Nunca antes na história uma partida de Go, jogo oriental de tabuleiro, foi acompanhada com tamanha atenção e expectativa por cientistas de todo o mundo.
No início de março, um sistema de computador criado pela startup Deep Mind, de propriedade do Google, desafiou o campeão sul-coreano Lee See-Dol em um torneio com cinco disputas, valendo US$ 1 milhão. O placar final: 4 a 1 para a máquina.
A vitória do programa, apelidado de AlphaGo, é emblemática por ter trazido à tona os avanços em um campo da inteligência artificial conhecido como deep learning (aprendizagem profunda, numa tradução literal), que tem concentrado tempo e dinheiro de gigantes da tecnologia e de pesquisadores.
A intenção é incrementar a capacidade de robôs e sistemas para responderem de maneira apropriada a situações específicas sem que tenham sido orientados previamente para isso.
“Estamos tentando programar [os sistemas] para que eles aprendam, em vez de programá-los para que realizem tarefas específicas”, resume Fernando Diaz, um pesquisador da Microsoft que atua em uma nova empreitada da empresa na área, envolvendo o game Minecraft.
Personagens controlados pela inteligência artificial serão desafiados a fazer ações básicas dentro do ambiente do jogo, como criar construções e escalar blocos, sem nem ao menos saber, no início, que esses comandos são possíveis – tudo por conta própria, sem um empurrão dos programadores.
Os projetos da Microsoft e do Google se baseiam na utilização de redes neurais capazes de absorver quantidades enormes de dados e analisá-las para tirar conclusões e prever ações a serem feitas em seguida.
Foi assim, por exemplo, que o AlphaGo “aprendeu” a jogar Go, um jogo milenar considerado muito mais complexo do que o xadrez. Depois de ser abastecido com milhares de movimentos, o sistema passou a jogar consigo mesmo e, quanto mais treinava, mais melhorava suas habilidades.
Obviamente, as possibilidades que essa técnica abre vão muito além de partidas entre humanos e máquinas. Sistemas baseados em deep learning já são utilizados para reconhecimento de voz e imagens, em ferramentas como o Skype e o Google Tradutor. O próprio Facebook utiliza a técnica para reconhecer pessoas mesmo quando apenas um quinto da imagem do rosto é visível.
Para Demis Hassabis um dos fundadores da Deep Mind, que foi comprada pelo Google há dois anos por US$ 400 milhões, esse campo da inteligência artificial pode “reinventar a robótica”, ao permitir que máquinas aprendam a fazer tarefas no mundo real do mesmo modo como já descobrem qual o melhor movimento em um jogo de tabuleiro.
Além disso, como Hassabis destacou em entrevista à Wired, o deep learning pode abrir um novo caminho para pesquisas científicas, onde as máquinas seriam capazes de identificar áreas promissoras para estudos e colocar cientistas na direção correta.
Benefícios podem alavancar diferentes áreas
A técnica de deep learning se confunde e mescla com frequência com outro campo da inteligência artificial chamado de reinforcement learning (aprendizado por reforço, em bom português). Neste último caso, trata-se de ensinar uma máquina ou computador a realizar uma tarefa por meio de tentativa e erro.
Foi assim, por exemplo, que um robô desenvolvido na Universidade de Berkeley, nos EUA, aprendeu neste ano a retirar, com um martelo, pregos presos em tábuas de madeira– após sucessivas tentativas e fracassos, a máquina descobriu sozinha como ajustar a posição do martelo e como fazer a manobra necessária para tirar o prego. “Robôs poderão ser até capazes de ensinar outros robôs”, afirmou, após a divulgação do feito, o cientista responsável pela máquina, Pieter Abbeel.
Para o professor da FGV e porta-voz do Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), Raul Colcher, as oportunidades com os avanços nestes campos da inteligência artificial são “gigantescas”. “Basicamente, onde quer que haja um padrão associado a dados, o computador pode identificá-lo, mesmo quando a inteligência humana não é capaz de percebê-lo”, afirma.
O próprio fato das grandes empresas, como IBM, Amazon, Microsoft e Google estarem apostando em projetos nestas áreas é visto pelo mercado como um indicativo de que novos produtos e serviços que utilizam inteligência artificial vão ganhar as ruas e empresas em breve.
“Nas áreas de defesa e inteligência, a aplicação é potencialmente muito grande, em conexão com possibilidades de monitoração automática e sistemas de avaliação e previsão sobre comportamento de fenômenos, pessoas e grupos”, completa Colcher.
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