auxílio emergencial, que pode gerar queda na demanda, em especial na construção civil, um dos grandes consumidores de produtos de PVC”.

Mauricio Russomanno, CEO da Unipar, maior fabricante de cloro e soda da América do Sul e uma das principais produtoras de PVC na região, detalhou um pouco da situação que ocorreu no mercado de PVC a partir da experiência de suas fábricas. Na Unipar, a produção de soda, cloro e PVC está vinculada: para fazer um produto, obrigatoriamente terá do outro também.

O mercado para cloro e soda cáustica seguiu aquecido no Brasil, mesmo durante a pandemia, mas o PVC não, o que acabou gerando estoque, que se manteve elevado até o início de junho, quando a construção civil voltou a demandar em mais quantidade. A Unipar, por exemplo, apenas modulou a produção nas suas plantas, mas sem reduções significativas.

"Quem precifica o PVC no mundo são os Estados unidos, um dos maiores produtores. Com a pandemia, houve um período com sobra de PVC e os preços despencaram – chegaram a cair 40% no meio do segundo trimestre e o estoque ficou muito alto", explica.

A partir de junho, a demanda pelo produto começou a crescer, em toda a cadeia do PVC. O estoque foi vendido, mas ainda assim há um aumento no volume demandado e esse mercado muito aquecido não será totalmente abastecido pela produção local. A Unipar, por exemplo, abastece apenas o mercado doméstico. "A gente tem o limite de produção. O que estou fazendo com os clientes é atendê-los com base na necessidade histórica e indo um pouco além, mas não consigo ir além de uma quantidade", explica.

De acordo com Russomano, no auge da pandemia, as vendas de PVC chegaram a cair 75%. Agora, a situação está normalizando e os preços foram retomados para patamares pré-pandemia, no mesmo nível que eram cobrados em janeiro. Parte dos insumos é importada, como sal e etileno, então, existe uma pressão do dólar.

"Do mesmo jeito que sobrou material antes, agora não conseguimos suprir a demanda momentânea. Isso vai se regularizar em um ou dois meses, porque o Brasil não está crescendo nessa velocidade exagerada nesse momento. Estamos passando por uma recalibração", aponta.

Mercado de papelão tem realidade diferente

A indústria de papelão ondulado tem cenário um pouco diferente. Ela também foi afetada pela pandemia – em abril e maio, teve desempenho inferior ao registrado nos mesmos meses de 2019. Mas, com exceção desse bimestre, todos os demais registraram resultados positivos, tanto que a expedição de caixas, acessórios e chapas de papelão ondulado cresceu 3,71% na comparação entre os oito primeiros meses de 2019 e 2020 – passou de 2,35 milhões de toneladas para 2,44 milhões de toneladas.

O setor não trabalha com estoque: a produção é realizada por encomenda. Desde a recuperação em junho, estão sendo registrados recordes mensais e a expectativa da Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO) é de que esse cenário permaneça até o fim do ano.

A presidente da ABPO, Gabriella Michelucci, observa que o setor sofreu com elevação de custo das aparas, impacto do câmbio sobre insumos e peças de reposição e mais uma particularidade: a redução da reciclagem, em virtude de mudanças no trabalho das cooperativas, catadores de papel e coleta seletiva. “O setor trabalha para recuperar a coleta no mesmo nível pré-pandemia e atender a demanda. A redução de ofertas de aparas acabou gerando aumento de preço, desde a retomada, em função do alto consumo”, explicou.

O fornecimento de papelão ondulado não parou porque abasteceu muitos e-commerces durante a pandemia. A partir de julho, houve recuperação muito rápida da indústria de bens duráveis e semiduráveis e todos os setores passaram a demandar volumes maiores de embalagens, aponta a ABPO.

Essa mudança rápida no padrão de consumo levou a indústria do papel ondulado a estender o prazo de entrega. Gabriella observa que grande parte da indústria operava com prazos de 7 a 30 dias, que foram ampliados para até 60 dias. A previsão de regularização nas entregas é de médio a longo prazo. “A depender de como seguirá a economia, principalmente em função do término do auxílio emergencial”, pontua.

O que pressiona a inflação e esse aumento de preços

Todos esses episódios – do arroz ao papelão – estão relacionados no cenário macroeconômico, ainda que cada um tenha algumas especificidades.

O professor do Insper Alexandre Chaia avalia que está havendo um repique de inflação porque alguns setores voltaram a demandar fortemente. “Apesar de a gente estar, teoricamente, em uma recessão, alguns setores não tiveram essa recessão. Eles continuarão demandando e agora estão repondo estoque e produzindo”, observa.

O pagamento do auxílio emergencial, benefício com cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300 voltadas a trabalhadores informais e população vulnerável, ajudou a segurar e até mesmo estimulou o consumo em determinados segmentos. Isso explica, em parte, a alta de preços em alimentos e construção civil.

É de olho nesse apetite pelo consumo que parte da indústria também adéqua seu nível de produção. Chaia observa que, em geral, a ociosidade na indústria se dá por dois motivos principais: falta de demanda ou diminuição da capacidade de produção. Atualmente, a indústria nacional está ajustando esses dois fatores, mas ainda é afetada pela escassez de insumos.

Esse descompasso se reflete no preço. Para o professor, segmentos que estão com demanda reprimida aproveitam para subir o preço, também impactado por um cenário internacional de retomada geral.

A tendência é que esse processo inflacionário na indústria se acentue até o fim do ano, quando tradicionalmente já há uma necessidade de reposição de estoque, que atualmente é baixo ou inexistente, e há a expectativa de crescimento de vendas da virada de ano.

“Não vai ter desabastecimento e a inflação não vai voltar a galopar. É um período de maior pressão inflacionária que estamos passando”, observa Chaia. Ele analisa que o cenário deve se normalizar até o primeiro trimestre de 2021, quando a economia engrena e as pessoas serão recontratadas, ou haverá uma desaceleração do consumo, que vai diminuir a pressão sobre os preços.

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