Uma recente audiência do Congresso dos Estados Unidos teve o mérito de ressuscitar o debate sobre os perigos que rondam a colaboração entre grandes empresas que atuam na web e governos autoritários. Os deputados norte-americanos querem entender até que ponto o Yahoo! esteve envolvido na prisão do jornalista Shi Tao por autoridades chinesas, em 2005. Até agora, sabe-se que o portal de buscas e serviços ajudou o governo de Pequim a chegar até Tao, indentificando-o como o detentor de determinada conta de e-mail. O fato levou o presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Casa, Tom Lantos, a passar uma reprimenda nos executivos do Yahoo!. "Enquanto em termos tecnológicos e financeiros vocês são considerados gigantes, moralmente não passam de pigmeus", disse.
Em outro caso, o Google é suspeito de fornecer um endereço de IP e ajudar o governo da Índia a processar um usuário do Orkut. O aparato de Nova Délhi acusa o internauta de ofender, na sua página da rede social, Chatrapati Shiva (1627-1680), fundador do Império Marata e uma espécie de pai da pátria indiana. Tal episódio se tornou famoso não só pelo envolvimento do Google, mas porque o endereço fornecido levou à pessoa errada, e conseqüentemente à prisão de um homem inocente.
O que as duas situações têm em comum é que algumas empresas da web 2.0 se tornaram uma fonte fácil e imediata de informações pessoais. E, na medida em que essas companhias evoluem e desenvolvem mecanismos de buscas e redes que agregam mais e mais informações, os governos mundo afora passam a considerá-las cada vez mais úteis para seus propósitos. Além disso, na medida em que a capacidade de arquivar dados do perfil de uma pessoa cresce e ganha detalhes como grupos de discussão a que pertence, listas de compras e de amigos , forma-se uma ferramenta muito tentadora para o poder público explorar nas suas investigações.
O conceito em si não é novidade, já que a análise de grampos telefônicos e da simples troca de correspondência são técnicas básicas de inteligência. A diferença é que agora empresas colhem informações, organizam tudo em um pacote e até realizam o trabalho analítico. Para elas, isso é importante para crescer e ajuda nas estratégias de propaganda e marketing. Infelizmente, o material pode ser facilmente convertido para fins nocivos.
As ferramentas de busca relutam em confrontar essas questões. Somente quando surge um escândalo, ou audiências em prol dos direitos humanos, é que suas declarações evasivas podem ser friamente analisadas.
Advogados e ativistas precisam continuar escavando casos de espionagem indevida e mau uso de dados pessoais. Em países em que há liberdade de informação, isso pode ser feito acessando-se diretamente inquéritos policiais. A partir daí, cidadãos que têm sua privacidade protegida legalmente poderiam exigir prestação de contas sobre qualquer caso em que a utilização de informações pessoais seja considerada problemática. A lógica é a seguinte: "se fulano teve seus dados revelados a um governo autoritário pela empresa que administra meu e-mail pessoal, o que a impede de fazer o mesmo comigo?"
Usar softwares de anonimato (como o sistema Tor" torproject.org) é um bom conselho, mas em termos gerais, uma solução ruim. Tais métodos são inconvenientes e incentivam a idéia de que os internautas devem estar sempre em alerta, escondendo-se por trás de muros tecnológicos quando isso deveria ser uma exceção.
Os problemas de Yahoo! e Google são provavelmente apenas a primeira batalha do que ainda será uma longa guerra entre empresas, usuários e agentes de controle. Por sua própria natureza, o volume de informações arquivadas pelas corporações da web será sempre o maior possível. Mas talvez o preço da personalização total dos serviços seja a vigilância total.
Seth Finkelstein é colunista do The Guardian, programador e ativista anti-censura.