Mensalmente, milhares de contas correntes mudam de cor. Dias após o pagamento do salário, o extrato bancário deixa de mostrar números positivos e passa para o vermelho até que o próximo salário seja depositado. É nesse intervalo que o cheque especial vira a salvação.
No fim de abril, brasileiros usavam R$ 18,05 bilhões do limite oferecido pelas instituições financeiras, no maior valor da história. Pior que estar devendo é pagar por esse crédito. Mesmo com a taxa básica de juros em queda, pouca coisa mudou no juro do cheque especial. Nos maiores bancos, ele segue acima de 150% ao ano.
Esse é o crédito mais fácil de usar. Sempre disponível, o dinheiro está na conta, prontinho. Pode ser em um saque no meio da noite ou em um pagamento no débito e o empréstimo começa a valer sem a assinatura de papéis ou a presença do gerente. Tanta facilidade tem um preço.
Entre todas as linhas de crédito acompanhadas pelo Banco Central, o cheque tem o maior spread, que é a diferença entre o juro que o banco paga para quem aplica e quanto cobra de quem toma esse dinheiro emprestado. Em abril, o spread estava em 156,3 pontos porcentuais. Na média de todos os financiamentos para famílias e empresas, a margem é bem menor: 28,2 pontos.
Na prática, isso quer dizer que um cliente que aplica R$ 100 no banco tem R$ 110,03 no fim de 12 meses. Na mão da instituição, esses R$ 100 são usados para cobrir o cheque especial de outro consumidor que, ao fim do mesmo período, tem de pagar R$ 266,30. A diferença entre o que um paga e o que o outro recebe - de R$ 156,27 - é embolsada pelo banco. Nas instituições financeiras, a explicação para tamanha margem é o tripé inadimplência, impostos e compulsório.
Estudos do BC, no entanto, têm mostrado que o terceiro fator pesa cada vez menos e, nem por isso, as instituições reduziram as margens. Uma das constatações da autoridade monetária é que, a despeito das diversas medidas que liberaram mais de R$ 100 bilhões em depósitos compulsórios desde o agravamento da crise em setembro de 2008, o spread reagiu muito pouco.
Desde janeiro, quando o Banco Central começou o ranking de juros, a Selic caiu 4,5 postos porcentuais, o equivalente a uma redução proporcional de 32,7%. Mas a pesquisa diária mostra que o ritmo de corte no cheque especial é muito mais lento.
Caixa Econômica Federal e Santander são os que fizeram as maiores reduções proporcionais e hoje cobram, respectivamente, taxas 13,7% e 13,6% menores que as de janeiro. No Bradesco, a taxa recuou apenas 3,1% na comparação com o início da pesquisa. No Banco do Brasil, queda de 1,8% e no Itaú, praticamente estabilidade, com leve recuo de 0,5%.
Apesar de ser um dos que mais reduziu o juro, o Santander segue com o cheque mais caro entre as cinco instituições, de 181,9%, conforme pesquisa feita entre 1º e 5 de junho. A taxa é ponderada conforme o volume de operações e indica que clientes podem, conforme o perfil, pagar mais ou menos.
Em seguida, Bradesco cobra 168,8% de quem usa o limite e o Itaú, 167,6%. O Banco do Brasil, estatal, tem taxa um pouco menor, de 150,1%.
Nesse grupo, a Caixa é a mais "barata", com 103,3%. Para lembrar: a Selic está em 9,25% ao ano. "Estruturalmente, o cheque especial precisa ser mais caro que outras linhas porque é um dinheiro que o banco não pode usar para nada, ele deixa de aplicar em outras operações para deixar disponível", explica o professor de finanças do Insper, antigo Ibmec São Paulo, Ricardo José de Almeida.
Além do custo do dinheiro que fica disponível, bancos também cobram caro porque o uso do cheque indica algum tipo de descontrole, o que embute maior risco de inadimplência. "Para o banco, esse cliente é mais arriscado que aquele que se planeja e vai à agência para pegar um empréstimo consignado", afirma.
Apesar de entender a estrutura da operação, Almeida critica duramente o comportamento dos bancos que não tentam oferecer produtos mais baratos. Para o professor, as instituições deveriam fazer com que os clientes que mensalmente entram no vermelho trocassem essa dívida pelo consignado ou o crédito pessoal. "Os bancos teriam um ganho menor no curto prazo, mas teriam a certeza de que esse cliente seria mais saudável e confiável financeiramente", diz o especialista.