Inflação em 2020 foi muito pressionada pela alta nos preços de alimentos. Em 2021, tendência é de espalhamento.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo
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A pandemia da Covid-19 embolou o cenário da inflação em 2020 e terá reflexos no próximo ano. A pressão – sobretudo dos alimentos – não deu folga, e a desvalorização do real contribuiu para um aumento dos preços neste grupo e também em bens duráveis, apesar da crise. O “avanço controlado” da inflação acabou dando espaço para uma aceleração forte nos últimos meses do ano, que ainda está submetida à mudança de bandeira tarifária de energia elétrica.

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A perspectiva inicial, que era de fechamento do ano dentro ou abaixo da meta de 4% definida pelo Banco Central, implodiu. O mercado, que em novembro estimava que o IPCA fecharia o ano em 3,20%, já reviu as projeções e agora aposta em 4,39%, de acordo com o Boletim Focus, do Banco Central, divulgado em nesta segunda-feira (28). A última leitura do IPCA, divulgada em 8 de dezembro, mostrou que o indicador acumula alta de 3,13% de janeiro a novembro de 2020 e de 4,31% nos últimos 12 meses.

Para 2021, a meta fixada pelo BC é de 3,75%, e o mercado projeta algo em torno de 3,34%, também segundo o Focus. Especialistas apontam que no próximo ano a tendência é de um “espalhamento” da inflação.

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Se neste ano a variação dos preços foi bastante concentrada em alimentos, para o ano que vem os administrados – como planos de saúde e mensalidade escolar – devem pressionar o índice. As incertezas em relação à evolução da pandemia e à retomada da atividade econômica, além da condução da política fiscal e da agenda reformista pelo governo, tornam o cenário um pouco mais nebuloso.

O que provocou a pressão da inflação em 2020

A chegada da Covid-19 no país, na segunda quinzena de março, impôs medidas de distanciamento social que mudaram os hábitos dos brasileiros. Uma delas foi que as pessoas passaram a fazer grande parte das refeições em casa.

“Aquela correria aos supermercados para reforçar a despensa provocou um aumento de preços rápido em itens da cesta básica, principalmente. Com o passar dos dias, esse aumento de preço dos alimentos se sustentou por outros efeitos”, observa o economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV) André Braz, que coordena as pesquisas de inflação da instituição.

Dois alimentos básicos do brasileiro subiram muito de preço, por motivos distintos. O feijão sofreu com uma quebra de safra e o arroz teve menos oferta após diminuição da área de plantio. Leite e derivados sofreram variações naturais ocasionadas pela sazonalidade da produção. Para Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, é preciso observar que esse cenário de pressão de alimentos sempre existirá, porque está relacionado a várias outras questões.

“Desde que o índice não seja commodity, o aumento de itens de alimentação que tem variação sazonal pode torná-los os vilões no mês, mas não os culpados pela inflação ou hiperinflação”, pondera. A economista ainda explica que esse tipo de contratempo é algo esperado: volátil, mas de resultado temporário.

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Fora isso, a desvalorização cambial também causou efeitos nocivos para a inflação, sobretudo por causa do efeito nas commodities. Braz explica que, com o real desvalorizado, o Brasil se tornou mais competitivo no exterior e a China, sobretudo, passou a comprar mais produtos daqui, principalmente carne (bovina, suína e de aves).

“Esse aumento das exportações de carne, se por um lado foi bom para a balança comercial, por outro foi um desafio a mais para a inflação, porque o preço dessas proteínas subiu muito e continua subindo até agora”, explica.

A elevação do preço de commodities também pesou aqui duplamente: a valorização em dólar de soja e milho aumentou os custos da produção e criação de animais no país, pressionando o valor cobrado do consumidor final. Os preços de derivados desses produtos, como o óleo de soja, também dispararam.

Com o passar dos meses, a pressão inflacionária chegou a outros produtos, como bens duráveis, e setores, como a construção civil e a indústria, que chegaram a sofrer com falta de insumos além do aumento de preços.

Preços administrados vão subir em 2021

Esse cenário de concentração de altas de preço em 2020 também se deveu a medidas de mitigação dos efeitos da pandemia. Alguns itens que pesam na cesta de consumo das famílias – como mensalidade escolar, plano de saúde e tarifas públicas, como água, luz e transporte coletivo – não tiveram reajuste. Só que isso ocorrerá em 2021.

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A avaliação de Andre Braz, do Ibre/FGV, é de que haverá um espalhamento maior da inflação. A tendência é de que os itens de alimentação não subam tanto e que a desvalorização cambial não seja tão grande quanto a acumulada em 2020. Isso já ajudaria a diminuir as pressões inflacionárias neste grupo, considerando que não haja atuação de fatores imprevisíveis, como a influência do clima na produção agrícola.

O que deve pressionar a inflação serão os reajustes dos preços administrados. “Em algum momento, a gente vai pagar dois reajustes em 2021”, observa Braz. Ele cita como exemplo os planos de saúde, que devem começar janeiro já promovendo algum tipo de reajuste, referente a 2020, e podem fazer novo acerto de custos conforme o desenrolar do próximo ano. Os reajustes das tarifas de transporte coletivo – ônibus, trem, metrô, balsa, táxi – e da gasolina também devem causar pressão na inflação em 2021.

Simone Pasianotto, da Reag Investimentos, concorda. “Os administrados, que seguraram a variação de preço esse ano e se mantiveram congelados por conta da pandemia, terão que começar a fazer o ajuste, porque ninguém consegue manter esse preço fixo diante do câmbio que a gente tem. Vamos ter também a pressão da matéria-prima atrelada ao câmbio”, analisa.

Incerteza nas questões fiscais e na retomada econômica

O cenário de incerteza de 2021 nas questões fiscais e de retomada da atividade econômica torna a situação da inflação uma incógnita ainda, na análise de Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos. Ele defende um acompanhamento de perto do crescimento, porque, se de um lado há a redução importante de despesas fiscais, por outro há a expectativa de recuperação do mercado de trabalho e o que será da política monetária – isto é, o comportamento do Banco Central em relação à taxa de juros.

Hoje a Selic está fixada em 2% ao ano, nível mais baixo da história, mas a tendência é de alguma elevação para controle da inflação. Hoje, os juros reais estão negativos, justamente por causa da inflação, mas a curva de juros futuros está em alta, um sinal claro de desconfiança em relação aos rumos da política fiscal brasileira.

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“O BC vai ter que olhar para isso e ficar com sangue frio. A inflação está subindo mas, como o fiscal vai sair de cena, então é a monetária que vai ter que segurar o crescimento. A apreciação do real também deve ajudar a inflação a cair”, avalia. Para Megale, historicamente inflação anda junto com a expectativa, o que exigirá habilidade do BC para mostrar que conseguirá manter juros mais baixos mesmo com a inflação elevada, por apostar em uma acomodação posterior.

O mercado, que foi surpreendido com a elevação da bandeira tarifária da energia elétrica para vermelha patamar 2 ainda em 2020, conta que essa tarifa não perdurará 2021 inteiro, o que provocará alívio da pressão dos preços. Além disso, há dúvida sobre o alcance dos reajustes dos preços administrados. Por isso, há a possibilidade de um indicador de inflação abaixo da meta no próximo ano, que se reflete nas projeções do boletim Focus.

Essa, no entanto, não é a visão dos economistas do Ibre/FGV. Andre Braz aposta em uma inflação na meta de 3,75% ou “da meta para cima” em 2021.

“Numa economia que a gente tem uma expectativa de crescer um pouco mais e com tantos desafios em custos que aumentaram em 2020, é provável que com o pouco de crescimento que vier toda essa pressão de custos acumulada em 2020, dada a desvalorização cambial, repasse entre os bens finais e os serviços consumidos pelas famílias em 2021”, explica. Ele diz que, com o atual cenário, neste momento não vê qualquer chance de o país ter uma inflação abaixo da meta em 2021.

"Vilões" da inflação de 2020 pesaram mais para os mais pobres

Os vilões da inflação de 2020 foram os alimentos da cesta básica: arroz, feijão, óleo de soja, carne de todos os tipos, leite e seus derivados, observa Braz. "E a inflação de 2020 desafiou mais o brasileiro pobre, porque quanto menos se ganha, mais se compromete do orçamento com a compra de alimentos.”

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Para as classes mais abastadas, o peso da comida mais cara acabou sendo compensado pela redução em outras despesas. No geral, o brasileiro mais rico não gastou com lazer nem turismo, economizou combustível e pode ter recebido descontos em mensalidades escolares, percebendo assim uma inflação mais baixa.

“A classe média alta, que tem uma cesta de consumo mais diversificada, ainda que tenha vivido e percebido um aumento de preços de alimentos, teve uma contrapartida: ela economizava de um lado para gastar de outro”, diz o economista do Ibre/FGV.

Com os mais pobres, isso não ocorreu: “Isso foi um megadesafio para 2020, esse aumento de preços dos alimentos e o impacto que isso trouxe no custo de vida dos brasileiros mais humildes, que é a maioria do povo brasileiro”.

Colaborou Giulia Fontes

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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