Seres humanos têm o habito de atrasarem seu próprio progresso. Do café à refrigeração mecânica e aos alimentos geneticamente modificados, a história está repleta de inovações que geraram resistência antes de se tornarem essenciais na vida cotidiana. A mesma história está se repetindo hoje conforme alguns legisladores e consumidores questionam a segurança de carros sem motoristas, o impacto econômico da automação ou a segurança de transações bancárias pelo celular.
Em retrospecto, a oposição a inovações tais como equipamentos agrícolas mecânicos ou música gravada podem parecer ridículos. Mas os últimos 600 anos de história humana ajudam a explicar por que as pessoas frequentemente se opõem a novas tecnologias e por que esse padrão de oposição continua até hoje. Calestous Juma, professor da Escola de Governo Kennedy da Universidade de Harvard, explora esse fenômeno em seu último livro, “Innovation and Its Enemies: Why People Resist New Technologies” (Inovação e seus inimigos: por que as pessoas resistem a novas tecnologias, ainda sem tradução para o português).
Entre as afirmações de Juma está a de que as pessoas não temem a inovação simplesmente porque a tecnologia é nova, mas porque a inovação frequentemente significa perder uma parte de suas identidades ou estilos de vida. A inovação também pode separar as pessoas da natureza ou de seu senso de propósito – duas coisas que Juma argumenta que são fundamentais para a experiência humana. O Washington Post se sentou com Juma para discutir suas descobertas, e o que o governo e a indústria têm historicamente entendido errado a respeito da inovação. O que se segue são quatro conclusões chaves dessa conversa.
1. As pessoas às vezes se opõem à inovação mesmo quando ela parece promover o seu melhor interesse.
O ímpeto para o livro de Juma veio no fim dos anos 90 quando, no cargo de secretário executivo da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, ele supervisionou negociações internacionais relacionadas à regulação de culturas agrícolas geneticamente modificadas. Grupos contra e a favor da expansão no uso de culturas geneticamente modificadas foram vocais e obstinados, mesmo quando Juma percebia que pareciam ter um objetivo comum. Aqueles a favor da tecnologia diziam que ela poderia reduzir o uso de pesticidas, que ambientalistas que se opunham à tecnologia há muito criticavam como prejudicial ao meio ambiente. “O que me chamou atenção à época foram as duas posições contraditórias”, disse Juma. “Isso acabou colocando a questão em um contexto mais amplo. Há momentos em que novas tecnologias que poderiam ser beneficiais à humanidade (...) acabam frequentemente sendo objeto de oposição pelos mesmos grupos que poderiam se beneficiar delas.”
2.Tecnologias que são vastamente superiores às suas predecessoras, ou não têm predecessoras, são mais facilmente adotadas.
Pode haver uma cafeteria em cada esquina hoje em dia, mas a bebida cafeinada já causou muita polêmica no passado. Juma escreve que o café se tornou popular pela primeira vez entre imãs no oriente médio que precisavam ficar acordados para chamar as preces na hora correta. Simplesmente desempenhava melhor essa tarefa do que qualquer outro estimulante à época, disse Juma. Mas o café levou muito mais tempo – séculos – para pegar na Alemanha, na França ou na Inglaterra, onde as pessoas estavam fissuradas em cerveja, vinho e chá, respectivamente. “Muita da resistência vêm daqueles que sustentam ou são sustentados pelo produto incumbente”, disse Juma. “A maior lição da história do café é que se uma nova tecnologia tem propriedades superiores, avassaladoramente superiores às de suas predecessoras, a probabilidade é que essa tecnologia seja adotada independentemente de qualquer outro fator.”
3. Resistência a novas tecnologias vêm de três elementos chave, inclusive o consumidor médio.
Juma identificou em sua pesquisa três fontes chave de oposição à inovação: aqueles com interesses comerciais nos produtos existentes, aqueles que se identificam com os produtos existentes e aqueles que podem perder poder em decorrência da mudança. O primeiro grupo é talvez o mais óbvio. Muitas indústrias foram abaladas, e mesmo dizimadas, pela inovação. É só dar uma olhada nos fúteis esforços dos distribuidores de música para parar ou desacelerar a transição para música digital, outro tópico que Juma aborda no livro. Alguns consumidores podem se opor a uma inovação porque o produto existente está profundamente entrincheirado na sua identidade, cultura ou costumes. Britânicos preferiam a hora do chá em casa do que passar tempo em uma cafeteria, por exemplo. Finalmente, a emergência de novas tecnologias pode também resultar em uma mudança no poder político e econômico, redistribuindo riqueza e influência de alguns grupos para outros. A expansão dos tratores e outros equipamentos mecânicos reduziu a necessidade por trabalho agrícola, e a transição da população para longe das áreas rurais teve implicações políticas significativas, escreve Juma.
4. As pessoas tomam decisões sobre inovações com seu instinto no lugar de evidências.
Oponentes e entusiastas de uma nova tecnologia frequentemente farão afirmações ousadas para impulsionarem seus argumentos, apelando para saúde, ciência, meio ambiente, psicologia e várias outras disciplinas em busca de suporte. Algumas vezes essas afirmações são fundadas em fatos, outras vezes não. Pessoas já afirmaram que o café poderia te deixar estéril ou te levar a um estado de histeria. Juma disse que por trás desses argumentos tipicamente estava um medo instintivo de novas tecnologias, em vez de uma resposta racional. “As pessoas reagem intuitivamente, e coletam as evidências que suportam o que eles estão fazendo”. Disse Juma. “Eles veem um novo produto e há uma reação emocional a esse produto porque ele desafia sua visão de mundo. Essa tem sido a história com quase todo produto novo.”
5. As pessoas correm para tecnologias que as fazem mais autônomas e móveis.
Telefones celulares e música digital viram rápidas adoções porque permitiram que as pessoas fossem mais autônomas e mais móveis. Você não precisa mais estar em casa para fazer uma ligação telefônica ou se acorrentar a um aparelho de som para ouvir música. As pessoas gostam de se mover e de fazê-lo conforme sua própria conveniência, uma preferência que algumas das mais bem sucedidas inovações exploraram para sua vantagem, disse Juma. “Essa é uma razão porque você vê muita tecnologia sendo integrada em automóveis”, disse Juma. Semelhantemente, o cérebro humano está afinado para “procurar padrões, ficar atento pra novidades e prosperar com feedback”, ele disse. “Acredito que esses se tornaram aspectos bem fundamentais de se ser humano, e isso influencia como selecionamos por quais tecnologias nos tornamos apaixonados, e quais podem apenas aparecer e ir embora.”
6. As pessoas tipicamente não temem novas tecnologias, elas temem as perdas que elas trarão.
Há uma convenção de que as pessoas simplesmente têm medo daquilo que não entendem. Isso pode não se aplicar à tecnologia, disse Juma, ao menos não exatamente. “É da perda que elas estão com medo, não da novidade”, ele disse. Essa perda (percebida ou real) pode ser uma parte de sua identidade, seu estilo de vida, e sua segurança econômica. Pessoas que vivem de comida plantada em sua comunidade ou que trabalham a terra por dinheiro estavam inclinadas a resistir ao advento e à adoção de equipamentos agrícolas mecânicos. Juma disse que entender a fonte do medo pode ajudar empresas e governos a mitigar a resistência à inovação ao envolver aqueles que provavelmente serão afetados no desenho das novas tecnologias.
7. Desenvolvedores frequentemente não pensam a respeito do impacto que suas invenções têm na sociedade.
Historicamente, desenvolvedores têm se preocupado mais com a funcionalidade dos produtos que criam, dando menos atenção para as implicações que podem ter para a sociedade como um todo, afirma Juma. “Acredito que eles ficam muito concentrados na parte instrumental da tecnologia. Funciona ou não? Eles não a conectam com as dimensões sociais”, ele disse. Isso pode estar começando a mudar conforme o Vale do Silício enfrenta escrutínios a respeito de implicações de novas tecnologias para a segurança e a privacidade. Juma aponta para a inteligência artificial como um exemplo contemporâneo. Receios de robôs indisciplinados perdendo o controle levou a sérias discussões a respeito de se acrescentar um “botão de destruição” em produtos com inteligência artificial, uma ideia em que o Google e outros têm trabalhado.
8. A inovação não é lenta, linear ou incremental – mas o governo não percebe isso.
A maioria dos governos não percebe que “tecnologias avançam de uma maneira exponencial”, disse Juma, o que resulta em gestores públicos que são constantemente surpresos por inovações e frequentemente fracassam em regulá-las de maneira bem sucedida. O Uber oferece um excelente estudo de caso. O serviço de compartilhamento de veículos explodiu em popularidade e rapidamente se expandiu para cidades ao redor do mundo, levando a protestos de grupos de taxistas por todo o planeta. Na maioria dos casos, a resposta governamental foi lenta e reacionária. “Isso é porque eles pensam a respeito de inovação de uma maneira lenta e linear. É assim que foi no passado; não é mais o caso”, disse Juma. Para combater essa mentalidade, governos nos níveis federal, estadual e local precisam aprender a se apoiar na expertise de consultores com conhecimentos profundos de ciência e tecnologia, disse Juma.
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