Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Negócios

Investir na “economia real” do Brasil ficou mais caro. E o retorno, menor

crescimento
Desempenho das empresas é afetado pela alta taxa de juros. (Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo)

Ouça este conteúdo

Investir na "economia real" do Brasil ficou mais caro e o retorno desse investimento diminuiu, num ambiente de juros mais altos e demanda menos aquecida. É o que indica pesquisa do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe) com base em dados de empresas listadas na B3, a bolsa brasileira, exceto Petrobras, Eletrobras e Vale.

Conforme o levantamento, o custo de capital (isto é, para levantar recursos) passou de 11% para 12% ao ano entre 2021 e 2022, ao passo que o retorno do dinheiro investido baixou de 16,3% para 13%.

O Cemec ainda não finalizou os dados relativos ao primeiro trimestre de 2023, mas a persistência do juro elevado sugere que esse cenário não melhorou. A taxa básica (Selic) está em 13,75% ao ano desde agosto e não deve cair tão cedo, segundo sinalização do Banco Central. Casas como XP Investimentos e Bradesco não esperam cortes na Selic antes de setembro.

Os dados evidenciam a dificuldade enfrentada até por empresas de grande porte – caso de boa parte das listadas em bolsa – de captar recursos. Essas companhias podem apelar para fontes externas de financiamento, têm melhores condições de acesso ao mercado de capitais e apresentam economias de escala. Para negócios de pequeno e médio porte, que em geral não desfrutam dessas vantagens, o cenário é ainda mais delicado.

Segundo o Banco Central, a taxa média de juros cobrada das empresas – de todos os tamanhos, em todas as modalidades de crédito – saltou de 12,3% ao ano em março de 2021 para 21,5% ao ano em março de 2023. No mesmo intervalo, o "spread" – diferença ente o custo de captação do banco e o juro que ele cobra do cliente – aumentou de 6,8 pontos porcentuais para 9,7 pontos porcentuais, em média.

O coordenador do Cemec-Fipe, Carlos Antônio Rocca, diz que um dos fatores que elevou o spread foi o aumento da inadimplência. No crédito para empresas, ela subiu de 1,2% para 2,1% da carteira nos últimos dois anos.

Um dos segmentos que mais se endividou foi o varejo, que durante a pandemia teve de fazer uma rápida transição do modelo de negócios e sentiu um aperto das margens de lucro. Os comerciantes, além disso, sofreram com o aumento dos atrasos por parte dos consumidores – entre os meses de março de 2021 e 2023, a inadimplência das pessoas físicas passou de 2,9% para 4,1%.

Dados da Serasa Experian mostram que 6,5 milhões de empresas tinham dívidas em atraso em março. É o número mais elevado da série histórica, iniciada em março de 2016. Entre os consumidores, 70,7 milhões tinham restrições ao crédito, outro recorde.

As expectativas não são favoráveis no curto prazo. “A inadimplência é um acontecimento em cadeia. Enquanto grande parte dos consumidores não conseguirem se regularizar, será muito difícil que o quadro melhore para os empreendedores. Com juros ainda fortes, inflação alta e muitas pessoas negativadas, o poder de compra não tem incentivo e, sendo assim, o fluxo de caixa dos empreendimentos continua em desaceleração, dificultando a quitação de dívidas”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa.

Rocca, do Cemec-Fipe, destaca que o custo de crédito tem aumentado em linhas muito utilizadas pelas empresas, como o capital de giro e o desconto de duplicatas. O fenômeno não se restringe ao mercado bancário. Emissões de títulos, como as debêntures, estão custando mais.

Ruídos de natureza política também influenciam o custo do dinheiro, ao aumentar as incertezas. Em um primeiro momento, o mercado foi afetado pelas eleições presidenciais. Depois, a PEC "fura-teto" fez crescer a preocupação com as contas públicas, em especial com a tendência de aumento nos gastos do governo, o que se refletiu em aumento nos juros futuros – que influenciam o custo do crédito de longo prazo.

As várias medidas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para aumentar a arrecadação de impostos, em geral direcionadas a empresas, também não ajudam. Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que, apenas nos quatro primeiros meses da atual gestão, o Executivo anunciou 12 iniciativas para ampliar as receitas.

"Isso gera um ambiente de aumento no custo de capital, principalmente no longo prazo. É preciso uma política fiscal mais consistente para evitar um processo descontrolado de aumento nos juros", diz Rocca.

Aperto monetário, eleições e cenário externo pioraram desempenho das empresas em 2022

Estudo da TC Economática com 170 companhias da B3 constatou que, embora a mediana da receita líquida tenha aumentado 16% no ano passado, o resultado operacional mediano medido pelo Ebitda subiu apenas 2%. “São efeitos de um aperto monetário, marcado pela rápida elevação da taxa Selic e um consumidor mais crítico diante desse cenário”, justifica o analista-chefe da TC, Carlos André Vieira.

Outros fatores que pioraram o desempenho das companhias, segundo a estrategista de ações Jennie Li, da XP Investimentos, foram a incerteza política no Brasil, causada pelo processo eleitoral, e a conjuntura internacional, marcada por aceleração da inflação, juros em alta e ameaça de recessão.

Analisando as empresas que fazem parte do Ibovespa, a corretora aponta que 44% delas tiveram um desempenho operacional melhor do que o esperado em 2022, o pior resultado em sete trimestres. Outras 47% tiverem resultados abaixo do previsto e 9%, dentro do esperado.

Com tantos eventos adversos, o ano de 2022 acabou sendo uma espécie de ressaca de 2021 – que, nas palavras de Rocca, do Cemec-Fipe, foi "talvez o melhor para as companhias de capital aberto desde 2010”.

Em 2021 os juros cobrados das empresas ainda estavam relativamente baixos – entre os menores da série histórica do Banco Central (iniciada em 2011), superiores apenas aos cobrados em 2020.

A atividade econômica, enquanto isso, estava em franca recuperação com a reabertura após os piores momentos da pandemia da Covid-19. Naquele ano, o PIB cresceu 5%, mais que compensando a retração de 3,3% de 2020.

Desorganização das cadeias produtivas e aumento da demanda elevaram inflação e juros

A questão é que a pandemia deixou como herança uma profunda desorganização das cadeias produtivas, que foram incapazes de atender à demanda no momento da reabertura. Isso levou a um forte aumento de custos para as empresas no mundo todo.

Aqui no Brasil, por 12 meses seguidos – entre fevereiro de 2021 e janeiro de 2022 – o Índice de Preços ao Produtor (IPP) calculado pelo IBGE, que reflete os custos industriais, girou acima dos 25% ao ano.

Parte do aumento de custo das empresas foi repassada aos consumidores, até porque a demanda aumentou graças às medidas de combate à pandemia, como o auxílio emergencial e o saque extraordinário do FGTS.

Uma nova fonte de pressão veio da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. Commodities agrícolas e energéticas, como o petróleo, que chegou a custar US$ 140 por barril, contribuíram para pressionar ainda mais os preços. Por dez meses, entre setembro de 2021 e julho de 2022, a inflação ao consumidor girou acima dos 10% na medição do IPCA.

O aumento nos índices de preços levou a reajustes salariais mais altos. Segundo a Fipe, em março, o reajuste mediano foi de 6%, 0,5 ponto porcentual acima da inflação acumulada em um ano, pela medição do INPC. Nos 12 meses anteriores, dois terços de 19,1 mil negociações salariais resultaram em ganho real para os trabalhadores. “Esse quadro todo contribuiu para corroer o lucro bruto e as margens das empresas”, diz Rocca.

Com inflação em alta, o Banco Central entrou em campo para tentar esfriar a economia. A escalada na taxa básica de juros começou em março de 2021 e se seguiu até agosto de 2022, período em que a Selic saltou de 2% para 13,75% ao ano. Ela está nesse patamar até agora, e não há sinais de que vá baixar no curto prazo.

Confiança na indústria de pequeno porte é a menor em quase três anos

A deterioração das condições financeiras e o desaquecimento da economia batem forte nas pequenas empresas. Pesquisa divulgada no início de maio pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a confiança do pequeno industrial está em seu menor nível desde julho de 2020.

As vendas foram boas no primeiro trimestre do ano, com resultado acima da média histórica. O problema está na situação financeira das empresas, com condições piores na margem de lucro operacional e no acesso ao crédito.

No primeiro trimestre de 2023, os empresários de pequeno porte elencaram a elevada carga tributária como o principal problema na indústria extrativa e de transformação. Na construção, enquanto isso, o maior entrave é o juro elevado, problema que ganhou relevância nos últimos trimestres.

Outra questão que também vem dificultando a situação das pequenas indústrias é a demanda insuficiente. “Este item ganha relevância à medida que a atividade econômica mostra sinais de desaceleração e está relacionado à questão dos juros elevados”, destaca a CNI.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.