A inflação de janeiro veio ligeiramente abaixo das expectativas de mercado, mas é insuficiente para esfriar os ânimos na guerra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou ao Banco Central (BC).
O IPCA veio em 0,53% no mês, enquanto o a mediana das projeções era de 0,55%, segundo o boletim Focus do BC. O índice mantém as preocupações com o ritmo lento do processo de "desinflação". Isso porque a inflação acumulada em 12 meses praticamente não mudou, oscilando de 5,79% em dezembro para 5,77% em janeiro.
“A desinflação está em curso, mas deve continuar mais lenta ao longo do ano, principalmente por conta de das pressões sobre administrados e alguns serviços", diz a economista Tatiana Nogueira, da XP Investimentos. Segundo ela, a composição do IPCA mostra leve viés de baixa para alimentação no domicílio e serviços pessoais. Por outro lado, alimentação fora de casa e carros tiveram alta acima da esperada.
Segundo Rachel de Sá, chefe de economia da Rico Investimentos, a queda na inflação no Brasil e no mundo está sendo puxada por produtos industriais, particularmente por causa da normalização das cadeias globais de produção. "Os preços do frete marítimo, que haviam subido substancialmente desde o inicio da pandemia, já se encontram no nível médio observado historicamente", diz.
Inflação deve ser mais elevada em fevereiro
A inflação em fevereiro deve ser mais elevada. O Focus sinaliza para uma alta nos preços de 0,8%, puxada pelo reajuste da educação e da inflação da gasolina.
A Petrobras anunciou, há duas semanas, um reajuste de 7,4% sobre os preços do combustível. Além disso, o fim da desoneração de tributos federais sobre os combustíveis está prevista para o fim do mês. Ela deve acrescentar mais pressão sobre a inflação.
Também há a pressão dos governadores em relação às alíquotas do ICMS sobre os combustíveis. O Congresso estabeleceu um teto para o imposto no ano passado, mas os estados, que se queixam de perda de arrecadação, tentam derrubar esse limite e têm recebido sinalizações positivas do governo federal nesse sentido.
Deterioração do cenário pode levar até a aumento na Selic
“A inflação veio dentro do esperado, mas ainda não é uma batalha vencida”, diz o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung. Há outros fatores que vem contagiando o mercado e podem afetar o plano de voo do Banco Central no combate à inflação:
- as incertezas em relação ao novo arcabouço fiscal,
- os estímulos fiscais que podem sustentar a demanda em 2023, e
- a deterioração das expectativas de inflação para períodos mais longos.
Sung alerta que caso haja uma deterioração no cenário, principalmente em relação às expectativas de inflação, o BC poderá manter o juro em 13,75% ao ano por mais tempo, ou até mesmo, em um caso mais extremo, voltar a subir a taxa Selic.
Na avaliação do mercado, o espaço para cortes de juro neste ano vem diminuindo. Se em 4 de agosto, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) estabeleceu a taxa em 13,75% ao ano, a sinalização era de uma Selic de 11% no final de 2023, hoje as expectativas de bancos, corretoras e consultorias sinalizam para uma taxa de 12,75% em dezembro.
Pressões políticas vêm ganhando força
Lula vem criticando fortemente a política monetária do Banco Central, bem como a autonomia formal conferida à instituição em 2021. O atual presidente, Roberto Campos Neto, tem mandato até o fim de 2023.
Lula afirma que não é possível que o país volte a crescer com a taxa de juros no patamar de 13,75%. O ponto médio (mediana) das estimativas de economistas para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano é de alta de apenas 0,8%, segundo o boletim Focus. Se confirmada, essa taxa de crescimento será a menor desde 2016, sem contar a recessão de 2020, primeiro ano da pandemia.
As reiteradas críticas de Lula à condução à atuação do Banco Central produzem efeitos, por exemplo, sobre os juros futuros, que pesam na formação do custo do crédito de longo prazo. Um exemplo foi na sexta-feira (3), após uma entrevista de Lula à RedeTV, quando os juros do Deposito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2025 passaram de 12,97% para 13,28%.
Nesta quinta (9), o mesmo DI baixou para 12,83%, após declarações o ministro da Secretaria das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Ele disse não existe qualquer discussão no governo para modificar a legislação que garante a independência do Banco Central na condução da política monetária.
O presidente do BC saiu em defesa da instituição. Segundo ele, a principal razão para a autonomia do BC é “desconectar o ciclo da política monetária do ciclo político, porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses”. “Quanto mais independente você é, mais efetivo você é e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício da política monetária", afirmou.
Segundo reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo", a cúpula do PT quer "enquadrar" Campos Neto e defende a sua substituição, sob a justificativa que a atual gestão do BC pode levar o governo a uma “crise política incontornável”.
Dirigentes do partido, como a presidente Gleisi Hoffmann, endossam o discurso de Lula sobre a necessidade da redução da taxa e pregam a reorientação da política econômica. “O fato de o presidente do BC ter mandato não dá a ele autorização para irresponsabilidade”, disse a deputada ao jornal.
O embate pode ganhar força nos próximos dias. Hoffmann levará essa proposta mais crítica em relação ao Banco Central à reunião do Diretório Nacional do PT, que acontece na segunda-feira (13).
Segundo a Bloomberg, a equipe econômica do governo estaria considerando uma revisão antecipada das metas de inflação, para aliviar as tensões entre o BC e o presidente Lula. A definição teria de passar por uma reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN), que é integrado pelos ministros da Fazenda, Planejamento e pelo Banco Central. A próxima reunião está marcada para o dia 16.
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