Cautela
Procura por empréstimo caiu 7,6% neste ano
Endividado, o brasileiro tem evitado novos financiamentos. No acumulado dos cinco primeiros meses do ano, a busca de crédito pelos consumidores recuou 7,6% ante o mesmo período de 2011, segundo a Serasa Experian, empresa especializada em análise de crédito.
Em maio, devido ao Dia das Mães e à redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis, a procura cresceu 14% em relação a abril. Mas, na comparação anual, houve queda de 7,5%. A percepção é de que as famílias, em geral, estão esperando quitar alguns financiamentos para só então passar a contrair novos compromissos. E os bancos, preocupados com a inadimplência, também estão mais seletivos na concessão de financiamentos.
Para os economistas, essa cautela é saudável. "Aquele receio de que a queda na taxa de juros pudesse inflar ainda mais a procura por crédito e agravar o problema da inadimplência parece estar afastado. Mesmo com taxas menores, os bancos não voltaram a afrouxar as regras, como ocorreu há dois anos, o que havia ajudado a estimular o endividamento e, como consequência, os atrasos. A tendência, agora é que a carteira de crédito seja mais saudável", diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
Números
14 milhões de famílias, ou 23% do total, estão superendividadas e comprometem mais de 30% da renda com dívidas. Ao contrário dos picos de inadimplência anteriores, que foram gerados pela alta do desemprego ou da taxa de juros, dessa vez a causa é o descontrole nas finanças.
Apesar da recente queda na taxa de juros, a inadimplência do brasileiro segue subindo, o que já leva alguns analistas a prever uma demora maior para o calote recuar no país. O número de contas em atraso dos consumidores cresce desde o início do ano passado e há dois meses atingiu 8%, o maior índice desde maio de 2009, segundo dados do Banco Central.
As projeções, agora, são de que o calote só deve ceder no fim do ano. A demora frustra os planos do governo de obter uma arrancada mais forte da economia com pacotes de incentivo ao consumo, como ocorreu na crise de 2008.
Essa é considerada a quarta "crise" de inadimplência que o Brasil vive desde 2000, mas a primeira provocada pelo alto endividamento das famílias. Ao contrário dos picos anteriores, que foram gerados pela alta do desemprego ou da taxa de juros, dessa vez a causa é o descontrole nas contas das famílias.
Cerca de 14 milhões delas 23% do total estão superendividadas e comprometem mais de 30% da renda com esses compromissos. "Há casos de pessoas que vêm ao Serviço Central de Proteção ao Crédito que devem três vezes o valor do salário", lembra Simone Scuissato, supervisora de serviços da Associação Comercial do Paraná (ACP).
"O calote está crescendo mesmo com a renda em alta e o desemprego ainda baixo. E por isso ele é mais resistente que nos outros anos", diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. Os últimos períodos em que a inadimplência subiu foram entre 2001 e 2002, em 2005 e em 2008.
Os atrasos acima de 90 dias vêm crescendo em praticamente todas as categorias: no financiamento de veículos (de 5,9% em abril para 6,1% em maio), no cheque especial (de 10,1% para 11,3%), no crédito pessoal (de 5,6% para 5,7%) e na aquisição de bens (de 13,5% para 13,9%). "A inadimplência precisa se estabilizar para depois começar a cair. Mas, não há sinais de que isso vai ocorrer, pelo menos nos próximos dois meses. Haverá melhora, mas será lenta", diz Rabi.
Queda adiada
Para Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Consultores Associados, o quadro de inadimplência só deverá começar a mudar no fim do segundo semestre. É provável que o calote ainda suba um pouco até lá, porque os atrasos de curto prazo de 15 a 90 dias continuam a aumentar. "Esse é um indicador que antecede o que vai acontecer com os demais atrasos."
O governo esperava que a queda na taxa de juros acelerasse a redução da inadimplência. A ideia era facilitar a troca de dívidas mais caras por mais baratas e assim possibilitar a quem está com a corda no pescoço sair do vermelho e voltar a comprar.
Facilidade para poucos
As taxas de juros estão caindo, puxadas principalmente pelos bancos públicos, mas intensidade da redução ainda é pequena, principalmente entre os bancos privados. Outro agravante é que as taxas de juros mais baixas ainda não chegaram aos inadimplentes os bancos estão praticando as novas taxas apenas nos novos financiamentos, para clientes com bom histórico financeiro.
Para o professor João Basílio Pereima Neto, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o maior volume de débitos não está no sistema bancário e sim entre as financeiras independentes, especialmente os chamados cartões de loja. "É aí que o calote está concentrado, o que demonstra também que ele é muito forte entre as classes C, D e E, que muitas vezes não têm acesso a conta de banco", diz.
Na avaliação do economista, o argumento dos bancos de que os juros não podem cair mais por causa da inadimplência não se justifica. "Não há motivo para essa resistência dos bancos. O problema maior não está na carteira bancária."
Financiamento de veículos tem maior índice de inadimplência
Em Curitiba, das 17,7 mil pessoas que procuraram o Serviço Central de Proteção ao Crédito da Associação Comercial do Paraná (ACP) em junho, 65% estavam inadimplentes. Um levantamento realizado com 1.364 consumidores desse universo mostrou que 40% têm entre 31 anos e 60 anos, a maioria (54%) é do sexo masculino e 32% ganham entre um a dois salários mínimos.
De acordo com Simone Scuissato, supervisora de serviços da ACP, os financiamentos de automóveis lideram, com 35% dos casos, seguido pelos cheques sem fundo (32%) e os cartões de lojas, com 18%.
O desemprego aparece como a principal causa dos atrasos, mas a ACP suspeita que esse dado possa estar distorcido muitas pessoas se sentem constrangidas em reconhecer que compraram mais do que podiam. Em segundo lugar, aparece o empréstimo do nome para terceiros. "Um dado que chamou a atenção é o aumento entre os idosos, que no mês representaram 8,65% dos inadimplentes. É muito comum as pessoas mais velhas emprestarem o nome para filhos e outros parentes", diz Simone.
A alta da inadimplência, que vem sendo puxada principalmente pelo setor automotivo, foi provocada pela combinação de crédito farto, prazos esticados e entusiasmo do consumidor, principalmente das classes C e D, com a possibilidade de adquirir bens.
A carteira de inadimplentes começou a ser formada principalmente a partir de 2010 e começou a chamar a atenção neste ano, com problemas principalmente no setor automotivo. "É preciso lembrar que foi esse consumo [de carros] que puxou o crescimento da economia. Mas vivemos um momento de virada da maré, em que, por causa do endividamento e de um cenário menos favorável, esse ritmo de crescimento não será mais o mesmo do que víamos antes", diz o economista João Basílio Pereima Neto, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para ele, a inadimplência não representa uma crise "sistêmica", mas uma "pseudobolha" que será esvaziada mais lentamente, devido ao tempo que os consumidores levarão para quitar os atrasos. "Isso não corre rapidamente. Há casos de pessoas que têm cinco, seis prestações atrasadas", diz.
Segundo dados da ACP, 62,3% dos inadimplentes pretendem cortar gastos para colocar as contas em dia. E 54,3% pretendem quitar os atrasos para voltar a comprar. "O que se espera é que a partir de outubro e novembro, quando saírem as parcelas do décimo terceiro salário, as famílias consigam resolver suas pendências", diz Simone, da ACP.
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