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Rio de Janeiro – O americano Vinton Gray Cerf, 64 anos, mais conhecido como Vint Cerf, é um dos pais de todos os internautas. Junto com Bob Kahn, nos idos da década de 70, ele criou o conjunto de protocolos de rede TCP/IP, que deu origem à internet. Cerf conversou participou do Internet Governance Forum (IGF), que aconteceu no Rio de Janeiro há duas semanas, onde foram discutidos temas para a maior inclusão da sociedade civil no ciberespaço, além de segurança, diversidade e direitos humanos na web.

Cerf é hoje vice-presidente do Google e até pouco tempo atrás foi o cabeça da Icann, instituição que cuida dos domínios (os nomes dos sites) em todo o mundo, e cujo papel é justamente avaliado no IGF. O fórum, criado ao fim da Cúpula de Túnis, em 2005, serve para estabelecer diretrizes mais amplas para a governança do mundo virtual.

Antes de mais nada, é preciso ter uma população a governar: mais de 5 bilhões de pessoas no mundo ainda não têm acesso à rede. Vint Cerf fala sobre isso e sobre seu trabalho mais ousado: a criação de um novo protocolo de rede, poderosíssimo, capaz de vencer as distâncias no espaço profundo. Isso permitirá que missões espaciais futuras, tripuladas ou não, se comuniquem entre si e com suas bases na Terra através de uma rede padrão. É o começo da internet no espaço.

No jantar que antecipou o IGF, o senhor disse que o objetivo mais importante do evento era tentar levar a internet aos 5,5 bilhões de pessoas ainda sem acesso.

Vint Cerf – Isso mesmo. Este é um dos grandes objetivos do milênio: aumentar a capacidade e a disponibilidade da internet no planeta. Prover acesso à internet e seu conteúdo, permitindo a todos contribuir para a grande rede, vai enriquecer todo o mundo.

E como os debates sobre a governança da internet podem ajudar na inclusão digital? Como o senhor analisa o trabalho da Icann?

Lembre-se de que a Icann está em operação há nove anos. E, pelo menos uma vez, fez uma grande revisão de suas funções, em 2003. Ela foi criada como uma organização que leva em conta vários interesses, e acredito que este é o modelo certo para as decisões que precisam ser tomadas, como a alocação de endereços IP e a criação de novos domínios. A presente estrutura permite a todos os interessados – governos, empresas de tecnologia e a sociedade civil – participar das decisões sobre as políticas a serem seguidas. Me parece não haver outra alternativa, dada a abrangência das partes interessadas na internet.

Mas há mais a fazer do que cuidar de nomes de domínio...

Pois é, quando você usa a expressão "governança da internet", é preciso reconhecer que a grande rede vai além das responsabilidades da Icann. Se você olhar para o grosso do sistema da internet, verá que, em sua maior parte, ele pertence ao setor privado – provedores de acesso, desenvolvedoras, fabricantes de PCs... Então há uma vasta parte da internet fora do escopo da Icann. Ainda assim, queremos que a governança se aplique aí também. Por isso é preciso pensar em muitos assuntos: o IGF é para isso.

E o que mais é preciso?

Garantir energia elétrica, ter pessoas treinadas para operar partes da internet, assegurar que há infra-estrutura de telecomunicações disponível, e pensar em como integrar aparelhos móveis prontos para a web à arquitetura da rede. Porque, provavelmente, a maioria das pessoas que ainda não têm internet hoje vão acessá-la a partir de um dispositivo móvel, não de um computador. Sim, há programas como o One Laptop per Child, e é preciso lembrar que logo chegaremos aos três bilhões de celulares. Nem todos estão prontos para a internet, mas alguns estão, e mais estarão com o passar do tempo. Companhias como o Google estão de olho nisso.

Não por acaso, vocês acabaram de lançar um sistema operacional para telefones celulares.

Sim, acabamos de lançar o Android, um tipo de sistema operacional móvel, que consiste numa plataforma para que todos – não só o Google – botem mais aplicações móveis na internet. Mas, como eu dizia, nesse assunto de governança temos que nos perguntar como dar mais acesso à população, bem como proteger os usuários.

A segurança é um grande problema, não?

Segurança, autenticação, defesa contra phishing e pharming, práticas usadas para enganar os usuários e induzi-los a baixar programas perigosos de sites falsos. Esses e outros problemas têm de ser abordados no âmbito internacional, onde quer que a internet esteja presente. Não é responsabilidade da Icann resolver tudo isso, mas todos temos uma responsabilidade global de cooperar uns com os outros na busca de soluções.

Que soluções seriam essas?

Algumas vão requerer poder de polícia, e um acordo sobre o que será considerado ilegal. Tal acordo terá que ser multilateral e gerar mecanismos para processar os que violarem as normas estabelecidas. Outra área de preocupação é a propriedade intelectual, dada a facilidade com que objetos virtuais (filmes, música, textos) podem ser copiados e distribuídos. O desafio é preservar a motivação para a criação de propriedade intelectual num ambiente assim.

Este é um grande desafio, bastante discutido aqui no Brasil, pelo Ministério da Cultura.

Me parece que há necessidade, aí, de algo mais sutil do que simplesmente dizer "me pague pelo meu trabalho". Vemos hoje, em iniciativas como Wikipedia e blogs, que muitas pessoas estão felizes em criar conteúdo para a rede e disponibilizá-lo sem cobrar nada por isso – apenas pelo prazer de saber que há alguém interessado no que criaram. Outros usuários ganham algum dinheiro usando anúncios acoplados a suas iniciativas, como os do Google e outros sites. Movimentos como o Creative Commons ajudam a formular novas soluções para o gerenciamento da propriedade intelectual.

O conteúdo que circula na internet levará a um novo tipo de economia?

A economia do mundo digital – seu processamento, armazenamento e distribuição – é tão diferente da economia física que os modelos que funcionam no mundo "real" podem não funcionar no mundo virtual. Como os modelos tradicionais no setor de direitos autorais dizem respeito à cópia, e como a cópia é muito fácil na internet, precisamos de modelos alternativos. De qualquer modo, o mundo corporativo é muito criativo quando se trata de bolar novas formas de ganhar dinheiro na internet. Deve haver espaço para a experimentação, para deixar os criadores de conteúdo decidirem o que querem fazer com ele. Não se deve impor uma única filosofia à rede.

Como você se posiciona no dilema segurança versus privacidade? Há iniciativas que desconsideram a privacidade, como a dita "computação de confiança", e aqui no Brasil temos um projeto de lei que preconiza a identificação de todos os usuários.

Este é um assunto que me divide. Por um lado, acredito que o acesso à informação não deve obrigar ninguém a se identificar, por outro reconheço que o anonimato pode levar a muitas práticas ruins – perseguição, abusos no e-mail, fraudes... No fim das contas, é importante preservar a opção do anonimato, mas creio que há transações em que é necessário se identificar, até por motivos práticos: trocas de informação envolvendo dinheiro. Se você me manda um e-mail pedindo um empréstimo ou tentando me vender algo, é natural que eu queira saber bastante sobre você: sua idoneidade, seu crédito, sua renda e assim por diante. A validação, nesses casos, é importante. A natureza da transação determina a necessidade (ou não) de identificação.

Quando você criou o protocolo da internet, era possível prever que ela se tornaria tão grande?

Não imaginávamos que ela se tornaria uma estrutura global, mas tínhamos uma idéia do poder do design do protocolo. Nosso intento era suportar um número tal de redes que qualquer um que seguisse as regras e os protocolos pudesse fazer parte da internet. Bastava construir sua rede com os protocolos, anexá-la ao protocolo existente, e pronto, você fazia parte da grande rede. Portanto, o protocolo foi criado para crescer, para se multiplicar. E foi o que ocorreu. Outros fatores também contribuíram para o crescimento, como a invenção do sistema de nomes de domínio por Jon Postel e Paul Mockapetris. O aumento da velocidade foi outro fator. O backbone da internet hoje opera a velocidades entre 10 e 40 gigabits por segundo. Quando o implementamos, a velocidade era um milionésimo disso: 50 kilobits por segundo.

E o futuro da rede? Será móvel mesmo?

Um grande número de usuários deverá ter acesso móvel à internet. A isso se seguirá uma forte demanda por altas velocidades, que necessitará de instalações dedicadas. Se você procura por velocidades de gigabits por segundo, a melhor opção ainda será o cabo ou a fibra óptica. Por outro lado, há muita opção nas transmissões via rádio: WiMax, 3G e 4G. Muitos aparelhos terão várias maneiras de acessar a rede. E mais e mais dispositivos estarão na rede. Neste momento, estão sendo produzidas máquinas de lavar que podem mandar SMS para você avisando que a lavagem de roupa terminou. Finalmente, a internet vai ganhar uma expansão fora da Terra. Estou trabalhando com o Jet Propulsion Laboratory num protocolo para padronizar as comunicações feitas entre missões no espaço profundo. Assim, criaremos um ambiente de rede em que as missões espaciais possam se comunicar no mesmo padrão não só com suas bases na Terra, mas também enviando mensagens entre si. Parece ficção científica, mas é bem real.

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