O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto: economia aquecida e rombo nas contas públicas são fontes de pressão sobre a taxa de juros brasileira.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Quando o assunto é o preço do dinheiro, medido pelas taxas de juros, Estados Unidos estão indo para um lado e o Brasil, para o outro.

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Os EUA devem iniciar um corte de juros básicos na semana que vem, em reunião dos presidentes regionais e diretores do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). A principal dúvida é em relação à magnitude: se a redução será de 0,25 ou 0,5 ponto percentual. Atualmente, a taxa está na faixa de 5,25% a 5,5% ao ano.

No Brasil, a tendência é contrária. A possibilidade de um aumento na taxa básica de juros (Selic) cresceu nas últimas semanas. A reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) está marcada para as mesmas datas do encontro do Fed: 17 e 18 de setembro.

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O mercado promoveu um forte ajuste em suas expectativas. No último boletim Focus, publicado pelo BC na segunda-feira (9), bancos e consultorias passaram a projetar um ciclo de alta para a Selic.

Após 11 semanas seguidas indicando manutenção da taxa em 10,5% até o fim do ano, o ponto médio das expectativas para dezembro saltou para 11,25%, começando por um ajuste de 0,25 ponto já na próxima semana.

Um dos fatores que contribuem para essa expectativa de alta é que as projeções de inflação para 2024 estão se aproximando do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 3%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual.

Segundo o Focus mais recente, o ponto médio (mediana) das projeções para o IPCA neste ano chegou a 4,3%, registrando a oitava semana consecutiva de alta. No início do ano, a expectativa era de 3,9%.

"A revisão altista do Focus para o IPCA de 2024 apenas reforça a preocupação do BC com a desancoragem das expectativas", afirma José Alfaix, economista da Rio Bravo Investimentos.

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Os contratos de opção do Copom, negociados na B3, também indicam uma alta na Selic. Na quarta (11), as negociações indicavam probabilidade 77,5% de elevação de 0,25 ponto nos juros. A chance de uma alta ainda maior, de 0,5 ponto, era de 12,5%. E de manutenção, apenas 9,5%.

O cenário para 2025 também piorou. A mediana das expectativas para o IPCA subiu de 3,5% no início de janeiro para 3,92% mais recentemente. No mesmo intervalo, a projeção para a taxa Selic ao fim de 2025 aumentou de 8,5% para 10,25%.

Redução da inflação e desaceleração do mercado de trabalho facilitam corte nos EUA

O presidente do Fed, Jerome Powell, afirmou no mês passado que o corte de juros na economia americana está muito próximo. A declaração foi feita durante o Simpósio de Política Econômica do Fed, realizado anualmente na estação de esqui de Jackson Hole, no estado de Wyoming (Norte dos EUA), que reúne dirigentes dos principais bancos centrais do mundo.

Segundo Powell, dois fatores favorecem a redução dos juros em setembro: os progressos na redução da inflação e as evidências de desaceleração no mercado de trabalho, ainda aquecido. Ele destacou que o ritmo e a magnitude da redução dependerão da análise dos dados econômicos daqui para frente.

Embora a inflação norte-americana ainda esteja distante da meta de 2%, vem apresentando queda. Em julho, a alta dos preços ao consumidor acumulada em 12 meses foi de 2,9%, o menor valor desde março de 2021, conforme dados do US Bureau of Labor Statistics (BLS).

Economistas do Itaú afirmam que, embora os dados de atividade e inflação estejam enfraquecendo, eles ainda apresentam muita volatilidade. Mas, mesmo assim, o índice de preços ao consumidor tem mostrado números mais favoráveis ao longo do tempo, com uma melhora persistente nos serviços.

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O dirigente da autoridade monetária americana observou que os ajustes no mercado de trabalho resultam principalmente da normalização da oferta e da demanda após a pandemia de Covid-19, sem cortes significativos de vagas, mas sim pela expansão da taxa de participação da força de trabalho e uma moderação nas contratações.

A taxa de desemprego nos EUA vem aumentando gradualmente desde julho de 2023, passando de 3,5% para 4,3% no mês passado. Já a participação dos maiores de 16 anos na força de trabalho subiu de 62,5% em dezembro para 62,7% em julho. Embora o mercado de trabalho ainda não tenha se recuperado completamente da pandemia, este é o maior nível de participação para o mês desde 2019.

"Nosso objetivo tem sido restaurar a estabilidade de preços, mantendo um mercado de trabalho forte e evitando os aumentos acentuados no desemprego que caracterizaram episódios desinflacionários anteriores, quando as expectativas de inflação estavam menos bem ancoradas. Embora a tarefa não esteja concluída, fizemos um bom progresso nesse sentido", destacou Powell em Jackson Hole.

O economista-chefe da Nomad, Danilo Igliori, afirmou que setembro marcará o início de um novo capítulo no combate à inflação pós-pandêmica. "A fala de Powell indica que o momento mudou e que o Fed agora precisa se concentrar no segundo vetor de seu mandato: garantir que a economia permaneça próxima do pleno emprego", acrescenta William Castro Alves, estrategista-chefe da corretora Avenue.

O Itaú prevê que o reequilíbrio do mercado de trabalho na maior economia global permitirá três cortes de 0,25 ponto percentual nos juros do Fed ainda este ano. No início do mês, a expectativa era de apenas dois cortes. Em junho, Michelle Bowman, diretora do Fed, descartava a possibilidade de reduções em 2024.

Alta na inflação, questão fiscal e atividade econômica aquecida pesam na definição dos juros no Brasil

A postura do Fed em relação aos juros nos EUA será um dos fatores determinantes para a decisão do Copom na próxima reunião no Brasil.

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"Se o afrouxamento monetário está garantido nos EUA, aqui ainda estamos discutindo a possibilidade de novos cortes. Acredito que as chances de um aumento da Selic já em setembro perdem força se o corte de juros nos EUA for de meio ponto percentual. Por outro lado, se a redução for de 0,25 ponto, pode ser difícil evitar um aumento por aqui", diz Alves, da corretora Avenue.

Outro fator crucial que influenciará o Copom é o comportamento da inflação. Há, segundo o economista-chefe da G5 Partners, Luís Otávio Leal, uma tendência de alta. Neste mês, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acionou a bandeira vermelha nas contas de luz, devido à estiagem, o que eleva a tarifa ao consumidor.

Os dados mais recentes de inflação no Brasil vieram um pouco abaixo do esperado pelo mercado. Em agosto, houve leve deflação de 0,02%, ante expectativa mediana de variação positiva de 0,01%. O IPCA acumulado em 12 meses, enquanto isso, baixou de 4,5% em julho – o teto da meta do BC – para 4,24% em agosto.

São números que podem até embaralhar a decisão do BC, mas que vieram muito perto do esperado pelo mercado. Não representaram, portanto, uma guinada nas expectativas.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo – indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidir o órgão a partir de 2025 –, citaram semanas atrás a possibilidade de aumento da Selic.

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Campos Neto afirmou, durante o simpósio de Jackson Hole, que o Brasil enfrenta duas grandes dificuldades: o aquecimento do mercado de trabalho e o aumento na percepção de risco fiscal.

A taxa de desemprego no Brasil caiu para 6,8% em julho, a menor desde janeiro de 2015, segundo o IBGE. O número de trabalhadores com carteira assinada chegou a 47 milhões em junho, o maior desde o início da série histórica do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged/MTE).

Os salários estão subindo mais que a inflação, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Cerca de 87,2% dos reajustes salariais no primeiros semestre foram superiores ao INPC, índice que mede a inflação das famílias com renda de até cinco salários mínimos, registrando o melhor desempenho em dez anos. O aumento real (descontado a inflação) foi de 1,3%.

Estudo realizado pelo banco Daycoval destaca que o mercado de trabalho em economias avançadas e emergentes tem registrado baixas taxas de desemprego, alta demanda por trabalhadores e aumentos salariais devido ao maior poder de negociação.

A situação fiscal também é motivo de preocupação, apesar dos recordes recentes na arrecadação. Dados do BC indicam que, nos 12 meses até julho, o resultado primário foi deficitário em 2,04% do PIB. Além disso, a dívida pública subiu para 78,5% do PIB em julho, o maior nível desde outubro de 2021. É mais do que o mercado esperava para o fim do ano (78,2%).

Campos Neto enfatizou no simpósio que, no Brasil, há mais pessoas dependentes de programas governamentais do que empregadores e empresários. "Precisamos pensar em uma estratégia precisa e compreender a eficiência desses programas governamentais e o impacto deles na dívida pública", afirmou.

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Juros podem não estar "suficientemente restritivos" no Brasil, diz XP

Economistas da XP Investimentos sugerem que a política monetária no Brasil não está "suficientemente restritiva". A avaliação é de que o Copom deve iniciar um ciclo moderado de alta em setembro, com a expectativa de duas elevações de 0,25 ponto percentual e outras duas de meio ponto nas próximas quatro reuniões, levando a taxa Selic para 12% ao ano em janeiro de 2025.

Segundo analistas da corretora, essa política monetária pode levar a um distanciamento ainda maior do nível neutro de juros (aquele que não influencia positiva ou negativamente a atividade econômica), abrindo espaço para uma redução no final de 2025 ou início de 2026. No entanto, será preciso acompanhar a evolução dos indicadores econômicos, segundo destacaram em relatório.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]