Sistema com elevador, instalado no final da década de 1960, foi pioneiro no Paraná| Foto: Brunno Covello / Gazeta do Povo

Mercado informal

A venda e aluguel de vagas em prédios e condomínios é prática recorrente em Curitiba. A negociação de venda – com valores que podem variar entre R$ 30 mil e R$ 50 mil – costuma ocorrer entre os próprios moradores. Porém, é preciso seguir uma regra básica: por lei, a comercialização da vaga a terceiros só pode ser feita se esta opção estiver prevista na convenção do condomínio. Além disso, o espaço deve ter uma matrícula diferente do restante do imóvel.

CARREGANDO :)

Para o alto e avante

Veja como funciona, na prática, a Garagem Automática Requião:

1 Os donos ou locatários das garagens não possuem uma vaga específica. Os automóveis vão sendo estacionados nas vagas dos primeiros andares, justamente para evitar custos desnecessários com o sobe e desce do elevador e também para agilizar as manobras.

2 Ao chegar no estacionamento, o motorista deixa o carro com o manobrista e recebe um cartão com um número, que deverá ser entregue na retirada. É o manobrista quem colocará o carro sobre o elevador e acionará a plataforma para chegar até a vaga mais próxima. O elevador possui espaço para somente um veículo.

3 Assim como em um edifício comum, o elevador da garagem automática vai para cima e para baixo. Mas também pode ser deslocado para esquerda e direita, para acessar as vagas. Para cada um dos dois elevadores, há três vagas em frente e três vagas atrás, totalizando 12 garagens por andar. Cada espaço possui 20 metros quadrados

4 Chegando ao andar correspondente, o manobrista controla o elevador para chegar até uma das vagas. O elevador não se desloca para frente ou para trás, então o condutor precisa dar ré ou avançar com o veículo para entrar na vaga.

5 A garagem fica aberta 24 horas. Ali, não são aceitos horistas, como em outros estacionamentos, apenas mensalistas.

Domingos Pazdziora, gerente da garagem há 44 anos: testemunha de um empreendi­mento à frente do seu tempo

Era uma época em que a marca Galaxie, em vez de lembrar o nome de um celular, fazia suspirar apaixonados por carros e encantava os "brotos" que viam o sedã da Ford desfilar imponente pelas ruas de Curitiba. A capital paranaense rumava para atingir a marca de 600 mil habitantes, quase o dobro dos 361 mil registrados no início da década. Biarticulados e canaletas eram ainda ideias distantes, assim como as avenidas congestionadas.

Publicidade

VÍDEO: veja como funciona o mecanismo responsável por levar os carros até as vagas de estacionamento

Mesmo assim, houve quem cogitou erguer um prédio só para os poucos automóveis que vagavam aqui e ali. A ideia vingou e, em 10 de março de 1967, era inaugurada a Garagem Automática Requião, a primeira do Paraná a contar com um intrincado sistema de elevadores para carros. Mais curioso que o fato do empreendimento ter vingado foi o destino do espaço: quase 50 anos depois, a então moderna garagem permanece em funcionamento, intocada e um tanto escondida.

O prédio de 21 andares, exclusivo para veículos, está instalado na Alameda Dr. Muricy. De fora, tem o aspecto de um edifício residencial. Dentro, é de uso exclusivo dos automóveis, que se revezam nas 258 vagas disponíveis. Dois elevadores levam os veículos até os andares correspondentes. Prático, mas nem tanto – os manobristas ainda precisam dirigir os carros para dentro das vagas e operar manualmente a plataforma.

Se hoje o prédio pode parecer antiquado, na época da construção foi tratado como atração turística. A empreitada foi levada a cabo pela família Requião – que possuía uma rede de papelarias com sede na alameda e era dona do terreno – e pela construtora Irmãos Thá. Muitos rumavam para o Centro da capital só para ver como funcionava aquela "caixa de carros". "Eu era criança na época e lembro que o prédio chamava a atenção de todo mundo. Tinha muita gente que ficava parada na frente só para ver os carros entrando e subindo no elevador", recorda o tabelião Oséas Ribas Ferreira Júnior, que herdou do pai quatro garagens, que usa até hoje.

O uso das vagas por diferentes gerações é comum e explica parte da vitalidade do estacionamento. Na prática, a garagem automática funciona como um prédio habitado por seres de carne e osso. Há condomínio para pagar, síndica para botar a casa em ordem, IPTU, escritura e tudo o mais de direito. Os proprietários podem alugar a vaga para mensalistas, usar por conta própria ou, como é praxe no mercado imobiliário, adquirir para esperar valorizar e depois revender.

Publicidade

Numa cidade atopetada de carros e sedenta por espaços para estacionar, o negócio tem se mostrado rentável – hoje, as vagas na garagem Requião chegam a valer entre R$ 12 mil e R$ 15 mil. Só o advogado aposentado Bernardo Troib tem mais de 50 vagas no prédio, algumas adquiridas em leilões. Aluga a grande maioria, ao menos para arcar com o custo do condomínio, em torno de R$ 250. "Não deixa de ser um imóvel de baixo custo, com possibilidade de vender mais pra frente ou trocar várias garagens por um imóvel melhor. Se eu tiver disponibilidade de dinheiro e haver oportunidade de oferta, vou continuar comprando", diz Troib.

Pioneirismo

Apesar de moderno, sistema não vingou nas décadas seguintes

Embora prédios residenciais e comerciais dediquem cada vez mais espaço aos estacionamentos – a construtura Laguna ergueu recentemente no Bairro Água Verde um edifício com seis andares só para veículos, sendo cinco no subsolo – o sistema de garagem automática não vingou ao longo do tempo. Há apenas um outro empreendimento similar, na Avenida Marechal Deodoro, lançado em 1974 e ainda em funcionamento.

Hoje a legislação municipal não permite a construção de vários andares de estacionamento acima do solo – restrição que é alvo de críticas de construtoras e entidades do setor e deve ser discutida na revisão do Plano Diretor. "Os edifícios-garagens foram cogitados nos anos 1960 mas não vingaram até porque não havia necessidade. Mas nos últimos cinco anos Curitiba mudou exponencialmente e, hoje, encontrar uma vaga para estacionar é muito difícil. Esperamos que com as novas discussões (do Plano Diretor) possamos transformar essa opção em algo factível", defende o engenheiro civil e e vice-presidente da Área Técnica do Sinduscon-PR, Euclésio Finatti.

Publicidade

O gerente da Garagem Automática Requião, Domingos Pazdziora, tem sua própria tese a respeito. "As construtoras não pensaram muito no futuro. Parece que ninguém imaginou que ia aumentar tanto a quantidade de carros na cidade", diz. Domingos é testemunha dessa evolução – ou retrocesso, na opinião dos críticos dos automóveis. Ele trabalha como gerente da garagem há 44 anos. Se aposentou há 17, mas continua no batente. No alto de seus 73 anos, não encontra dificuldade para tocar o negócio. Até porque pouco mudou nas últimas décadas, incluindo os cartões de papel amarelados que substituem qualquer software que poderia ser usado para controlar as vagas.