Nunca tantos brasileiros investiram em ações. Da mesma maneira, em nenhum outro momento da história, um número tão grande de pessoas resolveu aplicar na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) em grupos seja ele formado por familiares, colegas de trabalho ou amigos. Há dez anos, apenas 162 clubes de investimento, como são chamados esses grupos privados, estavam cadastrados na bolsa, o que incluía pouco mais de 62 mil participantes. Desde então, o número de clubes não pára de crescer. Em agosto, eles chegaram a 1.990, incluindo quase 150 mil cotistas, com patrimônio líquido de cerca de R$ 13 bilhões, segundo dados da própria Bovespa. Só naquele mês foram criados 72 clubes.
O interesse crescente pela prática tem uma explicação lógica. Juntar o "cofrinho" com conhecidos pode ser a forma mais eficaz de começar a investir em ações sem precisar desembolsar muito ou se expor demais ao risco.
Os clubes são pessoas jurídicas formadas por entre 3 e 150 investidores. As regras são estabelecidas por um estatuto social e as decisões, em geral, resolvidas em assembléia. Colocados assim, podem dar a impressão de que se trata de algo complexo. Na prática, não é.
O investimento mínimo depende das regras do grupo, assim como a quantidade e a freqüência dos aportes seguintes. Em alguns casos, é possível investir a partir de quantias bem pequenas, como R$ 200. "Formando um grupo, você tem mais recursos e consegue diversificar as ações. Assim, você respeita uma máxima de mercado: não colocar todos os ovos na mesma cesta. O que significa estar menos exposto ao risco", diz o diretor da corretora Omar Camargo, Omar Camargo Neto. Ele não tem dúvida de que os clubes são a melhor porta de entrada para pequenos investidores. "Sugerimos os clubes para quem tem até R$ 30 mil para aplicar em ações."
Todo clube, para funcionar, precisa estar ligado a uma corretora que, segundo o analista da Fator Corretora, Fernando Marques, é sua responsável legal junto à Receita Federal. A partir daí, os caminhos a seguir são escolhidos pelo próprio grupo. "Nós montamos o clube para os clientes, repassamos as informações e damos as orientações e o suporte. Mas a decisão de investimento cabe aos membros."
Também não há uma regra única para como essas decisões são tomadas. O mais comum é que o grupo faça encontros periódicos. Mas, no dia-a-dia, explica o gerente do Instituto Nacional de Investidores (INI), Paulo Portinho, é importante que exista um membro à frente da gestão. "É ruim quando apenas uma pessoa assume as rédeas do negócio, sem consultar o grupo. Por outro lado, se você precisa sempre da entrar em contato com as 25, 30 pessoas do clube para tomar uma decisão, pode perder um time importante."
Regras claras
A melhor forma pra resolver o impasse, na opinião de Portinho, é estabelecer regras claras antes do pontapé inicial. Um dos clubes de que ele participa, e gerencia, estabeleceu as empresas que gostaria de ter em sua carteira e o porcentual de cada uma no total investido. E, até que se reúnam para mudar, o jeito é manter o sangue frio. "Decidimos que teríamos entre 30% e 35% do patrimônio em ações da Vale do Rio Doce, por exemplo. O papel subiu muito e passou dos 40%. Vendemos uma parte, para seguir a regra", conta. "Se as regras estão claras e a pessoa presta contas de toda a movimentação, dificilmente você tem problemas, ou mesmo brigas."
O clube, formado por 25 colegas músicos, faz reuniões periódicas e, no dia-a-dia, usa a internet (e-mails, fóruns de discussão e programas de bate-papo) para manter contato. O objetivo é que o patrimônio, que iniciou em R$ 120 mil, chegue a R$ 1 milhão em 2010. "Além disso, todo mundo participa para aprender", conta.
O engenheiro eletricista André Camilo Alves, espera o mesmo retorno do grupo que formou com outros dez amigos do trabalho. Aplicando há quase um ano, ele diz que o resultado tem sido positivo não apenas em números, mas também porque o grupo perdeu o medo do mercado financeiro. "Sozinho e sem experiência, você acaba ficando com receio de investir porque tem menos dinheiro para diversificar."
Os colegas de trabalho aplicaram juntos R$ 37 mil. O patrimônio hoje é de R$ 54 mil. "Perdemos em alguns momentos. Faz parte do jogo. Mas o saldo tem sido positivo. Tivemos um ganho, em média, de 33%." Por enquanto o andamento da carteira é decidido por e-mail ou nas conversas de corredor. Mas, até o fim do ano, o grupo deve se reunir para discutir o futuro dos novos aportes. "Por enquanto não mexemos nos papéis. Agora temos planos de diversificar mais e, para isso, vamos fazer reuniões mensais."