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No fim de abril, ministros de Jair Bolsonaro anunciaram a criação do programa Pró-Brasil, para impulsionar o crescimento do país depois da pandemia do novo coronavírus. A proposta é de "turbinar" a retomada com investimentos: em três anos, seriam R$ 250 bilhões de investimentos privados e R$ 30 bilhões de aportes públicos.
Apesar de não ter participado do anúncio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, endossou parte do programa, e dobrou a aposta na atração de dinheiro de outros países para que o Brasil volte a crescer. "A retomada não é repetir os erros de governos passados que, justamente tentando essa saída através só de obras públicas, cavaram um enorme buraco e quebraram o Brasil", disse Guedes.
Números divulgados pelo Banco Central (BC), porém, apontam que, no mesmo mês em que o programa era anunciado, os investidores estrangeiros estavam fugindo do Brasil. Em abril, segundo a instituição, o saldo de investimentos diretos no país (ou seja, de investimentos produtivos com dinheiro vindo de fora) ficou em US$ 234,3 milhões – bem abaixo dos US$ 6,1 bilhões registrados em março. Ainda de acordo com o BC, trata-se do pior resultado para um mês de abril dos últimos 25 anos.
Os resultados ruins não são só de abril. Se considerados os quatro primeiros meses do ano, o número só foi pior em 2015, durante a crise econômica e política envolvendo o governo de Dilma Rousseff (PT). À época, o saldo dos investimentos diretos no país foi de US$ 14, 4 bilhões. No primeiro quadrimestre de 2020, por sua vez, o valor foi de US$ 18 bilhões (veja os números completos em infográfico no fim deste texto).
Coronavírus derrubou fluxo de investimentos, mas nem tudo é culpa da pandemia
A explicação mais óbvia para a retração dos investimentos estrangeiros no Brasil é a pandemia do novo coronavírus. A propagação da Covid-19 derrubou o fluxo de capitais não só aqui, mas no mundo todo: de acordo com a Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), os investimentos multinacionais devem cair entre 30% e 40% em 2020.
"A pandemia é um aspecto importante a ser levado em conta porque tem efeito global, afetando os resultados das empresas que são matrizes e também os países que são destino desses investimentos", diz Luís Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet).
As baixas perspectivas de crescimento também espantam os estrangeiros. No caso brasileiro, o próprio governo já prevê queda de quase 5% no Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 – e o resultado pode ser ainda pior, considerando que, no mercado financeiro, há quem preveja recessão de 11% para este ano, segundo o boletim Focus, do BC.
"Por que alguém vai investir em uma economia que vai crescer pouco, ou que nem tem perspectiva de crescimento?", questiona Lima.
Ainda segundo o Focus, a projeção mediana para o saldo do investimento direto no país, que começou o ano em US$ 80 bilhões, está agora em US$ 60 bilhões.
Brasil passou de mercado com potencial a país com baixo crescimento estrutural
Alexandre Chaia, professor de Economia do Insper, aponta, ainda, que o baixo crescimento do país vem se mostrando estrutural, e não mero fruto das circunstâncias. Isso faz com que investidores que miram o mercado potencial do Brasil percam o interesse em gastar seu dinheiro por aqui.
"Antes, o que os investidores viam no Brasil era um país que estava crescendo bastante e que tinha um mercado consumidor grande, com muito potencial", diz Chaia.
"Quando o Michel Temer assumiu e colocou o Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, a proposta era atrair investidores estrangeiros e, com isso, fazer o movimento para sair da recessão – o que não aconteceu. Depois veio o governo Bolsonaro, mas o crescimento da economia continuou pífio", explica o professor do Insper.
No ano passado, o PIB brasileiro cresceu apenas 1,1%, abaixo dos resultados dos dois anos anteriores, ambos de 1,3%. No primeiro trimestre de 2020, cujos dados foram afetados por apenas duas semanas de isolamento social, já houve retração de 1,5%.
Segundo o professor, um exemplo de que a timidez dos investidores estrangeiros não é de hoje foi o leilão da cessão onerosa do pré-sal, realizado em novembro de 2019. Na ocasião, apenas uma das cinco áreas oferecidas foi arrematada, por um consórcio formado pela Petrobras com uma empresa chinesa.
Instabilidade política contribui para retrair investimentos
O coronavírus e os resultados tímidos ou ruins da economia brasileira se somam a outros fatores domésticos. Mauro Rochlin, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que o investimento produtivo estrangeiro vinha apresentando certa estabilidade nos últimos anos, enquanto houve forte saída de capital financeiro do Brasil.
"Esse movimento brusco que vimos no investimento produtivo em abril tem forte ligação com a pandemia, mas podemos apontar alguns fatores tangenciais que também contribuíram para o resultado", afirma Rochlin.
Ele menciona, por exemplo, a instabilidade política e institucional que ocorre no Brasil em meio ao combate ao vírus. "Essa instabilidade não contribui para a entrada de investimento estrangeiro. O investidor é pautado pelo grau de retorno que ele pode ter, mas também olha o país buscando entender o que deve acontecer no longo prazo. Por isso, questões relativas à instabilidade institucional e à insegurança jurídica têm um peso muito grande", diz o professor da FGV.
Questão ambiental pesa, principalmente para investidores europeus
A mistura que azedou a relação dos investidores estrangeiros com o Brasil tem, ainda, ao menos mais um fator: o descaso do governo federal com a questão ambiental. Em 2019, o próprio presidente Jair Bolsonaro se engajou em disputas públicas com o presidente da França, Emmanuel Macron, por conta do aumento das queimadas na Amazônia.
Em 2020, os índices de desmatamento voltaram a bater recordes. Ao mesmo tempo, a gravação da reunião ministerial de 22 de abril, divulgada por ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), mostrou o ministro do Meio Ambiente cogitando flexibilizar normas ambientais em meio à pandemia. "É a oportunidade para ir passando a boiada, mudando todo o regramento e simplificando normas", afirmou Ricardo Salles no encontro.
Lá fora, declarações desse tipo não são bem recebidas. "A questão ambiental tem muito mais visibilidade no exterior do que aqui. Os países europeus têm isso em alta consideração. Já tivemos menos investimentos de empresas que se declararam incomodadas com a postura do governo brasileiro em relação a isso", explica Luís Afonso Lima, da Sobeet.
Desagradar os europeus não é um bom negócio para o Brasil: somados, os investimentos vindos de países do continente superam, com folga, os advindos dos EUA, uma das maiores fontes de recursos para o país. Os dados mais recentes do BC, de 2018, apontam que, enquanto 19% dos investimentos diretos no país vieram dos norte-americanos, 23% vieram da Holanda (onde estão localizadas as sedes de muitas companhias europeias), e outros 10%, da Espanha.
"Mais um aspecto importante é que os europeus têm uma postura protecionista em relação à sua produção agropecuária. Com isso, o aumento do desmatamento acaba se tornando um argumento de pressão para que os Parlamentos não aprovem acordos com outros países que não respeitam o meio ambiente, como o tratado entre o Mercosul e a União Europeia [UE]", acrescenta Lima.
Os Parlamentos da Áustria e da Holanda já votaram contra o acordo entre UE e Mercosul, tendo como justificativa o avanço do desmatamento no Brasil. Sem a anuência de todos os Legislativos dos países do bloco, o acordo não pode ser firmado.