O governo deve priorizar a compra de produtos e serviços feitos no Brasil? A pergunta está no centro do debate sobre a Medida Provisória 495, editada no último mês de julho. A MP estabelece vantagem às empresas nacionais nas licitações da administração pública. Em alguns casos, o produto oferecido pode ser até 25% mais caro que o de concorrentes estrangeiras. Com a expectativa de grandes projetos financiados pelo Estado nos próximos anos apenas Copa do Mundo, Jogos Olímpicos, Belo Monte e trem-bala devem consumir, juntos, algo em torno de R$ 200 bilhões , a medida pode se transformar na principal política industrial do país, segundo economistas. O projeto também levanta críticas: a proteção a empresas pouco eficientes e a falta de um mecanismo mais claro, no texto da MP, para incentivar o desenvolvimento tecnológico e a inovação.
Se aprovada no Congresso não há resistência dos parlamentares , a MP substituirá a Lei 8.666, de junho de 1993. À época, a lei foi considerada um grande avanço nos processos licitatórios brasileiros, ao fixar regras claras e primar pela isonomia na escolha de compras do governo e de empresas estatais. Até agora, o critério utilizado nas licitações era o de menor preço. Agora, um elemento "nacionalista" também passa a ser analisado. Segundo a MP, a margem de preferência será dada de acordo com o impacto da "geração de emprego e renda; efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais; e desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país." O texto ainda acrescenta que poderá ser "estabelecida margem de preferência adicional para os produtos manufaturados e para os serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país."
Preço e qualidade
Para os economistas, a questão é saber quando vale a pena desembolsar mais por um produto feito aqui, mas que pode ser encontrado no exterior com a mesma qualidade e com menor preço. "Tem de ser uma política focalizada, não pode ser genérica. Há motivo para se favorecer o desenvolvimento de um determinado setor, especialmente o tecnológico, que é uma área estratégica. O que não se pode fazer é usar esse mecanismo para fazer política industrial generalizada, horizontal, ajudando setores já estabelecidos e que têm capacidade de inovar por conta própria", afirma o economista Marcelo Curado, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O temor é que a medida seja um incremento à atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), alvo de muitas críticas nas últimas semanas inclusive na mídia internacional , que vem "anabolizando" setores considerados "campeões nacionais", como o de frigoríficos. "A lógica só vale quando a decisão pelo produto nacional fizer sentido é preciso saber exatamente o quanto a área deve ser privilegiada. Por exemplo, se um setor não tem escala de produção para ser mais barato que os concorrentes, mas ainda assim é um setor que pode gerar emprego e imposto, pode valer a pena", diz Júlio Gomes de Almeida, professor de economia da Unicamp. Ele concorda que a política é uma forma de protecionismo, mas diz que o recurso é usado por vários outros países.