Governo e médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão travando uma queda de braço pela retomada do atendimento presencial e quem está sofrendo com o impasse é a população, que segue sem atendimento.
Assim como diversos setores, a perícia do INSS foi uma das atividades afetadas pela pandemia da Covid-19 e precisou ser paralisada durante a crise sanitária. Após sucessivos adiamentos, o serviço deveria ter sido retomado no dia 14 de setembro, mas isso não ocorreu.
Nessa data, várias agências – com exceção das localizadas no estado de São Paulo, onde decisão judicial impedia a reabertura – voltaram a funcionar, mas os médicos peritos não retomaram seus postos de trabalho. A alegação da categoria é de que não houve inspeção que comprovasse condições para o retorno dos peritos. Sem eles, cerca de 1 milhão de brasileiros que aguardam as perícias para receberem benefícios ou retornarem ao trabalho vivem a incerteza sobre quando conseguirão realizar as consultas.
O governo está convocando os peritos a reassumirem os postos de trabalho em pelo menos 111 agências que já teriam sido vistoriadas, mas a Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais (ANMP), que representa a categoria, disse que ignoraria a medida.
Entenda em cinco pontos a queda de braço entre peritos e INSS:
Atendimento presencial suspenso
A pandemia da Covid-19 começou a afetar o atendimento nas agências do INSS em meados de março. Inicialmente, uma portaria publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 18 de março determinou a suspensão de atendimentos não programados por um período de 15 dias. Com o avanço da crise sanitária, nova portaria, publicada no DOU de 23 de março, suspendeu todo o atendimento presencial nas agências.
No período de fechamento, todos os requerimentos de serviços previdenciários e assistenciais só poderiam ser feitos por meio dos canais remotos Meu INSS e a central de atendimento 135. Todos os agendamentos foram suspensos e o reagendamento só seria feito quando o atendimento presencial fosse retomado.
Sucessivos adiamentos da retomada dos atendimentos no INSS
O INSS tentou retomar as atividades presenciais no dia 14 de setembro, mas essa não foi a primeira data marcada para o retorno dos peritos. Sucessivos adiamentos jogaram para frente esse dia, mas o órgão trabalhou com possíveis retornos em 30 de abril, 22 de maio, 13 de julho de 3 de agosto, por exemplo.
Quando havia fixado a data de reabertura das agências para julho, o governo chegou a publicar a portaria conjunta nº 22, no dia 22 de junho, que determinava as regras para o retorno “gradual e seguro” dos serviços nas agências.
As principais determinações eram:
- Implementação das medidas mínimas de segurança sanitária recomendadas pelo Ministério da Saúde, observância de orientações da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia e respeito às regras de isolamento, quarentena e outras condições de funcionamento estabelecidas por estados, Distrito Federal e municípios;
- Superintendências regionais do INSS ficariam responsáveis por organizar e verificar as condições de funcionamento de cada agência, bem como fornecer e instalar equipamentos de proteção individual e coletiva contra a Covid-19;
- Controlar o acesso ao interior das agências, que passaria a ser restrito a servidores e contratados e aos usuários que já tivessem prévio agendamento do atendimento presencial;
- Adequação do espaço e mobiliário das agências, para permitir o distanciamento social e limite máximo de pessoas no mesmo ambiente, e esquema especial de limpeza e desinfecção, ao longo do expediente e com foco nos ambientes de uso comum e consultórios de perícias.
O desenho inicial do INSS era para funcionamento parcial das agências, com seis horas de atendimento exclusivo para quem agendou o serviço previamente. Os primeiros estudos feitos pelo órgão apontavam que, das 1.525 agências do país, 753 estariam aptar a voltar a funcionar – esse número representa 70% da capacidade de atendimento.
Desde o anúncio da possível retomada, em 13 de julho, a associação que representa os médicos peritos já pressionava pelo adiamento da data, alegando que haveria riscos para a reabertura das agências em função do avanço do coronavírus no país.
Na ocasião, a entidade também alegava que havia mais de um milhão de requerimentos previdenciários aguardando análise e processamento administrativo do INSS, o que tornaria sem sentido o retorno dos peritos sem a diminuição do “estoque” de solicitações, já que isso poderia causar aglomerações nas unidades.
A retomada que não ocorreu
A reabertura das agências em 14 de setembro estava certa para o governo, que convocou entrevista coletiva para 11 de setembro para detalhar o funcionamento das unidades. Na ocasião, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco Leal, chegou a destacar que tinham sido realizadas visitas a agências do INSS e aos consultórios das perícias médicas.
Nesta data, o governo não informou quais agências estariam reabertas, mas os segurados teriam a confirmação da perícia e poderiam ir até as unidades que retomariam os atendimentos. Como medidas de segurança, foi determinado como obrigatório o uso de máscaras e aferição da temperatura antes de permitir a entrada do segurado na agência. O INSS mencionou que poderia até fornecer máscara descartável para que a pessoa ingressasse na unidade.
Para os servidores, foram providenciados equipamentos de proteção individual (EPI) – álcool em gel, máscaras e luvas – e instalação de barreiras de acrílico nas mesas de atendimento. Os peritos ainda receberiam avental, toucas e a face shield (máscara de acrílico) para prestar atendimento.
A reabertura das agências ocorreu, mas os peritos não foram trabalhar. Apenas no estado de São Paulo não houve reabertura, porque uma liminar impediu o atendimento – o INSS já derrubou essa decisão.
Na semana passada, o presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos Federais (ANMP), Luiz Carlos Argolo, argumentou que a categoria só retornaria ao trabalho quando houvesse garantia das condições estruturais e sanitárias.
Ele alegou que, das mais de 1,5 mil agências do país, apenas 12 teriam condições de retomar as atividades e eram pequenas unidades localizadas no interior do país. Entre os principais problemas apontados pelos peritos estavam questões relacionadas à climatização dos ambientes, como ar condicionado, falta de limpeza e sanitização voltados para a Covid e ausência de EPIs e materiais descartáveis para os profissionais.
O INSS, então, suspendeu novamente as perícias para fazer adequações e novas vistorias.
Convocação de peritos
Com o impasse em relação aos peritos, o INSS fez novas vistorias e liberou o funcionamento de, ao menos, 150 agências na semana passada. Para restabelecer o atendimento, publicou uma convocação dos médicos. A publicação, feita em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) no dia 18 de setembro, trazia um edital de convocação para que os servidores retomassem os atendimentos imediatamente nas unidades listadas.
Na segunda-feira (21), apenas 149 peritos haviam retornado ao trabalho, segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e INSS. Esses profissionais realizaram 1.376 perícias presenciais em 57 das 100 agências que estavam com agenda aberta desde a semana passada. De acordo com os órgãos, 486 peritos deveriam ter retomado o atendimento presencial na segunda. Atualmente, o INSS tem um quadro com mais de 3,5 mil médicos peritos em todo o país.
Essa tímida retomada veio na sequência de uma declaração do presidente do INSS, Leonardo Rolim. Ele disse, em entrevista à Globonews no domingo (20), que os profissionais que alegam falta de condições sanitárias para o trabalho presencial “estão mentindo”.
Rolim ressaltou que a categoria está inclusa no rol de atividades essenciais e que os médicos que não voltarem ao trabalho estarão sujeitos a medidas administrativas e descontos no salário. O presidente do INSS ainda afirmou que não cabe à associação da categoria realizar inspeções secundárias nas agências – o sindicato poderia apenas realizar visitas e apontas as irregularidades.
O governo analisa realizar novas inspeções em parceria com o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho.
Como fica a concessão do auxílio-doença
Sem perícia médica, os segurados não podem receber benefícios como o auxílio-doença. Durante a pandemia, o governo determinou que, durante o período de suspensão do serviço, os segurados que tivessem direito aos benefícios por incapacidade poderiam solicitar uma antecipação no valor de um salário mínimo por até três meses. Caso necessitasse da prorrogação para além desse período, o trabalhador precisaria de novo atestado médico.
Com a perícia suspensa há cinco meses, muitos segurados já pediram e receberam a antecipação do benefício. Só com a retomada do atendimento presencial é que haverá a perícia formal, e a diferença do benefício será paga.
Atualmente, com o atendimento remoto, os segurados podem enviar os documentos para um tipo de “pré-perícia” – esse material é analisado e concedida a antecipação para que a pessoa não fique desamparada no período. Embora a pandemia tenha flexibilizado alguns atendimentos médicos, a perícia não pode ser realizada por telemedicina.
Quem já recebia o benefício, mas precisaria solicitar a prorrogação do auxílio-doença, foi amparado por uma decisão judicial que determinou prorrogação automática durante o período de fechamento das agências. A portaria 552, que regulamentou a medida, estabeleceu que os pedidos de prorrogação seriam efetivados automaticamente a partir da solicitação, por 30 dias, ou até que a perícia médica presencial retorne, limitado a seis pedidos.
As pessoas que não compareceram às agências no dia marcado para a perícia ou nos casos em que não foi realizado o atendimento poderão remarcar o procedimento pelo telefone 135, desde que o atendimento seja para a mesma agência escolhida inicialmente. Uma portaria regulamentando essa remarcação foi publicada no DOU desta terça-feira (22).
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