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A combinação de instabilidade política e econômica no Brasil e o cenário mais desfavorável no exterior, marcado por desaquecimento e juros elevados nos maiores PIBs do mundo, estão deixando os investidores estrangeiros com as "barbas de molho". Eles estão investindo menos no setor produtivo brasileiro.
O chamado investimento direto no país (IDP) somou US$ 44,9 bilhões entre janeiro e outubro, 40% menos que em igual período do ano passado (US$ 74,7 bilhões), segundo o Banco Central. Trata-se do segundo menor valor dos últimos 14 anos, superior apenas ao dos dez primeiros meses de 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19.
As estatísticas incluem somente recursos aplicados na "economia real", em operações como empréstimos de multinacionais a suas filiais brasileiras e compras de participação em empresas brasileiras. Não são computados investimentos no mercado financeiro, como ações e títulos.As expectativas para o fechamento do ano estão piorando. O ponto médio das projeções feitas por bancos, corretoras e consultorias compiladas no boletim Focus, do BC, estava em US$ 61,5 bilhões na última segunda-feira (11). No início de novembro, o mercado estimava que o IDP deste ano seria de US$ 70 bilhões. Em janeiro, a expectativa era de US$ 80 bilhões.Segundo o economista-chefe do banco BMG, Flávio Serrano, outro fator que pesa no resultado mais fraco neste ano é o desempenho excepcional de 2022, quando o fluxo de investimentos estrangeiros no setor produtivo atingiu US$ 90,6 bilhões, o melhor desde 2012.
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Incertezas no Brasil afetam investimento estrangeiro
As incertezas em relação ao Brasil também afetam o ingresso de recursos externos. Uma preocupação levantada pela consultoria Kearney é que a instabilidade política nos mercados emergentes pode estar afetando as decisões de investimento. Dois países da América Latina são citados: Brasil e Peru.
Levantamento mensal realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) mostra que o nível de incerteza estacionou em níveis elevados. Pesou, principalmente, a piora nas projeções para o déficit primário de 2023.
“O Brasil também tem de consolidar a questão fiscal para reduzir os riscos em relação à sua economia”, diz Serrano, do BMG.Embora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha conseguido aprovar um novo arcabouço fiscal, especialistas em contas públicas criticaram o fato de estar baseado em forte aumento de arrecadação para compensar gastos públicos também crescentes.E as metas do marco fiscal – como a de déficit primário zero em 2024 – já foram criticadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e em diversas ocasiões por lideranças de seu partido.
Recentemente, os deputados petistas Gleisi Hoffmann (PR), presidente da sigla, e José Guimarães (CE), líder do governo na Câmara, defenderam aumento de gastos e déficit primário em 2024 para supostamente manter a economia aquecida e ajudar o partido nas eleições municipais.
A maior atratividade para os investimentos estrangeiros também passa pela aprovação da reforma tributária, que se encontra em tramitação no Congresso. O país tem um dos piores e mais complexos sistemas tributários do mundo.
Para Anna Carolina Gouveia, economista do FGV Ibre, a eventual aprovação da reforma tributária e uma maior estabilidade econômica poderão dar mais previsibilidade aos negócios no país.
André Valério, analista do banco Inter, aponta também que o cenário internacional mais restritivo, motivado pelas altas taxas de juros nos Estados Unidos, contribui para números mais fracos no investimento estrangeiro no Brasil.
Questões geopolíticas também estariam afetando o cenário dos investimentos. Depois da pandemia da Covid-19, que teve seu ponto alto entre 2020 e 2021, e o aumento das tensões entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores economias do globo, há um crescimento do nearshoring, quando uma cadeia produtiva fica concentrada em um país ou em países próximos.
Apesar desse contexto mais adverso, o Itaú avalia que o fluxo de investimentos no país segue em ritmo "consistente" na margem. O banco não vê sinais claros de fluxo de saída de capitais do Brasil.
Fusões e aquisições também estão em baixa
Não é só investimento estrangeiro no setor produtivo que está em baixa. O mesmo ocorre com operações de fusão e aquisição envolvendo compradores estrangeiros de empresas brasileiras.
A liderança no volume de operações é dos Estados Unidos. Dados do TTR Data, um provedor de informações sobre fusões e aquisições de empresas, indicam que, entre janeiro e outubro, foram registradas 137 transações envolvendo a compra de empresas brasileiras por americanas, 33% menos que no mesmo período do ano passado.
Ao todo, houve 1.617 operações de fusão ou aquisição de empresas brasileiras por estrangeiras nos dez primeiros meses do ano, 24% que em igual intervalo do ano passado. As operações movimentaram R$ 178 bilhões.