É possível que o primeiro super-humano já tenha nascido. Ele pode estar a sua frente na fila do banco, na mesa ao lado no café. Ou talvez seja você, só não sabe. Se as previsões de pensadores do futuro da tecnologia como Ian Pearson se concretizarem, por volta dos anos 2050 o homem se tornará um híbrido de humano e máquina, com superpoderes como inteligência ampliada por microchips no cérebro, implantes corporais que eliminam senhas e dinheiro físico e força sobre-humana criada por exoesqueletos quase invisíveis. Ele é até conservador perto de futurologistas como Ray Kurzweil, engenheiro do Google alçado a guru hi-tech, que acredita na imortalidade a medida que a fronteira entre tecnologia e biologia se torne ainda mais tênue. E até 2045.
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Biohacking dissecado
As tecnologias de melhoramento biológico dos humanos atuam de três maneiras diferentes, de acordo com Michael Bess, professor inglês e autor de um livro chamado “Make Way for the Superhumans” [Abram caminho para os super-humanos”, em tradução livre].
Farmacêutica
Há substâncias capazes de atuar e controlar humor ou impulsionar o desempenho físico ou mental.
Implantes, próteses
e gadgets:
Vão dos chips implantáveis aos equipamentos de monitoramento do corpo, como dispositivos vestíveis “simples” (um relógio inteligente parece até brinquedo perto de um implante cerebral).
Intervenção genética
É um campo ainda mais polêmico. Com a bioengenharia, defende Bess, os humanos poderão “cuidar de sua própria evolução”. A edição do DNA é uma das possibilidades.
É um tema controverso, claro, mas não piração (ou, pelo menos, não de todo). Boa parte disso já existe nos laboratórios científicos e acadêmicos e e m porões de entusiastas meio maluquetes que usam o próprio corpo para hackear a biologia humana -- no termo técnico, biohacking. Como o professor inglês Kevin Warwick, que em 1998 já implantava pelo corpo chips capazes de enviar sinais para abrir portas, ligar luzes e, mais tarde, conectá-lo à internet. Não só por preguiça de girar um trinco, mas porque “as narrativas históricas e mitológicas nos mostram que os homens já tratavam desse assunto [aprimoramento de suas fraquezas e imortalidade] desde tempos imemoriais”, como define Patrícia Fonseca Fanaya, doutora em Comunicação e Semiótica e pesquisadora de temas ligados à tecnologia da inteligência.
Se ter superpoderes parece legal no gibi, “exige grandes responsabilidades” na vida real. “De um lado está a funcionalidade. Um exemplo é aplicar a tecnologia a uma prótese ortopédica. Faz todo o sentido. Do outro lado, há a questão plástica. E esse indivíduo que apela para o biohacking por este motivo pode estar seguindo um caminho perigoso”, pondera o professor-doutor em Comunicação Digital da USP e consultor e inovação Luli Radfahrer, que, aliás, rejeita as apostas futuristas de Kurzwell e companhia. “Não podemos supor datas. Há tantas variáveis na mente humana que sequer conhecemos”, defende.
Radfahrer teme, entre outros pontos, que o melhoramento se torne algo compulsório movido pelo combustível altamente inflamável da competitividade humana. “Se em uma escola todas as crianças têm um chip no cérebro para melhorar o aprendizado e o meu filho não, mesmo que eu não seja favorável a colocá-lo, a pressão da sociedade me levará a fazê-lo. O indivíduo é compelido à intervenção”, adverte o professor.
É um limite de aplicação que precisa ser “pensado a partir das considerações éticas”, defende Patrícia Fanaya. Para isso, a fórmula é uma velha conhecida: educação e envolvimento de vários segmentos, do poder público à Medicina. São bons pontos, mas não os únicos.
Trans-humanismo
É uma corrente intelectual que defende o uso da tecnologia para dar aos humanos novas habilidades físicas e psicológicas e intelectuais. É nela que se baseia parte do trabalho dos biohackers.
E se essa for uma festa para qual a maioria nem será convidada? Se um iPhone é acessível a uma fatia minúscula da população, não se espera roteiro diferente com as tecnologias emergentes. Mas, isso, talvez seja algo a que nos acostumados, aponta o professor da USP. “Um cara rico é bem diferente de um cara pobre da mesma idade”, diz.
O fato é que a discussão não cabe somente à tecnologia e nem deve cessá-la. Ela segue seu curso. Por enquanto, apenas com humanos no protagonismo -- e o único superpoder aqui é a criatividade.
Homem do futuro
O ser-humano tecnológico parece um rascunho dos gibis. Veja algumas pesquisas e apostas
Professor Xavier
De todas as super-habilidades, a mais improvável parecia ser aquela à la Professor Xavier: usar a força do pensamento para movimentar objetos ou se comunicar. Mero engano. Implantes cerebrais já em teste, como o BrainGate, permitem transformar sinais nervosos em ondas de rádio capazes de movimentar um cursor de mouse, por exemplo. Ainda são um trambolho ligado por cabos a um computador. No futuro, tendem a ser apenas adesivos externos com sensores. E funções quase inimagináveis – entre elas, acreditam os entusiastas, a capacidade de se comunicar com outro sensor (sim, telepatia).
Senhor fantástico
Pequenos choques no cérebro podem aumentar a inteligência e poder de concentração, de acordo com estudos acadêmicos. Biohackers trabalham em aparelhos (capacetes e headsets, por exemplo) de estimulação transcraniana em busca da genialidade de um Senhor Fantástico.
Super-homem
Os microchips (sempre eles) poderão restaurar a visão dos deficientes visuais ou melhorar a de quem não tem problema algum -- uma habilidade quase de super-homem. Uma das empresas que trabalha nisso é a alemã Retina Implant – com um chip instalado na retina, a pessoa consegue enxergar infravermelhos (consequentemente, enxerga no escuro total). O problema, por enquanto, é a resolução das imagens.
Cyborg
Esquecer a chave ou a carteira não é problema quando se tem um chip implantado na mão. Hoje, este tipo de equipamento é capaz de usar a tecnologia NFC para abrir portas, por exemplo. No futuro, poderá ser uma espécie de cartão de crédito implantado. Ou, simplesmente, seu crachá.
Magneto
Círculos de biohackers popularizaram no último ano o implante de pequenos imãs na ponta do dedo. Ainda não dá para ser um Magneto, mas eles podem sentir os campos magnéticos, imperceptível nos humanos, e até movimentar pequenos objetos (como clips de papel).
Wolverine
Ter os ferimentos recuperados em tempo recorde à la Wolverine é o objeto de estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que trabalha em um curativo, no estilo band-aid, capaz de detectar a inflamação em uma ferida e é capaz de administrar, automaticamente, medicamentos. Ele também emite alerta, quando necessário. No futuro, essa pode ser a solução para a recuperação de feridas externas e internas. Além disso, é provável que logo se tenha acesso a todas as informações de seu corpo sem precisar de exames complexos. Um gadget da Grindhouse Wetware, o Circadia, quando implantado na pele, pode fazer medições, como temperatura do corpo e pressão, e enviar para seu smartphone via blootooth. Outro exemplo é um pequeno sensor da Profusa, chamado Lumee, que monitora sinais vitais, frequência cardíaca e elementos químicos no corpo -- os dados também vão para o celular.
Homem de ferro
A ideia dos exoesqueletos e membros biônicos é coisa antiga. Mas a cada dia eles se aperfeiçoam no caminho da quase invisibilidade. Um projeto que dá uma ideia disso é o XOS, da Raytheon. O exoesqueleto permite movimentos naturais, ao mesmo tempo que garante força super-humana a quem o veste – basicamente, leem os sinais elétricos transmitidos pelo corpo e os potencializa.
“Numa concepção mais radical, podemos dizer que, hoje, biologia é tecnologia. Essas, digamos assim, tecnologias biológicas estão expandindo nossa definição tecnológica e redefinindo a forma como interagimos e “usamos” a biologia”. Patrícia Fonseca Fanaya, doutora em Comunicação e Semiótica e pesquisadora de novas tecnologias e redes digitais
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