Jeferson Silva tem 47 anos e trabalha por conta própria há 16. Vendendo panos no sinaleiro de segunda a sábado, ganha mais e vive melhor que nos tempos em que era cobrador de ônibus, com carteira assinada. Mas sabe que, por ter passado muito tempo na informalidade, não vai se aposentar tão cedo.
Para muitos brasileiros, o maior obstáculo criado pela reforma da Previdência não será a idade mínima de 65 anos para aposentadoria, e sim o aumento do tempo de contribuição. Num país onde 12,3 milhões de pessoas estão desempregadas e mais de 40% das ocupadas são informais, acumular os 25 anos de contribuição propostos pelo texto da reforma é mais difícil do que parece.
Na prática, muita gente terá de trabalhar pelo menos até os 70 anos, a não ser que os níveis de formalização cresçam muito, e rápido. Algo pouco provável enquanto não houver um crescimento econômico mais forte e duradouro, acompanhado de ações mais incisivas de estímulo à formalização.
INFOGRÁFICO: Informalidade cai, mas ainda é desafio para contribuição
“Acumular 300 contribuições mensais não é trivial no mercado de trabalho brasileiro, em função da rotatividade, da informalidade e ilegalidade nas contratações, dos períodos em desemprego e das frequentes transições entre atividade e inatividade econômica”, aponta nota técnica publicada em janeiro pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
À parte o benefício por invalidez, pago a 3,4 milhões de pessoas, existem hoje duas modalidades principais de aposentadoria pelo INSS. Podem se aposentar por tempo de contribuição mulheres que contribuíram por 30 anos e homens, 35. Cerca de 5,7 milhões de brasileiros se aposentaram assim, e recebem em média R$ 1.824 por mês.
Quem não cumpre esses requisitos pode se aposentar por idade, aos 60 anos (mulheres) ou 65 (homens), desde que tenha contribuído por pelo menos 15 anos. É o caso da maioria: são 10,1 milhões de aposentados, a maioria de baixa renda, que recebem pouco mais que um salário mínimo, em média.
Para quem chega aos 65 sem conseguir nem uma coisa nem outra, resta o Benefício de Prestação Continuada (BPC), programa assistencial que paga um salário mínimo a 4,2 milhões de pessoas, entre idosos e deficientes.
Se os 25 anos de contribuição já estivessem valendo, apenas um em cada cinco dos que hoje se aposentam por idade conseguiria o benefício. Das 576 mil pessoas que se aposentaram por idade em 2015, 79% não completaram esse tempo; dois terços somaram no máximo 20 anos.
Boa parte dos trabalhadores, portanto, corre o risco de chegar aos 65 anos e não conseguir se aposentar. E nem recorrer ao BPC, porque a reforma eleva para 70 anos a idade mínima para receber o benefício assistencial, que também pode ser desvinculado do salário mínimo.
Estímulo
Para o economista Manoel Pires, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), a reforma busca justamente estimular a contribuição ao INSS, o que elevaria a arrecadação do regime. Hoje uma pessoa que jamais contribuiu pode receber um salário mínimo a partir dos 65 anos pelo BPC, mesmo valor que é pago ao trabalhador que contribuiu a vida toda com base no piso previdenciário.
“O governo está criando uma distância entre a Previdência e o BPC para ver se isso é suficiente para aumentar a contribuição. A reforma vai exigir que as pessoas se programem mais e comecem a contribuir mesmo se estiverem na informalidade”, avalia Pires. “Evidente que não é fácil para todo mundo. Pode ser que tenhamos um problema significativo de cobertura social.”
Formalização aumentou 27% entre 2004 e 2015, mas segue baixa
A proporção de trabalhadores formais no país aumentou 27% em pouco mais de uma década. Eles eram 45,7% do total de ocupados em 2004 e chegaram a 58,2% em 2015, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A parcela de contribuintes à Previdência cresceu mais, cerca de 33%, passando de 46,4% para 61,7% dos ocupados no mesmo período, segundo a mesma pesquisa.
Esse movimento foi impulsionado pelo crescimento econômico e por iniciativas do governo. Hoje o país tem 4,7 milhões de empresas inscritas no Simples Nacional e 6,8 milhões de Microempreendedores Individuais (MEI). Os dois regimes têm problemas, no entanto. Cerca de metade dos MEIs está inadimplente. E muitos dos que aderiram ao Simples são empresas que já existiam e profissionais liberais que já contribuíam ao INSS. Nesses casos, a arrecadação diminuiu, em vez de aumentar.
Por maior que tenha sido a adesão ao MEI e ao Simples, grande parte dos trabalhadores segue na informalidade e sem proteção previdenciária. E a melhora dos indicadores não resistiu à longa recessão. Em 2016, o número de ocupados que contribuem à Previdência caiu de 60,6 milhões para 59 milhões, segundo a Pnad Contínua.
Fiscalização e flexibilização
Para ampliar a formalização, representantes de trabalhadores defendem mais rigor na fiscalização e na punição a quem não registra os empregados – a multa, de um salário mínimo por funcionário, é um estímulo à irregularidade, avaliam. Empresários cobram uma legislação trabalhista mais flexível, alegando que as regras atuais encarecem e desestimulam a contratação formal.
A proposta de reforma apresentada pelo governo semanas atrás atende um pouco de cada lado. Prevê jornada negociada entre as partes, trabalho remoto e remuneração por produtividade. Ao mesmo tempo, amplia para até R$ 6 mil a multa por empregado não registrado.
Para João Saboia, professor emérito do Instituto de Economia da UFRJ, o principal motor será sempre o desempenho do PIB. “À exceção de questões pontuais e louváveis, como o MEI, o que reduz a informalidade é o crescimento econômico. O que aconteceu com o mercado de trabalho de 2004 a 2014 deixou isso claro”, diz.
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