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A pandemia e problemas típicos do Brasil derrubaram pela metade o investimento estrangeiro produtivo. Com menos ingressos e mais saídas de recursos, o valor líquido do Investimento Direto no País (IDP) fechou 2020 em US$ 34,2 bilhões, 51% abaixo do registrado em 2019 (US$ 69,2 bilhões), segundo relatório divulgado nesta quarta-feira (27) pelo Banco Central.
A queda também foi forte em termos relativos, isto é, quando se compara o investimento estrangeiro com a geração de riquezas da economia brasileira. Segundo o Banco Central, o IDP correspondeu a 2,38% do PIB brasileiro em 2020. Em 2019, a taxa foi de 3,68% do PIB.
Tanto em valores absolutos quanto em termos relativos, o desempenho de 2020 foi o pior em 11 anos. Em 2009, sob impacto da crise financeira global, o IDP havia sido de US$ 31,5 bilhões, ou 1,88% do PIB.
O saldo do investimento estrangeiro direto foi especialmente ruim em dezembro. No mês, o IDP líquido foi de US$ 739 milhões, valor mais baixo desde junho de 2016, quando o número ficou negativo em US$ 103 milhões – ou seja, naquela ocasião houve mais saídas que entradas de recursos no país. Dezembro foi o mês em que a Ford anunciou o fechamento de suas fábricas no Brasil, mas não se sabe se a companhia já realizou alguma transação com impacto na contabilidade do IDP.
O investimento direto, relacionado à chamada "economia real", abrange os recursos destinados por estrangeiros à compra de empresas, desenvolvimento de produtos, construção ou ampliação de fábricas e outras operações. Por outro lado, as saídas de capital produtivo ocorrem, por exemplo, quando filiais remetem lucros às matrizes no exterior.
Estrangeiros mandaram menos dinheiro para o Brasil. E também tiraram mais recursos
No comunicado em que faz um balanço das transações de 2020, o Banco Central informou que, do recuo de US$ 35 bilhões no IDP anual, destacam-se as reduções – em comparação com 2019 – de US$ 19,1 bilhões em ingressos por lucros reinvestidos e de US$ 14,8 bilhões em participações no capital.
A forte queda no saldo do investimento produtivo estrangeiro resulta de dois movimentos desfavoráveis. Segundo o BC, as entradas de recursos no Brasil diminuíram 20% no ano, para US$ 117 bilhões, o menor valor desde 2015. Ao mesmo tempo, as saídas de dinheiro para o exterior aumentaram 7% em relação a 2019, chegando a US$ 82,8 bilhões, o maior valor da série histórica iniciada em 1995.
Os maus resultados contrastam com o discurso do presidente Jair Bolsonaro. Em setembro, no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, ele disse haver crescimento dos investimentos diretos, o que comprovaria confiança do mundo em seu governo. Mas, àquela altura, a aplicação de recursos estrangeiros no setor produtivo já estava em forte queda.
Pandemia afetou investimento, mas fatores domésticos também afastam estrangeiros
Embora boa parte desse movimento esteja relacionada à pandemia, antigos problemas domésticos – como a insegurança jurídica, o caos tributário, o excesso de burocracia e as más condições da infraestrutura – também influenciam o ânimo dos estrangeiros em investir por aqui.
E há outras questões, mais recentes, abalando o interesse no país. Entre elas está a incerteza sobre o rumo das contas públicas, que fica evidente em meio à interminável discussão do financiamento de transferências de renda e já levou o mercado a elevar as apostas em uma crise fiscal mais grave.
Também costumam ser citadas por investidores a dificuldade do governo em fazer as reformas estruturais e o fato de a economia brasileira ter passado os últimos anos se alternando entre períodos de recessão e baixo crescimento econômico.
Em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega elencou mais aspectos que estariam afastando os estrangeiros. "A existência de recursos no mundo é importante, mas não é tudo. Uma empresa, quando decide investir, examina uma série de fontes", disse Maílson.
Segundo ele, países que não se preocupam com a política ambiental, a área social e a governança "saem do radar". "E o Brasil está mostrando para o mundo um governo que menospreza o meio ambiente, é negacionista e não tem articulação política", completou o ex-ministro.
Agência da ONU cita pausa em privatizações e concessões e problemas estruturais
A queda do investimento estrangeiro no Brasil foi mais forte que a redução nesse tipo de aplicação observada no mundo todo. Segundo estimativas preliminares divulgadas nas segunda-feira (25) pela Unctad, a agência da ONU para o comércio e o desenvolvimento, o fluxo global de investimentos diretos caiu 42% no ano passado.
A redução dos investimentos no Brasil em 2020, que a Unctad estimou em 50% (muito próxima da calculada pelo Banco Central), foi bem mais forte que a registrada pelo conjunto das economias em desenvolvimento (-12%). Também foi a pior entre os grandes emergentes e a quinta mais forte dentre os países considerados no relatório, inferior apenas aos recuos verificados no Reino Unido, Itália, Rússia e Alemanha.
De acordo com a Unctad, a redução no investimento no Brasil tem relação com a pausa nas privatizações e concessões, consequência da pandemia. Mas, ao ser questionado sobre as recentes saídas de multinacionais do país, como a Ford, o diretor da divisão de investimentos da agência, James Zhan, apontou também problemas estruturais do país.
"No curto prazo, vemos dificuldades e o país pode levar mais tempo para recuperar [investimento estrangeiro direto] comparado a outras partes do mundo, como a Europa, que vai se recuperar já neste ano", disse Zhan, segundo relato do "Valor Econômico".