As montadoras que investiram no Brasil nos anos 90 não buscavam apenas incentivos fiscais. Cansadas do engessado modelo do ABC paulista, queriam testar um sistema mais enxuto e eficiente. "Elas procuravam pela chamada greenfield region, uma região de campos verdes, sem tradições, amarras ou constrangimentos com sindicatos", explica a professora Olga Lúcia de Freitas Firkowski, que coordena um núcleo de estudos sobre o polo paranaense no Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O fato de a Grande Curitiba ter hospedado os primeiros testes do novo formato foi determinante para a configuração que o polo exibe até hoje, com poucos fornecedores locais e baixo nível de integração.
Entre 1996 e 2000, os "verdes campos" paranaenses atraíram investimentos de US$ 3,3 bilhões, de acordo com a Anfavea, associação das montadoras. Pelo câmbio atual, são quase R$ 6,3 bilhões mais que o orçamento de todos os municípios da região metropolitana (R$ 5,1 bilhões em 2007). Na esteira das montadoras, vieram 63 multinacionais com alto grau de tecnologia, fornecedoras de conjuntos completos de peças. Elas se juntaram a 11 companhias do gênero já instaladas e a mais 18 firmas nacionais.
Ao todo, o número de empresas do polo passou de 80 a 211 entre 1997 e 2005, conforme um estudo do Ipardes. No entanto, o mesmo trabalho atesta que 119 das 137 empresas de base local não conseguiram se integrar às montadoras.
Assim, o chamado "efeito multiplicador" das montadoras foi bem menor do que seria em um polo integrado. O que, para a professora Olga Firkowski, não surpreende. "O modelo testado no Paraná já previa um grande enxugamento no número de fornecedores." Em seu pós-doutorado, ela comparou a unidade da Renault de São José com a de Douai, no norte da França. E constatou que a fábrica francesa, mais antiga, comprava componentes de 269 empresas; a paranaense, de apenas 86, das quais 50 instaladas em outros estados e 11 no exterior. A Volkswagen, por sua vez, tem cerca de 140 parceiros, dos quais 30 no Paraná.
"Paranização"
Na última vez em que foi calculado pelo Sindimetal, sindicato da indústria metalúrgica, o índice de peças "genuinamente" paranaenses embutidas nos veículos montados no polo não chegava a 3%. Em contraste, o grosso do que a indústria local de autopeças produz vai para o mercado de reposição ou outros estados. Crítico dos incentivos dados às montadoras, o governador Roberto Requião criou em 2003 um programa para vincular benefícios fiscais ao aumento do grau de "paranização" dos veículos. Bateu nessa tecla por três anos, sem sucesso.
"A questão é de mercado. Se é mais barato trazer de fora, uma montadora não vai se preocupar em desenvolver fornecedores aqui. Com a globalização, é difícil esperar que multinacionais elejam o desenvolvimento local como prioridade estratégica", avalia o economista Gilmar Mendes Lourenço, do FAE Centro Universitário. Quando New Holland e Volvo desbravaram a CIC, diz ele, o cenário era outro. Em um caso emblemático, as duas estimularam a Magius, uma fabricante de cofres de São José dos Pinhais, a alterar sua linha de produção para se tornar fornecedora.
Para o economista Moises Francisco Farah Junior, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), um dos problemas do "novo" polo foi a ilusão de que, atraídas as montadoras, a base local progrediria automaticamente. Dessa forma, argumenta ele em artigo publicado em 2004, "para a maioria das empresas locais, faltou capacidade tecnológica, produtiva e de gestão, além de recursos financeiros para a modernização".
José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute, crê que todos tiveram sua parcela de culpa: os próprios fornecedores, as montadoras e os governos. "Na Bahia, onde a Ford se instalou, não havia qualquer estrutura. E, ao contrário do Paraná, lá houve um intenso trabalho conjunto para desenvolver empresas, qualificar mão de obra e criar infraestrutura."