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Congresso

“Jabuti” enfraquece agências reguladoras e submete decisões a conselhos ligados ao governo

danilo forte
O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) é autor da emenda que tira poderes das agências reguladoras. (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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Uma emenda em discussão no Congresso busca reduzir o poder das agências reguladoras – que hoje desfrutam de relativa autonomia – e submeter suas decisões a uma instância superior: conselhos fiscais vinculados ao governo federal.

Os integrantes desses conselhos seriam indicados pelos poderes Executivo e Legislativo e também pela sociedade civil, representada por empresas, consumidores e academia.

Conhecida como emenda 54, a ideia foi proposta na tramitação da Medida Provisória (MP) 1.154/23, editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que reorganizou o Poder Executivo e estruturou a equipe ministerial no novo governo.

Por não ter relação direta com o tema da MP, a emenda tem sido chamada de "jabuti", o que é rechaçado pelo seu autor, o deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE). Para entrar em vigor, a incorporação à medida provisória terá de ser aprovada pelo Congresso, e depois sancionada por Lula.

Criadas no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em meio ao processo de privatização de empresas de vários setores, as agências reguladoras são autarquias de regime especial, encarregadas de regulamentar, controlar e fiscalizar a execução de serviços públicos.

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O parlamentar diz que o objetivo de sua emenda é proteger o consumidor e dar mais transparência e representatividade às agências, que na visão dele concentram "superpoderes" e têm seus debates pautados por interesses empresariais.

De outro lado, setores regulados e representantes das agências veem a ideia como um retrocesso institucional, por submeter órgãos permanentes de Estado à lógica de governos, o que pode afastar investimentos e prejudicar os consumidores e a economia.

O enfraquecimento das agências atende a antigas demandas do presidente Lula, para quem esses órgãos mandam mais que o governo – crítica que era feita também pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em março de 2022, Bolsonaro disse que muitas vezes as agências "podem muito mais" que ministros e que elas criam "dificuldades". Em agosto do mesmo ano, Lula fez afirmações no mesmo sentido. "Muitas vezes a gente cria uma agência para ela facilitar e, quando o cidadão toma posse na agência, ele acha que manda mais do que o ministro", disse o petista.

Forte diz que ainda não teve uma "conversa institucional" com o governo sobre a emenda que apresentou, mas afirma que parlamentares do PT se mostraram "simpáticos". Um deputado petista ouvido pela Gazeta do Povo, porém, classificou a emenda de "loucura", criticando especificamente o fato de ela ampliar a influência do Congresso sobre o trabalho das agências.

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O que prevê a emenda sobre as agências reguladoras

A emenda de Danilo Forte prevê que todas as atividades normativas infralegais das agências reguladoras passem a ser fiscalizadas e julgadas por um conselho fiscal de representação tripartite.

Com membros indicados por governo, Congresso e sociedade civil, cada conselho seria formalmente vinculado ao ministério da área. Assim, o conselho fiscal da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por exemplo, seria ligado ao Ministério de Minas e Energia.

O presidente da República continuaria responsável por indicar os membros da diretoria da agência, e eles seguem sujeitos a sabatina e aprovação do Senado.

"Elas [as agências reguladoras] têm os tribunais de contas como o órgão de fiscalização sobre a sua administração, mas nenhuma [fiscalização] sobre as atividades e decisões que tomam. Então, elas podem decidir o que quiserem e não tem nenhum órgão de fiscalização sobre isso", diz Forte. "O consumidor é 100% ignorado. O lobby só funciona em torno das empresas, principalmente as grandes", acrescenta o deputado.

O que setores regulados pelas agências dizem sobre a emenda

Os setores regulados dizem que a proposta é um "retrocesso institucional", que "esvazia as competências normativas e decisórias" das agências.

Em nota, associações nacionais dos setores aéreo, ferroviário, rodoviário, de comunicações e de saneamento sustentam que as autarquias têm "cada vez mais aprimorado os seus processos", com "avaliações técnicas profundas e ampliação da participação e controle social".

"Para garantir um ambiente propício à atração de investimentos em infraestrutura e serviços públicos, é necessário que os reguladores sejam fortes e independentes", afirma a nota.

Entidades de diferentes segmentos do setor da saúde também repudiam a emenda. Elas afirmam, em nota conjunta, que a eventual aprovação da emenda causará "enorme desestabilização do mercado de saúde no país e colocará em risco a população"."A transferência da competência regulatória da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para um conselho representará um retrocesso nas políticas de regulação e controle sanitário", diz o texto.

O que dizem as agências reguladoras sobre a proposta de conselho fiscal

A Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), que reúne 68 autarquias nacionais e subnacionais, diz que a emenda "desidrata o atual modelo regulatório" e "praticamente anula a função das agências reguladoras na sua principal atividade, a de regular".

Para a entidade, a qualidade do atual sistema regulatório é comprovada "pela quantidade expressiva em investimentos relacionados aos setores regulados, que representam parcela importante do PIB nacional".

A aprovação da emenda teria, segundo a Abar, "sérias consequências para os consumidores e para a economia, pelo risco e custo regulatórios que adviriam do processo de captura e exercício da regulação por conselhos vinculados a ministérios, ficando o papel das agências reguladoras reduzido apenas à fiscalização de contratos de concessão".

O modelo proposto, de acordo com a nota, não tem equivalente no mundo e representa um alto risco regulatório à infraestrutura do país.

"A regulação dos contratos de concessão passaria a ser exercida por conselhos ligados ao governo, que muda a cada quatro anos, e não mais por um órgão de Estado, perene, estável, altamente capacitado, com decisões técnicas, detentor de autonomia administrativa, financeira e regulatória, que é a agência reguladora", defende a Abar.

A associação afirma ainda que a proposta "compromete a relação do Brasil com organismos internacionais, de financiamento, fomento, cooperação e desenvolvimento econômico".

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Autor de emenda cita Inglaterra e EUA para defender conselho fiscal

O deputado Danilo Forte rebate a tese de que sua proposta não tenha equivalência no mundo e sustenta que Estados Unidos e Inglaterra, tidos por ele como "berços" do modelo de agências reguladoras, promoveram "reformulações" para ter algum controle sobre a atuação das agências contra a força dos lobbies empresariais.

Segundo ele, a proposta do conselho fiscal está relacionada à ideia de pesos e contrapesos e não busca promover uma sobreposição de poderes, nem uma monopolização do poder regulatório.

A proposta, diz Forte, está aberta ao debate e ao aperfeiçoamento no processo legislativo. Para ele, a emenda não é um "jabuti" porque tem relação com a reorganização do Poder Executivo promovida pela MP 1.154/23.

"A emenda foi apresentada dentro do prazo legal e não é uma coisa de fora para dentro, é algo relacionado ao processo legislativo. Nós podemos fazer o aperfeiçoamento", diz. Um eventual acréscimo, segundo ele, pode ser a previsão de mandato aos membros do conselho fiscal.

Forte entende que os parlamentares, eleitos pelo povo, têm a prerrogativa de aperfeiçoar o processo de fiscalização, inclusive com a indicação de membros para os conselhos fiscais. Segundo ele, os integrantes da "cota" do Parlamento passariam por um processo de "triagem" nas respectivas comissões permanentes do Congresso, que selecionariam membros entre listas tríplices.

Sobre os membros indicados por consumidores, Forte diz ter feito contato com entidades como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), mas afirma que o espaço também pode ser ocupado por representantes da comissão de direito do consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Como a emenda das agências reguladoras repercutiu no Congresso

Forte diz que o debate com os colegas começou ainda em 2022 por meio da minuta de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), mas que, por indefinição do cenário político e para tratar o assunto com mais celeridade, decidiu fazer a proposta por meio de emenda a uma MP, que tem prazo de vigência e tramitação.

O parlamentar afirma ter observado um "sentimento muito forte" do Congresso de que as agências se "sobrepunham às decisões do Legislativo".

O deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES) avalia que o debate é "necessário e importante" e que cabe um "aperfeiçoamento" ao papel das agências. Ele defende, porém, regras rígidas, transparentes e objetivas.

"Todos nós estamos aprendendo de certa forma o papel das agências e elas próprias passam por processo de amadurecimento. Acho que cabe, sim, um aperfeiçoamento, mas sem mexer nas regras de competência. Tem que ter calma e, na dúvida, rigidez", diz.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) classifica de "loucura" o que considera ser uma tentativa de submissão das agências reguladoras ao Congresso. Para ele, permitir que o Parlamento tenha influência em debates regulatórios de competência das agências poderia trazer riscos.

Zarattini cita o exemplo da fosfoetanolamina, a "pílula do câncer". Em 2016, o Congresso aprovou um projeto que autorizava pacientes com câncer a usarem a fosfoetanolamina sintética antes de seu registro na Anvisa. A então presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou e, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a legislação inconstitucional.

Zarattini defende que temas técnicos devem ser debatidos apenas pelas agências, uma vez que o Congresso, segundo ele, "vai agir de forma sempre procurando agradar à maioria".

O deputado entende que o Parlamento já oferece sua contribuição às agências mediante a sabatina e aprovação das indicações pelo Senado."Se ele [Danilo Forte] acha que a Câmara tem que avaliar conselheiros, faz uma emenda à Constituição [PEC]. Essa emenda atual é um jabuti, está numa MP de reestruturação do governo, não tem nada a ver. É um assunto que deve ser debatido antes em comissões, por se tratar de uma mudança da própria filosofia de organização das agências", diz.

O que dizem especialistas sobre a emenda das agências reguladoras

O advogado especializado em direito administrativo Rafael Arruda entende que a emenda tira poder das agências reguladoras e deve ser avaliada com cautela.

"A política é importante, mas não é tudo. Em matéria de autoridades da regulação, há um espaço que merece proteção, para que a atividade regulatória não sofra influências da colonização político-partidária", diz. Para ele, "expertise, conhecimento técnico, reputação e credibilidade devem informar as agências reguladoras, o que pressupõe insulamento de governos, consumidores, regulados e conselhos sociais".

O cientista político Enrico Ribeiro, sócio-diretor da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, avalia que a emenda demanda um acordo prévio entre governo, Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF), que "fatalmente" será acionado em caso de aprovação. Ele acredita que, caso não prospere como emenda da MP, a ideia tende a ressurgir no futuro.

"É um debate que, me parece, está em solo fértil dentro de um debate mais amplo do Congresso sobre a discussão dos poderes de cada um dos órgãos e Poderes", diz.

Para Ribeiro, a nova legislatura demonstra intenção de fortalecer o poder institucional e a independência do Congresso. "Se [os parlamentares] estão abertamente dispostos a discutir qual é o poder do Supremo, que dirá das agências. Dentro desse pacote de rediscussão, faz sentido e tem força dentro do Congresso, ainda mais que a Câmara passaria a também ter poder sobre as agências reguladoras, que hoje é só do Senado", destaca.

Especialista em direito aeronáutico e em regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a sócia-fundadora do Leal Andreoli Advogados, Roberta Andreoli, diz que a proposta dos conselhos fiscais pode parecer democrática "à primeira vista". Porém, pode gerar dificuldades.

"No que se refere à Anac, seria muito complicado consultar esses conselhos sugeridos em toda a edição de norma, porque existe um normativo muito denso. É só consultar o banco de dados da Anac que a gente percebe que cada assunto da aviação civil e da aviação militar é regulado pela autoridade competente", diz.

A advogada aponta que, além de as reuniões de diretoria serem públicas e com transmissão on-line, a Anac dá publicidade às discussões normativas por meio de consultas e audiências públicas, para que interessados apresentem contribuições – o que ocorreu, por exemplo, com a regulamentação de drones e da propriedade compartilhada de aeronave, um novo modelo de negócios no país.

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