Desde que assumiu o posto de ministro da Economia, Paulo Guedes reforça que o Brasil deixaria de ser o paraíso dos rentistas. De fato, os tempos da Selic de dois dígitos ficaram para trás. Com a taxa básica de juros fixada em 2% ao ano, menor nível histórico, os investimentos em renda fixa ficaram menos atraentes. Mas não estão mortos. Eles apenas exigem outras escolhas do investidor, que precisa ficar atento à curva de juros e também considerar uma diversificação maior da própria carteira, alinhada ao seu perfil.
A Selic domina o noticiário porque, além de principal instrumento da política monetária para controlar a inflação, é ela que vai influenciar praticamente todas as demais taxas de juros, de financiamentos a aplicações financeiras. Antes, era muito cômodo escolher qualquer investimento de renda fixa indexado pela taxa, que era elevada. A situação agora é outra: no patamar de 2% ao ano, os juros reais são negativos, porque são menores que a inflação projetada para os próximos 12 meses, acima de 3%.
O investidor precisa manter uma coerência com o próprio perfil na hora de fazer algumas concessões em busca de maior rentabilidade. Rodrigo Moliterno, sócio da Veedha Investimentos, frisa que quem quer ver o dinheiro render mais terá de adicionar risco, seja aumentando o prazo da renda fixa ou diversificando a carteira com um mix de renda fixa, fundos multimercados e até olhando para ações.
“Aquele cenário dos rentistas do passado, com 14% de juros, não existe mais. Hoje tem que ficar mais atento nos investimentos, fazer uma seleção maior e estar disposto a colocar na balança o risco e o retorno”, pondera.
O estrategista da Terra Investimentos, Marco Harbich, considera fundamental que, independentemente do perfil do investidor, ele respeite a sua tolerância ao risco. “Não existe melhor ou pior, certo ou errado. Existe o que se encaixa para cada um.”
Ele lembra que em março, no início da pandemia, muitas pessoas descontentes com a Selic – que já estava baixa para os padrões brasileiros – acabaram embarcando no discurso de aproveitar a rentabilidade da bolsa e, com a queda do mercado, se “machucaram muito”. “É a máxima do ‘no lucro, riso; na queda, choro’”, pondera.
Investidor precisa calcular o risco que está disposto a correr até na renda fixa
Mesmo a renda fixa não é totalmente imune a riscos, lembra Rodrigo Moliterno, da Veedha Investimentos. Para ele, muitos investidores têm um falso entendimento de ausência total de riscos na renda fixa, quando o que se tem de fato é a certeza do valor futuro – o que não impede oscilações pelo caminho e eventuais perdas para quem sair do investimento antes do vencimento da aplicação.
Ele lembra dos títulos que são indexados à inflação e, portanto, dependem do mercado, que acaba ditando o preço desse ativo. “A gente viu acontecer fundos que são de renda fixa tendo oscilação negativa no auge da pandemia”, aponta. Na outra ponta, estão aqueles pós-fixados, vinculados apenas ao CDI, que não sofrem esse tipo de oscilação.
Marco Harbich, da Terra Investimentos, alerta que o investidor, mesmo optando por ativos que são cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC) independentemente de serem atrelados à inflação ou totalmente pré-fixados, pode ter rentabilidade negativa caso não obedeça o prazo de resgate.
Esse tipo de produto, em geral, tem incidência de IOF (no primeiro mês) e do Imposto de Renda – a tabela é regressiva: começa em 22,5% e recua até o mínimo de 15% para resgates após 720 dias.
A busca por rentabilidade com juros baixos
A saída para buscar mais rentabilidade é diversificar a carteira, elevar um pouco o risco e abrir mão da liquidez. Gustavo Akamine, analista fundamentalista e gestor de recursos da Constância Investimentos, lembra que é possível buscar mais rendimento a partir de ativos mais sofisticados e com prazos de vencimento mais longos.
Além dos títulos do Tesouro, que são mais seguros, há opções privadas, como as debêntures incentivadas, vinculadas a projetos de infraestrutura, e os Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRI e CRA).
Esse tipo de ativo não tem cobertura do FGC, o que exige que o investidor pesquise mais antes de investir. “Esses títulos, sendo de boa qualidade e de empresas de boa reputação, são boas alternativas à renda fixa tradicional. Se as pessoas forem convencidas que estão dispostas a aceitar mais risco, podem começar com renda variável”, avalia.
A taxa de juros futura, que está aumentando, dá a possibilidade de o investidor mais conservador, que prefere ativos de renda fixa, abrir mão da liquidez para escolher um título mais rentável de duração mais longa. A sugestão de Marco Harbich é para que o investidor se proteja e escolha títulos atrelados à inflação e mais algum porcentual de rendimento ou os títulos atrelados DI, no caso da taxa de juros. “Para ter rentabilidade, terá de abrir mão da liquidez. E não vai ter retorno de 1% ao mês”, avisa.
Os títulos de longa duração se valorizaram nas últimas semanas, pegando carona na discussão sobre o risco fiscal do país, diretamente ligado ao cumprimento ou flexibilização do teto de gastos e também às baixas na equipe econômica de Paulo Guedes. “Esse cenário de estresse elevou os juros futuros, e os títulos mais longos [com vencimento no longo prazo] olham para essa curva de juros para rentabilizar”, explica Rodrigo Moliterno, da Veedha Investimentos.
A conjuntura econômica influencia praticamente todos os ativos brasileiros – e a grande maioria vai se deteriorar caso o país não consiga ajustar o quadro fiscal. Por outro lado, há alguns tipos de ativos que se beneficiam disso, como lembra Gustavo Akamine, da Constância Investimentos.
Ele cita os fundos cambiais, em que o investidor ganha caso o real se deteriore em relação a outras moedas. Outra opção de diversificação é partir para fundos no exterior. “Da mesma maneira, tem que entrar na caixa de risco do investidor. Assim como tem fundo de ação só de investimento em tecnologia nos Estados Unidos, também tem fundo de renda fixa no exterior”, pontua.
Muito procurada pelos brasileiros, poupança tem rendimento cadente
Apesar de a captação líquida da poupança estar batendo recordes em 2020, deixar o dinheiro ali é uma das piores escolhas de qualquer brasileiro. Um cálculo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac) apontou que, após o último corte da Selic, a aplicação renderia 1,4% ao ano – ou 0,12% ao mês –, o que é menos que a inflação.
Ainda assim, ela é muito buscada. O Raio-X do Investidor Brasileiro de 2019, uma pesquisa conduzida pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), mostrou que a poupança era uma escolha de 88% dos investidores entrevistados.
“A poupança, apesar de ter uma segurança muito forte, não é um produto de investimento eficiente. Em certo momento, a rentabilidade ficou boa, até acima da renda fixa, mas não é mais a realidade”, aponta Rodrigo Moliterno.
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