Um micro-ônibus elétrico se aproximava à velocidade lenta e constante de 12 quilômetros por hora quando uma caminhonete branca entrou na rua pela lateral e cortou a frente. O ônibus desacelerou, como se o motorista pisasse nos freios, e voltou a acelerar depois que a caminhonete saiu do caminho.
Mas esse ônibus não tem freio nem acelerador. E também não tem volante. Na verdade, ele não tem nem motorista – funciona com base em sensores e softwares, ainda que por enquanto uma pessoa fique sempre a bordo, pronta para apertar o botão de “pare” no caso de uma emergência.
Em uma época na qual carros autônomos começam a fazer progressos – especialmente com um programa piloto iniciado pelo Uber este ano em Pittsburgh –, os ônibus representam uma abordagem diferente ao transporte tecnológico.
Afinal, carros autônomos continuam a ser carros e levam poucos passageiros de cada vez. Ao transportar mais gente em rotas que poderiam ser muito mais flexíveis, ônibus autônomos podem ajudar a reduzir o trânsito na cidade.
Não surpreende que o ônibus esteja sendo testado em Helsinki, cidade que está na vanguarda do uso de tecnologias para repensar o transporte público de passageiros.
Ônibus autônomos como esse são utilizados por enquanto em ambientes privados e controlados, como o transporte de alunos na universidade, ou de funcionários de indústrias. Helsinki é uma das primeiras cidades a permitir o tráfego de ônibus autônomos em ruas públicas; outro projeto, em Sion, Suíça, já está em atividade há alguns meses, embora o serviço tenha sido suspenso durante duas semanas após um pequeno acidente em setembro.
O ônibus de Helsinki é um projeto envolvendo diversas universidades com cooperação e dinheiro de agências do governo e da União Europeia. O projeto de dois anos avaliado em US$ 1,2 milhão, conhecido como Sohjoa, é apenas uma das facetas de um movimento pela redução do uso de carros e, consequentemente, da quantidade de engarrafamentos e emissões de gases do efeito estufa.
“Uma boa consequência é que cada vez menos pessoas serão donas de carros nas cidades, já que deixarão de ser necessários”, afirmou Harri Santamala, coordenador do projeto e diretor de um programa de “mobilidade inteligente” na Universidade de Ciências Aplicadas Helsinki Metropolia.
Em setembro, o ônibus Sohjoa, que é capaz de levar até 12 passageiros sentados ou em pé, fez sua estreia em um trecho reto de 400 metros no bairro de Hernesaari, fazendo voltas de 180 graus ao final de cada percurso. O trajeto conectava uma popular sauna e um restaurante em uma das pontas, a diversos restaurantes na outra, atraindo um grande número de passageiros curiosos.
“Escolhemos essa rota para os primeiros testes porque ela permite que testemos um número enorme de problemas de trânsito, dependendo da hora do dia”, afirmou Santamala.
Mais simples e lentos
Os ônibus não são tão sofisticados quanto os carros autônomos do Uber, nem quanto os que estão sendo desenvolvidos pelo Google e por outras empresas. Aqueles são veículos que podem circular livremente, capazes de ir a praticamente qualquer lugar, se pensarmos em tudo que seus sensores detectam nas vias e no entorno, a partir de uma base de dados compilada pelos carros ao longo do tempo.
Os ônibus aprendem as rotas depois de serem conduzidos por operadores que utilizam controles de aceleração e manobra em uma pequena caixa. Em seguida, o caminho é aperfeiçoado com a ajuda de um software. Durante o funcionamento, os ônibus contam com sensores e GPS para continuar no trajeto correto, podendo desviar apenas se rotas alternativas forem previamente “aprendidas”.
Embora os ônibus sejam capazes de viajar a 25 quilômetros por hora, eles estão andando na metade dessa velocidade durante os testes em Helsinki. O movimento lateral também é restrito; caso um carro esteja parado em fila dupla, por exemplo, o ônibus é obrigado a esperar até que ele se mova, ou o operador faz o desvio a partir da caixa de controle.
“Precisamos nos concentrar na segurança”, afirmou Santamala.
Essas restrições não permitem que a experiência seja muito impressionante por enquanto. A coisa mais empolgante acontece quando um carro como a caminhonete branca se aproxima demais, ou quando um motorista se aproxima por trás e, impaciente com a baixa velocidade do ônibus, tenta ultrapassá-lo.
Santamala afirmou que o projeto visa criar um trajeto real – de caráter provavelmente sazonal – nos próximos dois anos. E não há nada impedindo que as tecnologias de direção autônoma sejam aplicadas a ônibus maiores no futuro.
Por enquanto, o projeto se concentra em serviços de trecho final – levar passageiros de um ponto em uma linha mais tradicional, até outro mais próximo de suas casas, lojas, escritórios e escolas. Um ônibus autônomo capaz de se locomover mais rapidamente poderia ser útil, especialmente por conta de uma curiosa lei finlandesa que rege os veículos motorizados.
“A lei não especifica em nenhum lugar a necessidade de um motorista por trás do volante, ou mesmo dentro do veículo. Um motorista licenciado poderia observar a viagem através de um computador”, afirmou Santamala.
Isso significa que diversos ônibus poderiam operar de forma autônoma, com um operador em uma sala de comando interferindo de forma remota caso fosse necessário. Reduzir o número de operadores poderia tornar economicamente viáveis trajetos que atendem poucos clientes de cada vez, ou mesmo permitir que os trajetos variem ao longo do dia com base nos passageiros.
Solução para o transporte público
Helsinki já utilizou a tecnologia em diversas ocasiões para mudar o transporte público. Uma delas foi um serviço de micro-ônibus sob demanda, o Kutsuplus, que foi operado pela agência regional de transporte durante quatro anos. Por meio de um smartphone, os passageiros poderiam escolher os locais de embarque e desembarque. O software do serviço combinava em seguida os pedidos de diversos passageiros e calculava uma rota ideal para o ônibus.
“Foi um bom experimento, mas que estava um pouco à frente do tempo”, afirmou Sami Sahala, assessor de “transportes inteligentes” do município.
Uma empresa baseada no sistema, a Split, criou um serviço sob demanda que funcionou em Washington até outubro deste ano, e o Uber e seu rival, Lyft, também desenvolveram serviços de carona compartilhada que utilizam os motoristas da empresa e seus carros particulares.
Outras iniciativas para remodelar o transporte público estão em curso em Helsinki. A mais ambiciosa é um serviço criado este ano por uma empresa finlandesa, a MaaS Global, que oferece serviços de transporte por um valor mensal. O conceito, conhecido como “mobilidade como serviço”, se inspira nas mudanças que ocorreram no setor de telecomunicações ao longo das últimas décadas, de acordo com Sahala.
“Costumávamos pagar por cada ligação que fazíamos. Mas com o surgimento dos telefones móveis, o modelo de negócios começou a mudar. Agora pagamos um valor fixo, e todos os serviços estão incluídos.”
Por meio de um aplicativo chamado Whim, a MaaS Global permite que os clientes chamem o transporte de um ponto A ao ponto B, garantindo a chegada ao destino por meio de uma combinação de bondes, ônibus, táxis, carros alugados e serviços de compartilhamento de automóveis.
“Você tem acesso a tudo o que precisa, então só precisa se concentrar em sair”, afirmou Sampo Hietanen, executivo-chefe da MaaS Global. O valor mensal depende do volume de transporte necessário.
Hietanen afirmou que para ser bem sucedido, o serviço precisa fornecer a mesma sensação de independência de quem tem carro próprio.
Carros são objetos caros, e estudos mostram que a maioria dos proprietários em áreas urbanas raramente tiram seus automóveis da garagem, o que significa que existe um potencial de mercado entre as pessoas que desejam abrir mão de um veículo próprio e economizar em serviços como o Whim.
Carros e ônibus autônomos poderão permitir que serviços como o da MaaS Global estejam ao alcance de todos no futuro, afirmou Hietanen.
Por enquanto, os testes continuam com o ônibus. No mês passado, o projeto se mudou para uma rota mais complexa em Espoo, nos arredores de Helsinki, E agora está funcionando em Tampere, 180 quilômetros ao norte.
Santamala e seus colegas analisam cada viagem para entender quais as diferenças entre o ônibus autônomo e os operados por seres humanos e como os motoristas e pedestres interagem com eles. Uma diferença clara para todos a bordo do ônibus depois que a caminhonete branca cortou a frente: não havia motorista para gritar com o condutor da caminhonete, que estacionou mais adiante.
Por isso, Helena Bensky, moradora de Helsinki que estava experimentando o serviço, se ofereceu para ajudar. “Será que eu devo dar uma bronca naquele cara?”, perguntou.