Se ontem as empresas investiam em rede de lojas, autosserviço e merchandising no ponto-de-venda; se hoje elas investem em websites, e-commerce, lista de e-mail marketing e experiências mobile; o próximo passo será interligar esses dois mundos – o virtual e o real.
Há três anos, uma nova tecnologia surgiu para indicar um caminho possível para essa ligação (que os especialistas denominam Ponte de UX): o beacon. Ele é um dispositivo que envia sinais de localização -- como um GPS indoor – através de ondas de Bluetooth Low Energy (ou bluetooth 4.0: que é mais potente que o normal e consome menos bateria). Estes sinais são identificados por um receptor que realiza uma ação de resposta.
Na prática, eles auxiliam, por exemplo, o comerciante a ler a movimentação das pessoas em sua loja. Quem faz o papel de receptor dos sinais dos beacons são os smartphones ou tablets dos próprios clientes. Com isso, o vendedor pode desenvolver ações de marketing personalizado (como enviar uma promoção exclusiva) para eles (Veja o exemplo no box “Como funciona).
É ótimo para o vendedor, mas um risco à privacidade do cliente. “Antes de começar a usar os beacons, é preciso que a loja tenha definida sua estratégia de vendas, para que as informações que serão enviadas ao cliente estejam de acordo. É preciso que as mensagens tenham conteúdo e sejam relevantes para o cliente”, diz Alexandre Marquesi, professor do Núcleo de Estudos e Negócios do Varejo da ESPM.
Uma ponderação é que os beacons só se comunicam com aparelhos que tenham aplicativos específicos instalados. Sem um app da loja, nada chegará ao smartphone do cliente (que deve estar também com o bluetooth ligado).
Para Eduardo Paganini, arquiteto de software da empresa XDS, isso garante que a privacidade fique sob controle do usuário. “Uma vez que o cliente tenha o aplicativo, ele começa a definir as informações que quer continuar recebendo ou não. A mesma coisa com a questão da localização – o sistema operacional te pergunta se você quer informar sua posição, e assim por diante nas outras informações”, reforça.
Mas essa segurança pode acabar se a versão de beacon do Google, chamada Eddystone, decolar. É que esta tecnologia, ainda em desenvolvimento, elimina justamente a necessidade de aplicativos. Aí o sinal chegaria a seu celular até mesmo por uma aba do Google Chrome. Uma ação bem mais invasiva.
Relação positiva
Mas a tecnologia não é somente polêmica. Para Alexandre Marquesi, os beacons são fontes de dados que possibilitam elasticidade nos negócios. “É um sistema de captura de dados e de troca intensa de informações. Descobre-se onde o cliente anda na loja, o produto em que ele vê, do que ele gosta”, explica.
Na linha de que a tecnologia, sozinha, não realiza ações de aproximação com o cliente, Adriano Ribeiro -- diretor de operações da Kiddo Labs, consultoria em design e tecnologia -- reforça que a implantação do dispositivo beacon deve suceder uma análise da estratégia, que ele chama de processo investigativo do negócio.
“Batemos muito na tecla da relação contexto e aplicabilidade. No caso dos beacons, com a precisão a curta e média distância, com o baixo custo e baixo gasto de energia, o empresário deve usá-lo para desenvolver serviços personalizados interessantes e que aumentem o engajamento do cliente”, analisa.
Segundo Marquesi, da ESPM, é o conteúdo que leva o cliente a criar um relacionamento com a loja. “Usar um beacon com conteúdo é correto. Você dá pontos, fideliza, faz ele comprar através do encantamento. Sem conteúdo, usando-o apenas como plataforma de descontos, você limita seu uso”, compara.
Porém, para concretizar a otimização do uso dessa tecnologia, é preciso, também, um investimento grande na criação e aperfeiçoamento do aplicativo que decodificará os sinais enviados pelos beacons e os transformará em ações, mensagens e informações para os clientes.
Para Paganini, da XDS, é neste ponto que está a inteligência na aplicação da tecnologia. “As possibilidades de uso dos beacons para qualquer empresa vão depender da criatividade e da imaginação na hora de montar o aplicativo, porque o beacon, em si, só envia sinais de localização. É o aplicativo que transforma esse sinal em uma ação efetiva para o cliente”, comenta. “Tem beacon que tem leitor de temperatura e movimento, mas se não houver um app para decodificar essas informações e transformá-las em ações, não adianta”.
Futuro
O ponto que parece ser o mais relevante é a utilização, ou não, de todo o potencial que o beacon tem, e traz. A falta de conhecimento e mão de obra, a cultura brasileira para novas tecnologias, a maior velocidade da tecnologia do que capacidade das empresas em acompanhá-la, o acesso limitado ao Bluetooth LE, são alguns fatores indicados pelos professores Alexandre Marquesi, da ESPM, e Michele Nogueira, da UFPR (professora visitante na Carnegie Mellon University, Pittsburg, EUA) para o lento crescimento do uso dos beacons – criado há três anos.
Para Eduardo Paganini, da XDS, a dificuldade está em desenvolver estratégias relevantes e contextualizadas para seu uso. “É preciso muito investimento em testes e pilotos”, comenta.
Já o professor Alexandre Marquesi é mais assertivo. “O beacon é uma tecnologia de conteúdo que precisa ser desbravada, é preciso treinamento para funcionários, precisa que venha cumprir sua função de integrar. Caso contrário, será um segundo QRcode -- uma tecnologia com várias possibilidades pouco conhecidas e utilizadas”, finaliza.