A taxa Selic encolheu e o investimento em renda fixa não é mais aquele que o brasileiro conheceu e com o qual se acostumou em anos recentes. A modalidade de ativos se tornou queridinha dos investidores de perfil mais conservador por entregar um pacote que aliava a trinca alto retorno, liquidez e baixo risco: chegou a oferecer ganhos de 1% ao mês entre 2015 e 2017 (quando a taxa estava em 14,25% ao ano), mas aquele cenário ficou no passado.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo foram unânimes em dizer que a redução da taxa de juros para 6% (e com perspectiva de novos cortes) indica uma mudança definitiva de paradigma que precisa ser absorvida pelo investidor. De acordo com o gestor de renda variável da Porto Seguro Investimentos, Marcelo Faria, as taxas de anos passados provocavam "uma disfuncionalidade que durou tanto tempo que [o investidor] acabou se acostumando com ela. Agora, a gente vai para o mundo real em que essas três coisas [alto retorno, liquidez e segurança] não existem simultaneamente. O investidor vai ter que escolher apenas duas", sentencia.
Faria afirma ainda que "navegar nesse novo ambiente vai demandar tempo e informação é crucial". Se quiser retomar o patamar anterior de ganhos, o investidor terá que sair da passividade que caracterizou a opção pela renda fixa e partir para a inclusão de produtos de maior volatilidade no seu portfólio. Aqui, a recomendação é por conhecer os ativos disponíveis no mercado, entender a fundo seus riscos e oportunidades, com especial cuidado para não cair na armadilha de fazer análises pelo retrovisor.
"Muitas vezes, quando ele analisa um produto, um ativo financeiro, ele estuda a rentabilidade passada e acredita que aquela rentabilidade passada vai se perpetuar, isso não acontece", destaca Alan Feldon, responsável pela área de relação com investidores de alta renda da Claritas Investimentos. "Tem que estar atento a isso e analisar se a perda máxima de um fundo em determinado mês, ou a maior sequência de quedas num mês, é coerente ao seu perfil de risco, até para não ter uma maior exposição a risco do que a tolerada ou que o patrimônio dele permite", reforça Feldon. Nesse sentido, o especialista pondera ainda que ele "tem que estar consciente de que vai sofrer oscilação ao longo da jornada de investimento".
Ordem é diversificar, mas...
A importância da diversificação da carteira de ativos também é unanimidade na análise feita pelos especialistas, com escolhas que vão depender do "apetite" e do perfil de cada um. Se um investidor é extremamente conservador, mas não quer reduzir a expectativa de rendimentos, terá que ser mais arrojado, mas pode fazê-lo sem jogar tudo para o alto, diz Marcos Lyra, do Daycoval Investimentos. Para o gestor, a mudança cultural necessária ao brasileiro nesse momento é comparável a cenários externos como os experimentados por asiáticos, europeus, norte-americanos, que tem taxas de juros baixíssimas.
"Ou você aumenta o seu risco, ou você aumenta o seu prazo. Antes o brasileiro fazia investimento para olhar mês e eu acho que esse negócio vai acabar, tem que olhar cenário de 4, 5 anos, alongar para conseguir uma taxa melhor. A cultura vai ter que mudar", avalia Lyra. Mas pondera: "tem que tomar muito cuidado com essa mudança para não aumentar risco de uma hora para a outra, sai comprando bolsa, a bolsa vai cair, a pessoa sai e nunca mais volta".
E mesmo com atratividade em baixa, vale dizer, entretanto, que esse não é o fim da renda fixa, que ainda é considerada importante para a composição de uma boa carteira. De acordo com Cassio Bariani, presidente da fintech SmartBrain, esse tipo de investimento "tem uma relevância sempre significativa, principalmente pelo lado do conservadorismo, risco, preservação de patrimônio; mas é natural que perca espaço para outros investimentos que podem render mais".
Em busca da rentabilidade perdida
Com o cenário de taxa de juros reduzida e inflação controlada, não é de agora que a estratégica de troca da renda fixa por outros ativos mais rentáveis é recomendada por profissionais e colocada em prática por investidores. A movimentação, por exemplo, fica clara em um levantamento feito pela SmartBrain, plataforma que acompanha uma base de dados de 183 mil extratos diários, R$ 100 bilhões em patrimônio. Focados no segmento de alta renda e private, com atendimento realizado por assessores independentes, os dados demonstram uma "significativa" queda de 6% na participação de títulos ou fundos de renda fixa pós fixada nas carteiras monitoradas, de acordo com Bariani.
Como exceções ainda tiveram aumentos na participação os CDBs prefixados, CRIs, CRAs e debêntures (que são atrelados à inflação). Para fugir da fixa, recomendações são pela aposta em fundos imobiliários, multimercados, ações ou fundos de ações.
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