A combinação entre a Lava Jato e a crise econômica interna abriu espaço para uma forte entrada de investimentos chineses no Brasil. As dificuldades de muitas empresas investigadas no âmbito da operação conduzida pela Polícia Federal têm atraído o capital externo, aquecendo o mercado de fusões e aquisições no País. A lista de ativos à venda, que supera US$ 200 bilhões, segundo cálculos não oficiais de bancos de investimento, é colocada em um momento composto por recessão econômica e por um governo que não tem caixa para investir. Nesse cenário, os chineses estão engrossando a fila de interessados nas oportunidades e, em muitos casos, prontos a pisarem pela primeira vez no País, com potencial para trazer dezenas de bilhões de dólares para cá.
Até aqui, uma das maiores provas do apetite chinês no Brasil foi a vitória da empresa China Three Gorges, famosa pela construção da hidrelétrica de Três Gargantas na China, no leilão das usinas Jupiá e Ilha Solteira, com um pagamento de R$ 13,8 bilhões de bônus de outorga ao governo. Antes, também no ano passado, a companhia chinesa adquiriu as participações detidas pelo Grupo Triunfo em duas hidrelétricas. “O investimento chinês no Brasil vem seguindo uma linha de maturidade há vários anos. Mais recentemente, porém, vimos dar um pico”, diz o sócio responsável pelo China Desk de TozziniFreire Advogados, área dedicada a negócios com o país asiático, Reinaldo Guang Ruey Ma. Segundo ele, houve um represamento de operações que estão destravando agora, principalmente por conta de uma estabilização da taxa de câmbio, afirma.
Um exemplo mais recente do interesse chinês foi a compra do controle da Rio Bravo Investimentos pelo Grupo Fosun, marcando a primeira aquisição da companhia no Brasil. O País é considerado, afirma o presidente do grupo chinês, Guo Guangchang, geograficamente um canal que liga a América Latina e a Ásia. No Brasil, a atenção do Fosun está ainda nos setores de turismo, agricultura, saúde, seguros e imobiliário. Segundo fontes, a Fosun estaria negociando, por exemplo, a aquisição da seguradora Austral.
O presidente da Câmara Brasil-China, Charles Tang, confirma que o fluxo de recursos chineses ao Brasil está ainda muito no começo e que grandes companhias do país, que ainda não têm negócios por aqui, estão atentas para investir. “Há neste momento oito gigantes do setor de energia que estão querendo entrar no Brasil”, afirma Tang, reconhecendo que no País são mais conhecidas até aqui apenas duas chinesas desse setor, a própria China Three Gorges e a State Grid. Segundo ele, são muitos fatores que estão convergindo e criando um “alinhamento de estrelas” para aportes chineses no Brasil. “Hoje há uma grande quantidade de ativos disponíveis e na China continua sobrando dinheiro”, afirma.
Outros exemplos de investimentos da China já realizados não faltam. Um deles é o do Grupo HNA, que adquiriu 23,7% de ações preferenciais da Azul Linhas Aéreas por R$ 1,7 bilhão. Há também a State Grid, que no mês passado fechou um acordo para compra da participação de 23,6% que a Camargo Corrêa tem na CPFL Energia. Nesse segundo caso, se comprar 100% das ações - a companhia terá que realizar uma oferta pública de aquisição (OPA) devido ao direito do tag along -, a chinesa poderá desembolsar mais de R$ 25 bilhões, assumindo ainda R$ 15 bilhões em dívida. De 2010, quando chegou ao Brasil, até agora, a State Grid já abocanhou o controle ou participação de 14 empresas e arrematou, ainda, nove projetos de transmissão de energia elétrica.
Complementares
Para Guangchang, da Fosun, uma das explicações para um grande interesse no Brasil é o fato de o País e a China terem características complementares, com o Brasil forte, por exemplo, em recursos minerais e na agricultura, áreas em que o país asiático tem carência. “Estamos olhando muitas oportunidades no Brasil”, destaca.
Ruey Ma, do TozziniFreire, admite a existência, ainda, de uma desconfiança em relação aos aportes chineses, mas garante que os investimentos têm uma visão estratégica de longo prazo e que os desembolsos seguem processos de avaliações que muitas prospecções acabam sendo barradas no procedimento de diligência (due diligence). “O que acontece é que o chinês tem tendência de lidar um pouco mais com o risco, perfil de lidar com algumas incertezas”, diz.
Apesar disso, ainda é identificada uma barreira para um maior fluxo de entrada de capital chinês no Brasil, segundo especialistas. O Brasil seria muito passivo para atrair esses investimentos e, até aqui, não houve roadshows, capitaneados pelo governo brasileiro, para apresentar as oportunidades no Brasil. “A Câmara Brasil-China tem tentado, sem o apoio do Brasil, atrair as empresas. Imagina se o governo brasileiro fizer isso. Estamos só no início, com muitas empresas interessadas no Brasil, que não sabem por onde começar”, conclui Tang, do CCIBC.
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