O Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir nesta semana um julgamento que pode elevar a aposentadoria de uma parcela de beneficiários. A ação, que vem sendo chamada de “revisão da vida toda”, recebeu por enquanto votos favoráveis do relator, Marco Aurélio Mello, e dos ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. Já Kassio Nunes Marques, Dias Toffoli, Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes votaram contra. O placar parcial até a tarde desta quarta-feira (9) era de 4 x 3 contra a tese que beneficia os aposentados.
Caso a maioria seja formada a favor do voto do relator, aposentados que foram prejudicados com uma mudança nas regras previdenciárias há mais de 20 anos terão direito a solicitar um reajuste retroativo em seus benefícios, com a inclusão de contribuições realizadas antes de julho de 1994.
O caso remonta à entrada em vigor da Lei 9.876, de 1999, que alterou a forma de cálculo das aposentadorias. Até então, o benefício era definido considerando-se as 36 últimas contribuições, ou seja, a média dos três anos anteriores. A nova legislação, a mesma que criou o fator previdenciário, dispôs que passaria a entrar na conta o que foi recolhido durante a vida toda.
Para quem já estava no sistema antes da sanção da lei, no entanto, haveria uma regra de transição: o cálculo começaria a partir de julho de 1994, ou seja, do início do Plano Real. A intenção era beneficiar a maior parte dos segurados, uma vez que em geral a remuneração — e, portanto, a contribuição previdenciária — costuma aumentar ao longo da carreira.
Algumas pessoas, no entanto, acabaram prejudicadas, por ter histórico salarial invertido, ou seja, terem contribuído mais no período anterior a julho de 1994 e ter essas contribuições desconsideradas. “É o caso de um servidor público que ganhava muito bem, saiu do serviço público e virou empresário recolhendo o mínimo. Esse é um perfil padrão”, explica o advogado Diego Monteiro Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
O julgamento do STF, de repercussão geral, analisa um recurso especial de Vanderlei Martins Medeiros, que argumenta que a regra foi injusta e pede a revisão do benefício — daí o julgamento ser chamado de “revisão da vida toda”.
O caso é analisado no plenário virtual do Supremo e deve ser encerrado até sexta-feira (11), a menos que algum ministro peça destaque ou vista. Primeiro a votar, o decano Marco Aurélio deu razão ao autor da ação. “Sob o ângulo da razoabilidade, seria legítima a imposição da regra de transição, mais gravosa que a definitiva? A resposta é desenganadamente negativa”, argumentou. “Se os recolhimentos mais vultosos foram realizados em período anterior a 1994, pertinente é aplicar a regra definitiva de apuração do salário de benefício, por ser vantajosa.”
Em 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu favoravelmente ao recurso. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também já se posicionou a favor da concessão do benefício mais elevado. Em seu voto, o procurador-geral Augusto Aras afirmou que “a exegese da norma de transição é a percepção do melhor benefício possível ao contribuinte”.
Em razão do prazo decadencial, no entanto, caso se confirme a tendência, somente poderão revisar seus benefícios aqueles que se enquadrarem na situação e que tiveram o início dos pagamentos da aposentadoria nos últimos 10 anos. A tese, se confirmada, poderá se estender a pensionistas e a quem recebeu auxílio-doença nas mesmas circunstâncias. Além da elevação do benefício atual, a revisão seria aplicada retroativamente aos últimos cinco anos.
Impacto da "revisão da vida toda" seria de R$ 26,4 bi até 2029, diz governo; valor é questionado
Segundo nota técnica da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia anexa ao processo, o impacto financeiro da aplicação da tese seria da ordem de R$ 26,4 bilhões para o período de 2021 a 2029. Somado a esse valor, haveria um custo operacional de R$ 1,6 bilhão, considerando-se que metade das 3 milhões de aposentadorias por tempo de contribuição ativas desde 2009 requeresse ao menos uma estimativa de reajuste.
O IBDP, que atua como amicus curiae no STF, defende a revisão, mas questiona os valores apresentados. “Não se tem a quantidade de ações ajuizadas, quantos segurados vão requerer. E vai ter que ser pela via judicial, porque administrativamente o INSS não reconhece a revisão. Tem uma série de fatores que permitem contestar esse valor”, diz Cherulli.
“Nós entendemos que há perfeição do equilíbrio atuarial”, afirma o advogado, que fez a sustentação oral em nome do instituto na Corte. “Poucas pessoas terão direito [à revisão]. Levamos isso ao Supremo para acalmar os ânimos de quem argumenta que haverá déficit e desequilíbrio econômico”, diz.
De acordo com o advogado, embora haja milhares de processos ajuizados com pedido de revisão da aposentadoria, muitos não terão ganho. “É um cálculo complexo, porque o CNIS [Cadastro Nacional de Informações Sociais] não tem informações sobre as contribuições anteriores a 1984. Se não tiver os contracheques — e quem é que guarda contracheques desse período? — é considerado o salário mínimo para aquele período”, explica. “Hoje mesmo atendi um cliente que tinha os holerites guardados, mas após o cálculo a revisão reduziria o valor da aposentadoria.”
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